Uma pesquisa sobre um café que sai do pé descafeinado caminha para a fase decisiva no Brasil, podendo confirmar nos próximos anos resultados iniciais promissores que propiciariam um produto comercial inédito no mundo, disseram pesquisadores do centenário Instituto Agronômico de Campinas (IAC), em entrevista à Reuters.
Um grão descafeinado — produto que hoje precisa passar por um processo industrial para ter a cafeína reduzida, tendo grande mercado nos Estados Unidos e Europa — traria vantagens econômicas para a indústria, produtores e para consumidores que optam por esse café pensando na saúde e em seu bem-estar.
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O café naturalmente descafeinado poderia ainda agregar valor a cafeicultores e reduzir custos, já que o processo industrial da descafeinação exige solventes químicos ou água, podendo interferir na qualidade.
A pesquisa brasileira que já dura mais de duas décadas teve uma descoberta determinante em 2004, quando a pesquisadora Maria Bernadete Silvarolla encontrou no banco de germoplasma do IAC grãos de plantas oriundas da Etiópia com 0,07% de cafeína, índice inferior ao limite máximo de 0,10% para um café ser considerado descafeinado.
A partir daí, foram feitos cruzamentos pelo método tradicional de melhoramento de campo de três variedades com as principais cultivares comerciais brasileiras, como Mundo Novo, Catuaí e Obatã Vermelho. E as plantas resultantes do processo, mais produtivas do que o pé de café silvestre original, agora vão para os cruciais ensaios regionais, que servirão para validar o produto naturalmente descafeinado, para uma aprovação final junto ao Ministério da Agricultura.
“Os resultados até agora se mostraram muito promissores e temos muito otimismo. A chance de dar errado é muito baixa…”, disse o pesquisador do IAC Júlio César Mistro, comentando o que espera da fase final da pesquisa.
“Já fizemos o plantio de um experimento regional e pretendemos plantar mais dois experimentos em outubro e novembro”, acrescentou Mistro, ressaltando que o café desenvolvido tem boas produtividades.
O IAC, do governo do Estado de São Paulo, busca parceiros privados para financiar a finalização do trabalho, revelaram os pesquisadores do instituto, que tem mantido contato com possíveis empresas interessadas. O financiamento da fase final do projeto poderia dar exclusividade de uso da tecnologia por dez anos aos investidores.
Primeiros frutos
Segundo o pesquisador, após o plantio dos chamados clones dos pés de café “descafeinado”, será necessário aguardar ainda cerca de seis a sete anos até a confirmação dos resultados nos ensaios regionais –essa pesquisa de longuíssimo prazo, iniciada em 1999, explica-se muito pelo fato de o cafezal só dar uma colheita por ano.
Após o plantio, esses clones terão dois anos de desenvolvimento até darem os primeiros frutos. E os pesquisadores estimam que serão necessárias pelo menos quatro colheitas, ou quatro anos, para se obter base científica para que uma ou mais plantas efetivamente se tornem cultivares comerciais com café naturalmente descafeinado.
“Se a gente finalizar o trabalho em 2029, aí vai plantar esse café, e ele vai chegar ao mercado em 2033”, comentou Mistro, dizendo ser difícil estimar o volume de pés disponíveis, que precisarão ser multiplicados.
O café descafeinado, que representa cerca de 10% do consumo total no mundo, segundo levantamentos dos pesquisadores do IAC, tem os seus maiores mercados nos Estados Unidos e Europa.
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O produto é recomendado para aqueles com intolerância à cafeína, mulheres grávidas ou mesmo apreciado por consumidores que gostam de sorver a bebida à noite sem se preocupar em perder o sono. O segmento é crescente, segundo especialistas.
Já visualizando a fase final do trabalho, a pesquisadora Maria Bernadete Silvarolla, que descobriu há quase 20 anos o grão com apenas 0,07% de cafeína no banco de germoplasma do IAC, disse que o interesse no produto descafeinado é até maior hoje do que no passado, o que mostra a importância da pesquisa.
“Parece que as pessoas vêm buscando mais a bebida com esse perfil, por diversas razões…”, comentou, lembrando que a produção do grão naturalmente descafeinado vai favorecer os cafeicultores, que terão mais uma variedade para ofertar.
A planta que está sendo desenvolvida foi denominada AC, em homenagem ao agrônomo do IAC Alcides Carvalho, que teve a ideia de tal pesquisa, herdada por Silvarolla e Mistro.
O trabalho também valoriza o banco de germoplasma do IAC, iniciado nos anos de 1930, sendo ampliado por meio de cooperações internacionais. Segundo os pesquisadores, os grãos silvestres da Etiópia, “berço do café”, que permitiram a pesquisa, foram enviados da Costa Rica ao Brasil pelo correio na década de 70. Teriam sido coletados em uma expedição da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em terras etíopes dez anos antes.
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