Como os rios sustentam um terço do suprimento global de alimentos

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Alexerich/Guettyimages

Áreas de lavouras irrigadas ao longo do rio Nilo

Hoje, sociedades e economias complexas dependem de cadeias de abastecimento dispersas. Milhares de anos antes de trens, caminhões e navios de carga, os rios serviam como as primeiras cadeias de abastecimento da humanidade, fornecendo os materiais brutos necessários para construir uma base agrícola para uma sociedade complexa: água, sedimentos, nutrientes e organismos (por exemplo, peixes e vida selvagem). É por isso que as primeiras civilizações complexas surgiram em vales de rios, como o Nilo, Indo, Yangtzé, Tigre e Eufrates, lugares que podiam produzir excedentes de alimentos para sustentar grandes populações e diversificar trabalho e atividades (por exemplo, governo, religião, arte).

Milhares de anos depois, os rios ainda sustentam, diretamente, cerca de 1/3 do suprimento global de alimentos. Para alimentar a humanidade de forma sustentável no próximo século, será preciso reconhecer o valor dessas cadeias de abastecimento originais e nutrir e restaurar sua capacidade de continuar entregando seus materiais brutos.

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Os rios coletam os materiais brutos ( sedimentos, nutrientes e organismos) de territórios distantes e os canalizam em fluxos concentrados que podem ser efetivamente utilizados pelas pessoas. Essa concentração de materiais era particularmente valiosa para as civilizações antigas.

Por exemplo, o Nilo acumulava sedimentos orgânicos de toda a sua vasta bacia do rio (3,4 milhões de quilômetros quadrados) e os entregava à civilização do antigo Egito (15.000 quilômetros quadrados). Em outras palavras, o rio e seus afluentes agregavam materiais brutos de uma área do tamanho da Índia e os entregavam em uma forma concentrada para nutrir uma sociedade do tamanho do condado de Los Angeles.

E isso é apenas para os materiais brutos que fluem apenas a jusante. No caso dos peixes, as cadeias de abastecimento também se movem a montante, com o Nilo fornecendo a produtividade de ambientes marinhos extensos na forma acessível de peixes migratórios que chegavam à porta do antigo Egito.

Considere outro exemplo de como os rios concentram recursos dispersos: aves aquáticas e migratórias que percorrem grande parte da Europa e oeste da Ásia se reúnem ao longo do Nilo e seu delta, seja como habitat de inverno ou como um lugar de parada em seu caminho para o sul da África. Esses habitats ribeirinhos atraíam quantidades enormes de biomassa de aves para uma área relativamente pequena que os egípcios podiam colher para alimento.

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Os materiais brutos ribeirinhos não são apenas uma metáfora: os rios, muitas vezes, têm uma cor marrom barrenta porque carregam sedimentos. Sedimento é simplesmente um jargão científico para os materiais de construção de novas terras. Quando um rio chega ao oceano, ele deposita sua carga de sedimentos, como um trabalhador cansado que larga uma pilha de tijolos no local de trabalho, e esse material bruto cria novas terras na forma de um delta. O delta do Nilo exemplifica a forma clássica o que é isso, revelando o trabalho de um rio ao longo dos séculos à medida que constrói novas terras e avança cada vez mais para o mar.

Os rios também depositam sedimentos ao longo de suas planícies de inundação. Os sedimentos contêm nutrientes e, portanto, os deltas e as planícies de inundação tendem a ser muito férteis, pois são compostos por camadas de sedimentos recém-depositados que são ricos em nutrientes e bem irrigados. As planícies de inundação e o delta do Nilo eram tão férteis que o Egito se tornou o celeiro privilegiado do Império Romano. Eles continuam sendo tão férteis, uma faixa verde atravessando um deserto árido, que 99% dos egípcios vivem nos 3% da área do país representados pelo delta e pelas planícies de inundação do Nilo.

Assim, as civilizações surgiram em torno dos rios, em grande parte porque as cadeias de abastecimento ribeirinhas transformaram vales e deltas em máquinas orgânicas de produção de alimentos. Mas isso não é apenas uma história antiga. Hoje, os rios ainda são essenciais para a produção global de alimentos, por meio de quatro vias principais:

Cultivos irrigados com água dos rios. A agricultura irrigada suporta cerca de 40% da produção mundial de alimentos e cerca de 60% da irrigação depende dos rios.
Cultivos em deltas formados a partir de sedimentos ribeirinhos. Como mencionado acima, os rios constroem deltas depositando sua carga de sedimentos ao encontrar o mar. Embora os deltas sejam uma proporção muito pequena da área terrestre mundial, são regiões agrícolas altamente produtivas e sustentam populações densas, com aproximadamente 500 milhões de pessoas vivendo nessas áreas. Por exemplo, o delta do Mekong abriga cerca de 20 milhões de pessoas e produz mais da metade das culturas básicas do Vietnã e 90% de sua exportação de arroz (o Vietnã é um dos principais exportadores de arroz globalmente).
Peixes que utilizam habitats ribeirinhos e peixes criados em aquicultura que utilizam água do rio. Juntos, aproximadamente 40% de todos os peixes consumidos no mundo são provenientes de sistemas de água doce (lagos, mas principalmente de rios) ou de aquicultura em água doce.
Cultivos da agricultura de vazante. Essa é a forma original de irrigação, na qual as pessoas plantam nos sedimentos recém-depositados deixados após a retirada de uma inundação. De fato, essa é a forma de irrigação que tornou o antigo Egito tão produtivo. Hoje, a agricultura de vazante representa uma pequena proporção da produção global de alimentos, mas regionalmente pode ser bastante importante, especialmente para comunidades rurais de baixa renda na África e na Ásia.

Cada uma dessas vias é compreendida individualmente, com vários aspectos no gerenciamento de cada uma delas (embora algumas, como a agricultura de vazante, geralmente recebe pouca atenção). No entanto, o que não é bem compreendido é que cada via é um serviço diferente fornecido por um completo sistema aquático. Por isso, se não forem gerenciadas como um sistema, diferentes vias de produção de alimentos podem entrar em conflito umas com as outras – e outros usos dos rios, como a hidroeletricidade, podem entrar em conflito com a produção de alimentos.

Além disso, as mudanças climáticas – e as respostas aos seus estresses – desafiarão sistemas de rios em toda a sua extensão. Não é salutar navegar por cada via de produção de alimentos, ou qualquer outro serviço prestado pelo rio, por meio desses estresses isoladamente. Em vez disso, é necessário gerenciar o sistema de um rio completo por seus valores alimentares.

Jeff Opperman é colaborador da Forbes EUA, cientista com foco em água doce, biólogo, doutor em ciências de ecossistemas pela Universidade da Califórnia, Berkeley, e membro da WWF. (Tradução: ForbesAgro)

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