O carbono é um “produto quente” em uma era de mudança climática (o trocadilho foi intencional). Isso está acontecendo de maneiras únicas no setor agropecuário. Do lado negativo, as emissões de carbono fóssil estão impulsionando os eventos climáticos extremos, que estão aumentando os já significativos riscos econômicos da agropecuária, uma indústria a céu aberto na qual os produtores têm um controle limitado sobre ela. Mas, do lado positivo, as plantas têm um “superpoder” relacionado ao carbono. A fotossíntese permite que elas usem a energia solar para retirar o dióxido de carbono da atmosfera. Isso permite pelo menos quatro categorias de criação de valor relacionadas ao carbono para a economia agropecuária:
O Ciclo do Carbono normal (carbono que fez o seu almoço…)
Substituição de Carbono (carbono que fez seu contêiner…), e
Sequestro de Carbono (carbono que é retirado do circuito…)
Combustíveis com “Intensidade de Carbono” reduzida (carbono que dirigia seu carro/caminhão…)
Assim, embora existam complicações e limitações, a “agricultura da era do carbono” está conseguindo desempenhar um papel ativo na mitigação das mudanças climáticas. Esse papel está se expandindo por causa de incentivos econômicos adicionais para os agricultores fazerem mudanças importantes e muitas vezes desafiadoras em suas práticas agrícolas. Confira quais os caminhos da mitigação:
1) O Ciclo Normal do Carbono – o carbono que fez o seu almoço…
Quando o carbono capturado e armazenado pelas culturas em alimentos ou rações animais é metabolizado, ele é liberado de volta para a atmosfera como dióxido de carbono. No entanto, essas emissões de CO2 são “neutras em carbono” porque são apenas parte de um processo circular. Essa capacidade de captura de carbono e energia é o modo fundamental de criação de valor agropecuário. O Banco Mundial estima que essa função normal da agricultura representa 4% do PIB (Produto Interno Bruto) global. A agropecuária tem uma “pegada de carbono”, mas a maior parte disso vem da produção de fertilizantes nitrogenados, uso de combustível e emissões de outros gases de efeito estufa, como metano e óxido nitroso, e existem soluções em andamento para reduzir essas fontes. Existem também várias práticas agrícolas sustentáveis que são mais favoráveis ao clima e os agricultores podem ser pagos para implementar algumas dessas práticas. Nos EUA, por exemplo, participando de várias iniciativas financiadas pelo programa de bolsas parcerias para Commodities Climatizadas do USDA (Departamento de Agricultura dos EUA). A minimização da pegada de carbono agrícola também contribui para o quarto modo de criação de valor descrito abaixo.
2) Substituição de Carbono – carbono que fez a embalagem do seu alimento…
Os plásticos de origem fóssil são a base da indústria de embalagens. Há um segmento crescente de alternativas de base biológica, e elas podem reduzir a pegada de carbono fóssil geral para CPGs (Consumer Packaged Goods ou Bens de Consumo Embalados). Esses materiais são frequentemente descritos como “compostáveis”. Isso pode ou não ocorrer de fato, dependendo dos fatores de manuseio, assim como recipientes “recicláveis” de todos os tipos podem ou não acabar sendo reciclados.
3) Sequestro – carbono que é retirado “do circuito”
Parte do dióxido de carbono que as plantas capturam pode acabar em formas como matéria orgânica estável do solo, que não é metabolizada e liberada novamente na atmosfera. Esse é o carbono “sequestrado”. Este é um processo normal que ocorre em qualquer floresta, pastagem ou outro ambiente natural não perturbado em vários graus, dependendo do tipo de solo, listagem da terra, cobertura da terra e clima. Isso também pode acontecer em terras de cultivo se forem empregados certos métodos que melhoram a saúde do solo – especificamente aqueles que envolvem perturbação extremamente limitada do solo (plantio direto ou plantio direto mínimo…) e formas de maximizar o tempo ao longo do ano com plantas crescendo ativamente (por exemplo, adicionando culturas de cobertura, cultivo duplo…). Essas práticas são descritas de várias maneiras como “plantio direto contínuo”, “regenerativo” ou “inteligente para o clima” e, a médio e longo prazo, criam valor por meio de colheitas mais produtivas e mais estáveis.
Na “Era do Carbono”, esse tipo de captura de carbono pode criar valor para a agricultura por meio de “mercados de compensação de carbono”, que permitem que participantes de vários setores não agrícolas compensem suas próprias emissões de gases de efeito estufa, dando aos produtores rurais um incentivo financeiro para implementar as práticas que irão aumentar o armazenamento de carbono em seus solos. Particularmente, quando se trata de plantio direto, há agricultores que fazem isso há anos ou até décadas. Por isso, tem sido um tanto frustrante que esses produtores rurais inovadores não possam colocar suas terras em um programa de compensação porque uma prática qualificada deve ser “adicional”. Esses agricultores progressistas ainda poderiam se qualificar para créditos de carbono adicionando culturas de cobertura ou outros modelos de cultivo. A outra questão para os créditos de carbono é um requisito de “permanência” – um compromisso de longo prazo para continuar cuidando da terra de forma que o carbono armazenado não seja liberado. Isso requer o envolvimento dos proprietários de terras e também das terras que são arrendadas.
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Existem alguns métodos potenciais adicionais para aumentar o carbono do solo a longo prazo em fazendas, como a aplicação de “biochar” ou o uso de certos inoculantes microbianos comercializados por empresas do setor. Há também uma abordagem chamada Intemperismo Avançado de Rochas, na qual aplicações de tipos específicos de cal agrícola podem levar ao sequestro de carbono.
Nos EUA, um exemplo é a Indigo Ag, com sede em Boston, Massachusetts (também com operações no Brasil), o maior player no mercado de compensação de carbono agrícola local. Eles fornecem aos agricultores ferramentas digitais e informações para avaliar o potencial de sequestro/renda em seu(s) campo(s) com base em milhares de pontos de dados coletados e analisados, tanto por amostragem direta de solo quanto por modelagem, por meio do uso de uma amostra inicial de solo. O agricultor tem a opção de aderir a um programa, sendo que a cada ano são coletadas amostras do solo de cerca de 10% dos novos campos de cultivo para avaliar os estoques de carbono da linha de base e fornecer um ponto de partida para a modelagem de mudanças ao longo do tempo. A combinação de dados de sensoriamento remoto por satélite, registros de manejo de agricultores e modelagem avançada é usada para validar as práticas e quantificar os impactos de carbono. A Indigo concluiu recentemente sua segunda colheita de créditos de carbono envolvendo 427 agricultores em 22 estados norte-americanos que geraram mais de 111.000 toneladas métricas de equivalentes de dióxido de carbono – cinco vezes mais do que a primeira colheita da Indigo em junho de 2022. Suas duas colheitas combinadas do programa Carbon by Indigo sequestraram mais de 133.000 toneladas métricas de carbono e foram pagos quase US$ 5 milhões (R$ 23,6 milhões na cotação atual) aos agricultores. A empresa está a caminho de concluir sua terceira colheita de carbono sem precedentes, no início de 2024.
4) Intensidade do Carbono – carbono resultante de seu carro/caminhão
Uma das estratégias para “descarbonizar” o setor de transporte é alimentar os veículos com biocombustíveis, mas o benefício climático dessa abordagem depende de algo chamado “Intensidade de Carbono” do combustível específico ou mistura de combustível (as emissões de gases de efeito estufa por unidade de energia fornecido). A gasolina comum tem uma pontuação de IC (intensidade de carbono) de 99 a 105. Nos EUA, para incentivar a otimização do biocombustível, há uma cláusula no IRA (Inflation Reduction Act) que pagará uma empresa de combustível para cada unidade de IC abaixo de um limite específico de 50.
Uma refinaria de biocombustível pode obter alguns ganhos de IC otimizando seu próprio processo de fermentação ou adicionando captura de CO2, mas a principal oportunidade é minimizar a intensidade de carbono das culturas usadas para produzir o combustível. Se um agricultor usa práticas de cultivo “inteligentes para o clima” ou “regenerativas”, como plantio direto e culturas de cobertura, isso reduz as emissões líquidas de gases de efeito estufa por alqueire em cada estação de cultivo e, por sua vez, pode diminuir a intensidade de carbono do combustível produzido daquela safra.
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Se um número suficiente de produtores que fornecem uma determinada instalação de biocombustível fizer esse tipo de cultivo, o combustível resultante se qualifica para o “Crédito Fiscal 452” e essa renda pode ser compartilhada entre os produtores, o elevador de grãos e a empresa de biocombustível.
Existe uma empresa de software de agronomia chamada Continuum Ag, com sede em Washington, que tem estado na vanguarda desta nova categoria de criação de valor relacionada ao carbono. Eles ajudam os agricultores a aproveitar essa fonte de valor – como diz o site “Ganhe dinheiro com a saúde do solo”. Se um agricultor já está cultivando sua safra com métodos de redução da intensidade de carbono, a Continuum o ajuda a documentar isso para se qualificar para uma parte do valor. Eles aconselham outros agricultores sobre como implementar as mudanças necessárias para se qualificar para os pagamentos.
A Indigo Ag, desenvolvedora de compensação de carbono descrita acima, também iniciou um programa semelhante que eles chamam de Indigo’s Market+ Sustainable Crop, ou “Source” Program, que incentiva os agricultores a rastrear métodos agrícolas sustentáveis que podem qualificar a cultura para um Crédito Fiscal 452.
Com isso, a Indigo, Continuum e uma rede mais ampla de consultores agronômicos confiáveis podem ajudar os agricultores a descobrir como otimizar sua receita potencial de crédito de carbono ou oportunidades de intensidade de carbono.
*Steven Savage, colunista da Forbes EUA, é biólogo pela Universidade de Stanford e doutor pela Universidade da Califórnia, em Davis (tradução: Vera Ondei).
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