Nos dias 13 e 14 de julho, durante a conferência “Construindo um Futuro Sustentável para o Sul Global” em Joanesburgo, na África do Sul, especialistas da área de mídia e comunicação dos Estados Unidos, Reino Unido e África do Sul assinaram o documento “Big Tech e Jornalismo: princípios para uma remuneração justa”, que promove diretrizes para financiar conteúdos jornalísticos pelas big techs.
O documento possui 10 diretrizes: Interesse Público, Pluralidade, Diversidade, Sustentabilidade, Equidade, Coletividade, Transparência, Responsabilização, Independência e Resultados. As normas foram elaboradas para fomentar o investimento de grandes plataformas da internet no jornalismo de interesse público e como a construção de novas políticas públicas podem deixar esse cenário economicamente mais justo.
O acordo foi idealizado por Anya Schiffrin, professora da Universidade de Columbia, Jonathan Heawood, diretor-executivo da Public Interest News Foundation, do Reino Unido, Courtney Radsch, pesquisadora do Institute for Technology, Law and Policy da Universidade da Califórnia, e Michael Markovitz, diretor do Gibs Media Leadership Think Tank, na África do Sul.
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A medida promove também transparência nas negociações entre as plataformas e os veículos de comunicação e que a remuneração ocorra de forma regular e independente. Além disso, é necessário estimular a participação do jornalismo local e de pequenas e médias plataformas de mídia que produzem conteúdos noticiosos.
O Brasil é um dos países que busca modelos para a remuneração de conteúdos jornalísticos compartilhados em plataformas de mídias sociais. O acordo pode colaborar como uma peça-chave na sustentabilidade da mídia com abordagens regulatórias, mas com adaptações para o cenário brasileiro do jornalismo. Duas entidades do país fizeram parte do evento, a Associação de Jornalismo Digital (Ajor) e o Instituto Vladimir Herzog.
Em entrevista à Forbes Brasil, Maia Fortes, diretora executiva da Associação de Jornalismo Digital (Ajor), que esteve presente na conferência, afirma que “o documento é um importante avanço, pois estabelece diretrizes para a remuneração das iniciativas jornalísticas por parte das big techs”.
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Forbes Brasil — Do seu ponto de vista, como o documento irá contribuir no cenário do jornalismo brasileiro?
Maia Fortes — No caso brasileiro, o documento traz mais insumos para o debate que tem ocorrido em espaços como o Comitê Gestor da Internet (CGI) e a Câmara dos Deputados (no âmbito dos Projetos de Lei nº 2630/2020 e 2370/2019). Apesar de ainda não haver consenso sobre a forma que essa remuneração deve ocorrer, é extremamente importante que sejam pactuadas diretrizes mínimas alinhadas àquelas do documento, para garantir o fortalecimento do campo do jornalismo comprometido com os direitos humanos e com a defesa da democracia no país. Um dos entraves da discussão brasileira é, por exemplo, que tipo de jornalismo seria beneficiado por uma política de remuneração por conteúdos. Logo na primeira diretriz, o documento traz o conceito de jornalismo de interesse público, aquele que informa o público sobre assuntos relevantes para seus direitos e responsabilidades como cidadãos.
Quais mudanças o público que consome as notícias poderá ver a longo prazo após a assinatura do documento?
É importante esclarecer que este documento é a contribuição de diversos atores da sociedade civil internacional para qualificar a tomada de decisão de construção de políticas públicas pelos governos. Então, os efeitos a longo prazo dependem de certa maneira de que esses agentes percebam a importância de adotar os princípios – e apliquem esses conceitos no desenvolvimento de políticas públicas sobre o tema. Se essa sensibilização for alcançada, a intenção no longo prazo é o fortalecimento do ecossistema do jornalismo de interesse público, que contribua com a democratização do acesso à informação, o combate aos desertos de notícias (regiões que não tem cobertura jornalística local) e a democratização das iniciativas jornalísticas, garantindo maior pluralidade de olhares e vozes nas coberturas.
Qual é a importância das big techs regulamentarem e remunerarem de forma justa os jornalistas?
O ecossistema do jornalismo foi impactado pelo desenvolvimento das big techs e a consequente transferência das receitas publicitárias dos veículos de comunicação para essas corporações. As big techs não produzem conteúdo, são apenas intermediárias entre as iniciativas jornalísticas nos seus mais diversos formatos e o público. Mas, é em razão dessa mediação que são as principais beneficiadas pelas receitas publicitárias. Assim, diante do impacto negativo que tiveram na sustentabilidade financeira do jornalismo e diante da importância desse setor na democratização do acesso à informação e sua contribuição ao fortalecimento da democracia, é necessário e justo que essas empresas remunerem as iniciativas jornalísticas pelos conteúdos produzidos. A Ajor acredita que o jornalismo de interesse público é uma das principais formas para combater a desinformação e um importante instrumento para o exercício do direito de acesso à informação. Por isso, é importante que ele seja valorizado e recompensado por isso.
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Quais esforços serão feitos para colocar em prática tudo o que o acordo pretende realizar?
Como explicamos anteriormente, trata-se de um documento com uma série de princípios norteadores globais. Não haverá uma fiscalização sobre a sua adoção em âmbito nacional. O que esperamos é que a sociedade civil, a academia e jornalistas se mobilizem em torno deste texto e contribuam, por meio da assinatura e da visibilidade, para desenvolver o debate público em torno do tema, o que impactará, na nossa perspectiva, no desenvolvimento de políticas que fortaleçam um ecossistema plural, o que consequentemente fortalece a nossa democracia.
Qual a importância de promover a igualdade entre os veículos de comunicação para que eles possam trabalhar de maneira conjunta e oferecer um material jornalístico de qualidade para o público?
Ao gerar mais equidade de oportunidades para as organizações jornalísticas de diferentes composições, lugares e tipos de cobertura, a sociedade é beneficiada – por meio de uma comunicação mais diversa – que reflita a composição de um país continental e marcado pelas desigualdades, como o Brasil. Grandes grupos de comunicação não dão conta de expressar a pluralidade de contextos existentes no país. Ao promover esse cenário, amplia-se o poder de voz de grupos que foram historicamente invisibilizados pela mídia tradicional e oligopólios midiáticos. Além disso, diversas pesquisas já comprovam que o jornalismo local ou comunitário é uma potente ferramenta para o combate à desinformação, já que viabiliza a construção de uma relação de confiança com o público.
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