No futuro, talvez terão avançado pesquisas e conquistas científicas e tecnológicas que hoje buscam retardar o envelhecimento, prolongar o vigor da juventude e, nas pretensões mais bombásticas, alcançar a “vida eterna”. Até lá (se é que um dia se vai mesmo “chegar lá”), no entanto, vivemos e viveremos como têm vivido há milhões de anos todas as formas de vida que já andaram sobre esta Terra. Temos um tempo limitado, e este, em um dado momento, chega ao fim.
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Falar em “o fim” inclusive já é um modo de contornar aquela palavra que não é proibida, mas muito se tenta evitar: “morte”. Presente como é esse evento, ele ainda assim causa temor (em muitos casos, desmedido) – tanto em nossos dias como às épocas de pensadores como Michel de Montaigne (Os Ensaios: “Que filosofar é aprender a morrer”), Platão (“Fédon, ou sobre a imortalidade da alma”), Cícero (“Discussões Tusculanas”) e Sêneca (“Sobre a brevidade da vida”), para ficar em uma lista curta.
Em todas essas obras, esses filósofos propuseram maneiras de lidar com esse temor. De forma geral, eles dizem que devemos aprender a viver e, “o que talvez cause mais admiração”, aprender a morrer. Cada pessoa aprenderá de sua forma, de acordo com sua circunstância – por isso, talvez seja impossível tentar chegar a alguma espécie de “fórmula geral” que ensine todos igualmente a como encarar a morte – a própria ou daqueles a quem se ama.
Mas dificilmente alguém se oporá à ideia de que o fim, cercado por pessoas queridas, na paz da própria casa, seria muito desejável (talvez mesmo a maneira ideal de se despedir). Mas são tantos e tão entranhados os tabus em falar sobre preparativos para “bem morrer” que conversas em família (um fórum dos mais adequados para tratar disso), com amigos ou mesmo com profissionais se tornam difíceis, amarradas, isso quando acontecem de fato.
Os cuidados paliativos são um dos elementos presentes nesse contexto, e encontraram uma porta bastante favorável para entrar no debate público na recente novela “Vai na Fé” (a TV ainda tem grande poder de penetração, mesmo em tempos de redes sociais e internet móvel). Infelizmente, a opção pelo cuidado paliativo demanda mais que apenas a companhia de entes queridos e a tranquilidade de se estar no próprio leito. Há poucas unidades de saúde públicas capazes de prover esse tipo de atenção. Especialistas, no entanto, lembram que cuidados paliativos não exigem grandes complexidades – e inclusive podem abrir espaço para casos que exijam recursos mais complexos.
O Brasil precisa avançar no debate sobre a escolha de cada um em deixar tratamentos que muitas vezes apenas prolongam o sofrimento não só do paciente, mas de todos os que têm com ele laços afetivos. Pesquisa de 2021, do “Journal of Pain and Symptom Management”, mostrou que o Brasil está na triste lista dos países que falharam em entregar cuidados satisfatórios a quem se encontra em situação de pré-morte. E o problema é mais sentido em países de baixa renda: o Brasil só está à frente de Líbano e Paraguai nesse ranking, de 81 países. A exceção nessa classe de países é a Costa Rica, que aparece na 6ª posição – mas o próximo na mesma condição econômica é Uganda, que fica em 31º lugar. Há fatores culturais que pesam, há prioridades sanitárias mais urgentes e há muitos fatores em jogo. Nada disso é justificativa, no entanto, para que os momentos finais de alguém sejam de apreensão e angústia se a ela couber a privilegiada opção de partir de forma serena.
Desnecessário dizer que lutar pela vida é um esforço nobre, um impulso a que não resistimos – pela nossa própria e pela de quem amamos; como escreveu o poeta Dylan Thomas (na bela tradução de Augusto de Campos), “não vás tão docilmente nessa noite linda (…) Clama, clama contra o apagar da luz que finda”. Mas há igualmente dignidade em reconhecer o momento em que a luta está para terminar. Não se pode aceitar que no Brasil tão pouco se fale acerca desse tema (e de outros) simplesmente porque são tabus. É injustificável negar, em nome de uma convenção, a dignidade de uma despedida em paz e cercado de amor.
Claudio Lottenberg é mestre e doutor em oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp). É presidente do conselho do Hospital Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde.
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