Empresário de Hong Kong quer ser bilionário da Forbes (a qualquer custo)

  • Post author:
  • Reading time:8 mins read
Jose Sarmento Matos

Calvin Lo, o empresário que se diz bilionário

Em uma manhã quente de setembro de 2022, Calvin Lo recebeu um editor da Forbes no escritório de Hong Kong da corretora de seguros de vida que pertence à sua família, a R.E. Lee Internacional. Vestindo um terno imaculado de três peças com gravata e lenço de bolso combinando, Lo sentou-se com o jornalista em sua sala de reuniões com painéis de madeira ornamentados, livros encadernados em couro e vasos decorados com bom gosto.

Ele havia convocado o editor para discutir a lista de bilionários da Forbes. Lo, que é CEO da R.E. Lee International, disse estar “curioso” para saber como outros bilionários na Ásia viam o ranking.

Bilionários dão dicas sobre como ganhar dinheiro (de verdade)








Ele explicou que foi pego em um “dilema” sobre se deveria fornecer à Forbes documentação adicional de sua riqueza para que pudesse ser incluído na lista. Os magnatas mais velhos e tradicionais querem manter sua privacidade, disse Lo. Porém, afirmou, os ricos de segunda e terceira geração são mais abertos e alguns que o conheciam encorajaram-no a entrar na lista.

Ele também indicou que achava que a inclusão poderia ser boa para seu negócio principal: vender apólices de seguro para indivíduos com patrimônio líquido ultraelevado. “Esse é exatamente o nosso mercado-alvo”, acrescentou.

Na realidade, o “dilema” de Lo era encenação. Quando essa entrevista ocorreu, ele já tinha passado mais de dois anos mentindo para entrar na lista dos bilionários. O esforço foi grande. Desde 2020, pelo menos sete pessoas entraram em contato com 11 jornalistas da Forbes em mais de 20 ocasiões.

Eles o apresentaram como o “filantropo bilionário mais desconhecido” e como o “investidor bilionário mais privado e esquivo do mundo”. Eles enviaram mais de uma dúzia de documentos, alguns carimbados como PRIVADO E CONFIDENCIAL, que supostamente atestavam sua reputação e riqueza.

Inicialmente, a Forbes não levou nada muito a sério. Um número surpreendente de pessoas tenta entrar em nossa lista de bilionários todos os anos. À primeira vista, Lo simplesmente não parecia rico o suficiente. A R.E. Lee International não era muito conhecida em Hong Kong, onde a Forbes mantém um escritório de seis pessoas, e ganhar bilhões com apólices de seguro pessoais parecia absurdo.

Leia também: 

Fortuna de Eduardo Saverin cresce US$ 1 bilhão na semana
Mercado de luxo: consumidores da Ásia superam americanos no trimestre

Lo foi persistente, porém. Com o tempo, vários meios de comunicação, incluindo BBC, CNBC, Daily Express, Daily Mirror, Financial Times, Independent, Nikkei Asia, Reuters e South China Morning Post publicaram histórias chamando Lo de bilionário. As reportagens traziam opiniões de Lo sobre assuntos tão diversos como champanhe e criptomoedas.

Muitas dessas histórias citavam a Forbes como fonte. Um dos assessores de comunicação de Lo enviou e-mails informando que ele estava na lista de bilionários da Forbes. Uma reportagem que o chamava de bilionário chegou a ser publicada no site da Forbes Middle East, uma das edições licenciadas independentes. Após uma investigação, ficou provado que a “reportagem” era um conteúdo patrocinado, pago pela equipe de Lo. O texto foi retirado do site.

Chegou a hora de esclarecer as coisas. A entrevista em Hong Kong se transformou em uma investigação de quase um ano, durante a qual os jornalistas da Forbes falaram com pelo menos 40 pessoas em seis países e vasculharam centenas de páginas de documentos separando diligentemente os (poucos) fatos verdadeiros sobre Lo e o que é ficção (a maior parte).

Fatos e ficção

Lo foi apresentado à Forbes como o CEO e proprietário da R.E. Lee International, “a maior corretora de seguros de vida do mundo”, com cerca de US$ 1 bilhão em prêmios. Ele também era apresentado como fundador da R.E. Lee Capital, uma gestora de recursos com ativos entre US$ 8 bilhões e US$ 10 bilhões, dependendo do comunicado à imprensa.

Ele foi descrito como um investidor formado em Harvard que pagou US$ 1,2 bilhão em 2018 para comprar o hotel cinco estrelas Mandarin Oriental, em Taiwan, por meio de seu veículo de investimentos, o R.E. Lee Octagon. Foi apresentado como um filantropo que criou uma fundação de caridade de US$ 250 milhões e como proprietário de meia dúzia de casas de luxo ao redor do mundo.

Ele também foi “considerado o maior investidor e colecionador de champanhes da Ásia e um dos primeiros asiáticos a ser proprietário de um jato particular Gulfstream G650”. Ah, sim, ele também foi apresentado como investidor da lendária equipe Williams, da Fórmula 1.

Leia também: 

Ferrari é a equipe mais valiosa da F1; veja o ranking de 2023

A maioria dessas alegações não pôde ser confirmada e outras são, simplesmente, mentiras. Lo não participa na equipe de F1 da Williams e não é dono, direta ou indiretamente, do Mandarin Oriental. As casas, com base nos endereços que ele forneceu, pertencem a seus pais ou a outras pessoas. A Harvard Business School não tem registro de alguém chamado Calvin Lo se formando.

Sua fundação de caridade e a R.E. Lee Octagon parecem não existir. E a Lee Capital esclareceu que, embora a mãe de Lo, Regina Lee, seja presidente da empresa e ele seja filho de um investidor não executivo, isso “não deve ser interpretado como uma associação entre o Sr. Lo e nossa empresa”. A Lee Capital também confirmou que não tem nada perto dos supostos US$ 8 bilhões a US$ 10 bilhões em ativos sob gestão.

Quanto ao negócio de seguros de Lo, R.E. Lee International, um ex-funcionário estima que não poderia ter negociado mais de US$ 800 milhões em apólices no ano passado, considerando o valor segurado, e não os prêmios. A Forbes estima que a empresa valha cerca de US$ 60 milhões.

Porém, o mais complicado é descobrir quem é realmente o dono. A mãe de Lo comprou a empresa, que ela ajudou a construir, em 2015. Ela pode tê-la dado ao filho. Regina Lee e Francis Lo, pai de Calvin, possuem pelo menos dois apartamentos no Peak, uma das áreas residenciais mais exclusivas de Hong Kong, assim como o escritório de quase 400 metros quadrados da R.E Lee International no distrito comercial central de Hong Kong e um condomínio em Vancouver. Não há dúvida de que sua família é rica, mas nem de longe tão rica quanto ele sugere. Ao todo, a Forbes estima que Lo e seus pais valem menos de US$ 200 milhões — juntos.

Forbes enviou uma longa lista de perguntas para Lo e sua mãe, pedindo comentários. Em resposta, um escritório de advocacia enviou uma carta dizendo que “todas as insinuações de que nosso cliente foi desonesto, falso ou antiético são categoricamente negadas por ele”.

Ele dificilmente é a primeira pessoa a mentir para a Forbes sobre o tamanho de sua fortuna. Outros ilusionistas financeiros incluem Donald Trump, o ex-secretário de Comércio dos EUA Wilbur Ross e a estrela de reality shows e empresária de cosméticos Kylie Jenner.

Outros trabalham duro para causar uma impressão positiva: uma década atrás, o príncipe Alwaleed bin Talal, da Arábia Saudita, enviou aos editores da Forbes bolsas de couro verde pesando pelo menos 5 quilogramas, recheadas com falsas “reimpressões” de capas de revistas, incluindo uma pose de jet-set supostamente para a “Vanity Fair” e duas capas falsas do “Time 100”.

Houve até uma “reimpressão” da Forbes na qual ele olha poderosamente da “capa”, vestido com uma gola rulê preta estilo Steve Jobs, acima das palavras O HOMEM DE NEGÓCIOS MAIS ASTUTO DO MUNDO. Nenhuma das revistas era real.

Mesmo entre essa turma criativa, Lo se destaca pela audácia de suas reivindicações e por quão longe ele estava disposto a ir. Isso inclui não apenas contratar firmas de relações públicas e advogados para perpetuar suas falsidades, mas também provavelmente falsificar documentos financeiros e manipular uma fotografia. E embora muitas pessoas poderosas já tenham dito à Forbes que valem mais do que têm, elas geralmente sabem que não devem fingir possuir os bens de outras pessoas.

Por que Lo faria todo esse esforço para exagerar sua fortuna? Ele deu uma sugestão em setembro de 2022: “Se eu estivesse procurando alguém para fornecer esses serviços [financeiros], gostaria que fosse uma pessoa de sucesso”.

O post Empresário de Hong Kong quer ser bilionário da Forbes (a qualquer custo) apareceu primeiro em Forbes Brasil.

Deixe um comentário