“Ressurreição via IA vai muito além de direito autoral”, diz ciberpsicológo

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Rodrigo Volponi, especializado pela Nottingham Trent University em ciberpsicologia

No domingo (9), o músico João Gomes cantou com seu ídolo Luiz Gonzaga, considerado o Rei do Baião e morto há 30 anos. A performance foi possível por meio do uso de um sistema de inteligência artificial alimentado por mais de 60 imagens de Gonzaga. A recriação de voz, gesto e imagens não é algo novo. No entanto, com a evolução das ferramentas e IAs cada vez mais sofisticadas, o uso tem sido frequente.

A volta de Luiz Gonzaga aconteceu uma semana após um vídeo publicitário da Volkswagen trazer Elis Regina “de volta à vida”, o que gerou enorme repercussão e levantou várias discussões, dentre elas os limites e aspectos éticos e morais de recriar alguém falecido. Rodrigo Volponi, especializado pela Nottingham Trent University em ciberpsicologia, aponta que essa conversa vai muito além de direito autoral, mas tem uma relação direta da forma como a mente humana lida com a morte.

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“A psicologia nos ensina que o processo de luto é uma das experiências mais importantes para o desenvolvimento psíquico, logo, alterá-lo deve ser algo ponderado”, diz Volponi, que, em entrevista à Forbes Brasil, ressalta outras discussões presentes na prática.

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Forbes Brasil – O vídeo da Volkswagen com Elis Regina reaqueceu a discussão sobre ressuscitar pessoas para as mais diversas aplicações por meio de IA e deepfake. O quanto esse assunto se tornará mais presente nas nossas discussões daqui em diante?
Rodrigo Volponi – As revoluções tecnológicas avançam mais rapidamente do que a nossa capacidade para lidar com tais novidades. É um assunto complexo, pois envolve, além dos fatores culturais,  elementos biológicos e cognitivos, uma vez que nosso corpo não está – ainda – acostumado a lidar com tudo isso. O que estamos vivenciando com essas experiências tecnológicas da atualidade não é nada perto do que acontecerá no futuro. Em “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, o personagem principal faz uma videochamada com sua família enquanto passava pela Lua. O filme é de 1968 e, à época, consideraram uma simples videochamada uma possibilidade das mais remotas possíveis, mas hoje é tão natural quanto fazer uma simples ligação. Não sabemos e nem fazemos ideia das possibilidades do futuro.

No domingo, 9, o cantor João Gomes cantou com seu ídolo Luiz Gonzaga, considerado o Rei do Baião e morto há 30 anos

FB – Quais os riscos e cuidados éticos que você vê nessa dinâmica de utilizar rostos e vozes de pessoas já falecidas (que, na verdade, não é nova)?
Volponi – As implicações éticas que atravessam o âmbito jurídico são interessantes: A pessoa morta gostaria de ser retratada assim? A pessoa morta tem direitos? A quem se deve dar essa autorização? Ela deve ser feita em vida ou dada por um familiar? As perguntas são inúmeras e tem de haver uma discussão filosófica e jurídica sobre esse assunto ao longo do tempo. Por outro lado, a psicologia nos ensina que o processo de luto é uma das experiências mais importantes para o desenvolvimento psíquico. Aqui não me refiro apenas ao luto associado à morte, mas aos inúmeros tipos de “lutos” que vivenciamos em toda a nossa experiência enquanto vivos. Seria saudável para o nosso aparelho psíquico driblar a experiência de luto pela morte de um ente querido, substituindo-o por uma inteligência artificial? Essa experiência é capaz de gerar uma sensação de substituição real de uma pessoa por uma máquina? Aqui abrimos também inúmeras perguntas. Uma das áreas proeminentes da ciberpsicologia é a captologia: o estudo que se refere à capacidade de um computador ser usado para mudar a opinião de uma pessoa ou persuadi-lo com um determinado propósito. Não me parece tão distante do que acontecerá se as tecnologias de deepfake seguirem de forma desenfreada.

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FB – Essa discussão nos leva para outro ponto, sobre o que de fato é real ou não. Como isso também pode afetar nossa percepção de realidade?
Volponi – A psicologia diverge muito nos conceitos para tentar explicar a realidade. Para Heidegger (psicológico existencial), a realidade é a capacidade do ser humano de interpretar a sua própria existência. Já para a psicanálise de Freud, existem dois tipos de realidade, chamadas em alemão de “Realität” e “Wirklichkeit”. Enquanto uma se dá pela realidade psíquica do sujeito, a outra se dá pelos eventos externos ao sujeito. Se definirmos o que é real pela experiência tangível, ou seja, empírica, estamos limitando a experiência humana. Exemplifico: Uma relação virtual não é real por não existir contato físico? Mas, então, como emoções e vínculos são gerados por meio das relações virtuais? Pois esses sentimentos existem definitivamente. Não é incomum encontrar grandes amizades feitas pela internet enquanto aquelas mesmas pessoas não têm um vínculo tão afetivo como membros familiares de suas próprias casas. A realidade está mudando gradualmente para uma experiência híbrida entre relações físicas e online. O que temos de fazer é saber lidar com isso sem excessos.

FB – Qual o impacto da IA na cognição humana e quais os principais pontos futuros você acha que discutiremos?
Volponi – Na verdade, os resultados são muito promissores. Por exemplo, um estudo científico identificou a capacidade da inteligência artificial prever o declínio do aparelho cognitivo de idosos (Graham et al, Artificial intelligence approaches to predicting and detecting cognitive decline in older adults: A conceptual review. Psychiatry research, 284, 112732). Ou seja, a forma como os diagnósticos das doenças da terceira idade são realizados pode ser revolucionado pela IA. Alguns profissionais de carreira podem “sair do mercado” caso não adaptem o seu trabalho a essa tecnologia, como psicólogos e advogados, por exemplo. O profissional da psicologia tem de enfrentar essa possibilidade – que acontecerá nos próximos anos – e utilizá-la a seu favor. A IA tem que ser utilizada para melhorar as condições humanas e não destruir aspectos culturais e de relacionamento, os elementos que nos fazem humanos. Porém, é importante estar em alerta com o seu uso, pois qualquer exagero tende a ser nocivo.

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