Na base militar de Fort Cavazos, na região montanhosa do Texas e a horas de grandes cidades como Austin e Dallas, a loja administrada pelo governo tem dois grandes atrativos: localização e nenhum imposto sobre vendas. Em um dia recente de primavera, o local começa a ficar movimentado na hora do almoço, com soldados da ativa uniformizados, esposas de militares trazendo crianças e aposentados andando pelos corredores. Produtos de marcas como Nike, Apple, MAC e Old Navy estão com até 40% de desconto. “Eles gostam dos preços”, disse Maria Berrios Borges, gerente da loja. “E é bem onde eles trabalham. Eles não precisam ir a lugar nenhum”, completa.
A loja, que parece uma mistura de Target, Home Depot e Best Buy, é administrada com disciplina militar. Os funcionários, a maioria deles de famílias de militares, mantêm as prateleiras bem abastecidas, os corredores limpos e os pisos brilhantes. Situado próximo ao Tank Destroyer Boulevard, em uma base militar de 880 km², esse estabelecimento é disparado o lugar mais acessível para comprar ração para animais, xampu, jeans ou um novo Xbox para as 55 mil pessoas que moram ou trabalham na região.
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Essa loja faz parte da operação de varejo de US$ 8,5 bilhões em vendas do governo dos Estados Unidos, que administra mais de 2 mil grandes centros de consumo, lojas de conveniência, postos de gasolina e restaurantes nas bases do Exército e da Força Aérea no país e em mais de 30 outras nações onde os ianques estão estacionados. Isso torna o Army & Air Force Exchange Service, conhecido como Exchange, o 54º maior varejista da economia norte-americana. É também um dos varejistas mais antigos, com cerca de 130 anos de atividades, sobrevivendo a relíquias como Lord & Taylor, Sears e Stein Mart.
Fazer parte da estrutura do Departamento de Defesa tem suas vantagens. O varejista não paga aluguel, o que ajuda a reduzir os custos indiretos. Não paga um centavo em impostos corporativos e está isento de regras antitruste, como as que regem a fixação de preços. Isso permite que um varejista se una a outros, mesmo de redes menores, mas administradas pelo governo, como o Navy Exchange e o Coast Guard Exchange, para negociar preços melhores com os fornecedores.
Em 2022, foram gastos US$ 230 milhões para os custos de transporte para locais de difícil acesso e para ajudar a cumprir uma ordem executiva, que determinou um aumento de salário mínimo de todos os funcionários federais para US$ 15 a hora.
Combine esse cenário com dívida baixa, fluxo de caixa saudável e você tem o necessário para ganhar notas excepcionalmente altas das agências de classificação de risco, aquelas mesmo que calculam as chances de uma empresa pagar os empréstimos. Na verdade, os únicos varejistas com classificações de risco de crédito melhores que os da Exchange são Walmart e Amazon, gigantes cerca de 60 vezes maiores.
A possibilidade de pedir socorro para o governo também não atrapalha. Há “uma probabilidade muito alta de apoio extraordinário do governo durante períodos de estresse, dado seu papel essencial no apoio ao pessoal militar”, escreveu Ilwaad Aman, analista da S&P Global, em uma opinião de crédito recente.
Evitar que o governo tenha de socorrer a Exchange e manter as contas no azul, apesar de o número de militares na ativa ter caído 11% na última década, é o trabalho do ex-oficial do Exército e especialista em reviravoltas corporativas Tom Shull. Quando ele assumiu o cargo de CEO, em 2012, a empresa teria recursos para operar por apenas mais um ano. E, pior, ninguém parecia perceber isso.
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Tática de guerra
Há mais de um século as lojas eram administradas por militares que entravam e saíam do cargo a cada dois anos. Isso significava que havia uma rotatividade constante no topo, e a liderança geralmente não entendia de varejo. As lojas estavam repletas de marcas próprias enfadonhas e mercadorias que ninguém queria – eram frequentemente vendidas com desconto.
“Tivemos de recuperar o negócio depressa”, disse Shull. Ele começou fechando lojas com desempenho ruim e convenceu centenas de funcionários a se aposentarem antecipadamente. Um ex-soldado que fez carreira revivendo varejistas com problemas, Shull se tornou o primeiro civil a administrar a Exchange. Hoje, é o CEO mais duradouro na função.
Shull cresceu no Exército. Seu pai foi militar por mais de 30 anos. Se alistou no início da Segunda Guerra Mundial e passou quase três anos em zonas de combate no Pacífico, onde serviu sob o comando do general Douglas MacArthur. Shull nasceu no Hospital do Exército Fitzsimons, no Colorado, mas quando bebê mudou-se para o Rio de Janeiro para que seu pai pudesse ajudar a rastrear nazistas que fugiram para o Brasil.
Ele passou grande parte da adolescência na Alemanha e lembra de ir à Exchange com sua mãe, onde eles comiam sopa Campbell’s e ouviam música americana. Ele seguiu seu irmão para West Point e passou mais de uma década no serviço militar, completando a escola Airborne and Ranger antes de ser alocado em Fort Carson, no Colorado, em uma divisão de infantaria.
O CEO deixou o Exército para cursar um MBA em Harvard e depois entrar no mercado de varejo. Ele conseguiu um emprego de operações na loja de departamentos Sanger-Harris, em Dallas, depois que seu amigo Mike Ullman (que se tornou CEO da Macy’s e da JC Penney) lhe contou sobre um programa para contratar veteranos.
Enquanto Shull estava lá, a loja fez as primeiras demissões em 100 anos de história e se fundiu com a Foley’s, uma rede de lojas de departamentos com sede em Houston. Em vez de se mudar para longe da futura esposa, que era compradora da Neiman Marcus em Dallas, ele pediu demissão.
Shull conseguiu um emprego como consultor na McKinsey e depois se tornou diretor de reestruturação da Macy’s. Em 1992, a famosa loja de departamentos tinha US$ 6 bilhões em dívidas e pediu recuperação judicial. Depois de não conseguir uma solução, Shull ajudou preparar a venda para a rival Federated, em 1994. Na sequência, ele partiu para uma série de recuperações: a da loja de roupas Barney’s; na Hanover Direct, uma empresa de vendas pelo correio; na rede de lanchonetes Wise Foods e na Fred Leighton Jewelers, depois que a empresa pediu falência, em 2009.
O interesse de Shull em salvar marcas era pessoal. Ele havia visto a empresa de enlatados e cremes de sua família, no Colorado, falir. Ele estava interessado em administrar a companhia depois de se formar em Harvard, mas seu tio vendeu a empresa e os novos proprietários a desmontaram logo na sequência. Todos os funcionários acabaram demitidos.
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Virada de jogo
Em 2012, quando foi abordado por um colega de West Point, já oficial, para ajudar a recuperar financeiramente a Exchange, Shull não hesitou. Uma de suas primeiras prioridades foi melhorar o ambiente das lojas. “Não podíamos competir de muitas maneiras com a Target ou o Walmart porque as lojas simplesmente eram feias”, diz Shull. “Tivemos que deixá-las mais parecidas com uma Macy’s ou uma Nordstrom do que com uma loja de descontos”, completa.
Ele começou a abandonar as marcas próprias em favor das marcas nacionais. No ano passado, produtos da Gap, Old Navy e American Eagle chegaram às lojas Exchange. Uma nova parceria com a Home Depot permite que os consumidores comprem eletrodomésticos on-line, isentos de impostos, e os recebam em casa. Os produtos mais vendidos da Exchange em todo o mundo são os Apple AirPods, seguidos pelos consoles de jogos Xbox e PlayStation 5, Apple MacBooks e Samsung TVs. Hoje, as vendas de marca própria representam apenas 5% da receita.
Shull também trabalhou para expandir a base de clientes, cadastrando cerca de 20 milhões de veteranos e funcionários civis para comprar on-line. Essa estratégia faz parte da operação para aumentar as vendas à medida que o alistamento diminui. Atualmente, apenas 1% da população dos EUA serve nas Forças Armadas. Além disso, aumentou o número de militares que optaram por viver fora das bases, o que significa que a Exchange precisa lutar mais para conquistar esses consumidores.
“Queremos que as pessoas pensem em nós enquanto dirigem para a base e passam pelo Walmart, Target e Best Buy”, disse Scott Bonner, vice-presidente regional que supervisiona as lojas na região central dos EUA.
A receita caiu 17% desde que a Shull começou com sua estratégia. Os motivos são claros: base de clientes cada vez menor e a forte concorrência da Amazon, além das grandes marcas do varejo. Portanto, seu foco maior tem sido lucrar cada centavo que puder com as vendas – a estimativa é ter uma margem de 4,5% este ano, ante 4,9% do Walmart e 6% do Target.
Ao contrário do que habitualmente poderia ocorrer, nada desse faturamento, seja como dividendos ou recompras, vai para acionistas. No ano passado, 60% dos US$ 356 milhões em lucros do Exchange foram para programas que ajudam a melhorar a qualidade de vida nas bases militares. Em Fort Cavazos, esse dinheiro tem ajudado a reformar três playgrounds, um centro juvenil, um campo de golfe e uma pista de boliche, além de colocar Wi-Fi em espaços comuns. A instalação está planejando construir dez novas cabanas ao longo do lago para as famílias.
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A Exchange também é chamada para transportar comida, água, combustível e outras necessidades básicas em tempos de emergência. Após a tempestade Sandy, a rede montou lojas em trailers móveis para apoiar os socorristas da Guarda Nacional. Quando afegãos e suas famílias começaram a chegar aos EUA em 2021, rapidamente foram montadas lojas temporárias com lanches, bebidas, produtos de higiene e roupas para ajudar a atender às necessidades imediatas durante o período de aclimatação dos recém-chegados.
Esse tipo de ação é o motivo pelo qual a operação de varejo não é administrada por um contratado privado. “Sua consideração nº 1, nº 2 e nº 3 é o valor para o acionista, e eles estão sendo constantemente pressionados sobre isso”, disse Shull. “Nossa única obrigação é servir os fardados e suas famílias”, completa.
A Exchange reinveste os 40% restantes de seus lucros em varejo. Muitos locais passaram por reformas multimilionárias nos últimos anos. As lojas começaram a oferecer retirada de produtos nas calçadas durante a pandemia, em sintonia com varejistas maiores como Walmart e Target. A rede também está lançando 1.100 quiosques de autoatendimento no próximo ano e investiu em software de monitoramento de preços para acompanhar o que outros varejistas estão cobrando, com etiquetas de preços eletrônicas para que a atualização possa ser mais ágil.
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“As pessoas perguntam: ‘Por que eles estão gastando dinheiro em reformas?’ Bem, porque queremos que a experiência seja boa quando as pessoas entrarem na loja”, disse Shull. “Tudo o que estamos tentando fazer é competir onde podemos, mas somos muito, muito frugais com a forma como gastamos dinheiro”, completa o executivo.
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