Para o “summer show” na galeria Nara Roesler NY, montamos “Co/respondências: Brasil e Exterior”, coletiva com curadoria de Luis Perez-Oramas, em exibição até 26 de agosto. A espinha dorsal do evento está nos diálogos entre as duplas de trabalhos selecionados, constituídos de uma obra de artista brasileiro em correspondência com uma de um artista estrangeiro.
Segundo Oramas, trata-se de um exercício de pensamento selvagem (pensée sauvage). A expressão foi criada pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss, autor, entre outros, do livro “Saudades do Brasil” sobre os idos de 1935 a 1939, passados entre idas e vindas à sua França e às nossas terras. Vem ao caso a referência a esse estudioso que revolucionou a antropologia moderna porque ele defendia que há “uma estrutura mental universal da humanidade que organiza as nossas experiências em formas simbólicas”.
Veja alguns obras da nova exposição da Galeria Nara Roesler NY
Se observarmos a milenar arte rupestre, feitas nas paredes das cavernas por nossos ancestrais, constataremos similaridades nos admiráveis desenhos riscados em Lascaux no sudoeste da França e naqueles produzidos pelos primeiros aborígenes australianos encontrados do outro lado do planeta no altiplano central daquele país continental. Correspondências universais, trocando em miúdos, são aquelas ideias e insights que temos que outros também tiveram ou terão, e/ou projetos que realizamos que, de alguma maneira, foram também empreendidos por gente que jamais vimos ou ouviremos falar.
As sete justaposições ou duplas na coletiva apontam semelhanças ou acentuam diferenças entre elas, mas principalmente destacam que a arte é, será e sempre foi, desde tempos imemoriais, uma manifestação global ou universal, conforme diria Lévi-Strauss. Na coletiva os diálogos ocorrem entre sete duplas formadas por Antonio Dias e o grego Jannis Kounellis; Jonathas de Andrade e o venezuelano Sheroanawe Hakihiiwe; Brígida Baltar e a japonesa Asuka Anastacia Ogawa; Cristina Canale e a norte-americana Margot Bergman; Paulo Bruscky e o francês Robert Filliou; Sérgio Sister e o norte-americano John Zurier; e, por fim, Fábio Miguez e o francês Daniel Buren.
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Na história da arte tradicional quando se diz que duas ou mais obras possuem correspondência significa, literalmente, que uma delas é o modelo ou protótipo da outra. Não é o caso de nossa coletiva pois essa literalidade foi posta abaixo pela arte moderna que entende ser próprio do fazer artístico ter narrativas que dialogam entre si. É interessante notar que nos primórdios da arte europeia, após o advento do cristianismo, as manifestações das artes visuais eram invariavelmente baseadas em repetições, com a reprodução das passagens da bíblia com seus personagens replicadas a exaustão por maus artistas e bons artistas, vide as magníficas gravuras de Dürer, que iniciam a reprodução da arte em escala comercial.
A Europa toda poderosa exportou o modus operandi de obras correspondentes através de suas missões religiosas “civilizadoras” para as colônias ultramares, nós, aqui, entre elas. Pense na extraordinária obra sacra do nosso Aleijadinho ou nas pinturas religiosas cuzquenhas do Peru produzidas por artistas índios, claro, devidamente catequisados. Sem criticá-las, apenas uma observação, essas obras seguem cânones precisos que enaltecem a história cristã em imagens vívidas com o intuito de doutrinar por meio da repetição visual, visto que o analfabetismo reinava.
Na Idade Média, com tanta igreja sendo erigida, uma quantidade sem fim de madonas para pintar, altares para entalhar, santos para esculpir, naves para decorar, iluminuras para ilustrar, o artista tonou-se uma figura indispensável ao sucesso da portentosa propaganda. No entanto, ele via-se obrigado a seguir regras rígidas de composição (o crucifixo sempre ao centro) e de cores (azul para Maria versus vermelho para o diabo). Quem desejasse se expressar livremente era tolhido, até preso, revoltando as mentes mais libertárias. A cartilha estética, ditada pelo Vaticano, só foi afrouxar bem no final de 1400 (século 15) quando a Renascença, em Florença, entrou em cena.
É nesse período que outros temas passam a ser explorados, como o retrato, até então visto como enaltecedor do pior do ser humano (carne, ego, pecado) e não das coisas do espírito (celestial, puro, imaculado). No compasso da (r)evolução imagética renascentista, herdamos o retrato mais famoso da história, a Mona Lisa de Da Vinci; os rostos expressivos nos afrescos de Giotto; a sensualidade alegórica da Vênus de Botticelli; a perspectiva linear de Masaccio; as movimentadas cenas de batalha de Uccello que parecem saídas da sétima arte, o cinema.
Com o iluminismo dos séculos 17 e 18 retirando em definitivo a mão de ferro do cristianismo sobre o fazer artístico, a arte ocidental voou às alturas! Ganhamos os céus tempestuosos de Turner, a arte politizada de Goya, o sexo feminino em “A origem do mundo” de Courbet, as experiências de Cézanne com a luz natural, o cubismo ativista da “Guernica” de Picasso, o suprematismo de Malevich, o ready-made de Duchamp, a esquematização de Mondrian, o modernismo tropical de nossa Tarsila, o abstracionismo de Kandinsky, a action painting de Pollock, a pop arte de Warhol, “Uma e Três Cadeiras” de Kosuth que introduz, em 1965, o conceito (raciocínio) como parte integral da obra, fincando a arte conceitual no mapa. Tantas maravilhas seguiram! A arte cria parâmetros para depois derrubá-los, avançando e desbravando mais territórios. A cada experiência, um novo posicionamento, uma nova correspondência.
Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte, premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) – cynthigarciabr@gmail.com.
Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação, inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em NY.
info@nararoesler.art
Instagram galerianararoesler
http://www.nararoesler.com.br/
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