Na véspera do Dia das Mães, a equipe de Silvio Meira estava a todo vapor produzindo um manifesto que apresenta uma visão de futuro para o marketing. O material, lançado pela TDS Company, empresa de transformação digital de Meira, detalha as mudanças causadas pela tecnologia e possíveis caminhos para o marketing. O extenso relatório foi elaborado em quatro dias, em meio às celebrações daquele fim de semana.
Um dos idealizadores do parque tecnológico recifense Porto Digital, Meira é cofundador do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (CESAR), que deu origem à TDS como uma de suas spin-offs. O empreendedor e professor emérito da Universidade Federal de Pernambuco descreve o processo ágil de elaboração do relatório e o interesse no manifesto para ilustrar o potencial de tecnologias como a inteligência artificial. Contudo, ele esclarece que o fenômeno atual não se refere apenas à IA.
“O ponto principal da discussão é sobre como conjugar a inteligência artificial com as inteligências individual e social para resolver problemas numa escala completamente diferente da que estávamos lidando até agora”, afirma Meira, em entrevista à Forbes.
Neste cenário de convergência entre as inteligências, Meira prevê que, em cerca de dois anos, o rendimento dos profissionais deve aumentar entre duas e cinco vezes, graças às possibilidades apresentadas pela tecnologia. “Quem conseguir dominar os instrumentos, ferramentas, teorias e conceitos dessa nova dimensão da inteligência aumentará significativamente sua performance individual”, enfatiza.
Este processo também deve levar à “iminente obsolescência do profissional criativo mediano e aqueles que estiverem abaixo dele”, alerta Meira. “Não acredito que a IA irá substituir as pessoas. Porém, acredito que as pessoas que não utilizam a inteligência artificial serão substituídas por aquelas que a usam: estas farão seus trabalhos de forma não necessariamente melhor, mas de maneira mais econômica e eficiente”, complementa.
Navegando na sociedade do conhecimento
A preparação para o futuro não é algo trivial para muitos brasileiros. Na pesquisa “Futuro do Trabalho: Onde Estamos e Para Onde Vamos?”, publicada no mês passado pela Futuros Possíveis em parceria com a Opinion Box, 51% das mais de 2 mil pessoas consultadas disseram ter dificuldade para acompanhar os avanços tecnológicos. Além disso, 61% dos respondentes afirmaram temer serem substituídos por alguém que utilize tecnologias melhor do que eles.
Tais descobertas compõem um panorama preocupante para o Brasil, quando o assunto é a preparação da população para um horizonte que exigirá níveis cada vez maiores de alfabetização digital. Isso é especialmente verdadeiro quando consideramos outros estudos com previsões desoladoras sobre o que está por vir. Uma pesquisa da consultoria McKinsey, por exemplo, prevê a perda de até 50% dos postos de trabalho no Brasil devido à rápida adoção de tecnologias como inteligência artificial e automação, que podem progressivamente substituir diversas funções – inclusive aquelas exercidas por profissionais altamente especializados.
O cofundador do Porto Digital não é otimista sobre a maneira como o país tem lidado com essas transformações. “Não vejo, nem nas políticas públicas, nem nas organizações sindicais, um entendimento do mundo que vá facilitar a transição das pessoas para a sociedade do conhecimento”, pontua, acrescentando que o aumento no desemprego por conta destes obstáculos é preocupante. “Acredito que enfrentaremos dificuldades estruturais consideráveis.”
O antídoto para essas ameaças, segundo Meira, é repensar as competências e habilidades das pessoas por meio de um plano nacional. Isso exigiria uma mobilização da estrutura educacional brasileira “numa escala e velocidade nunca antes vistas”, incluindo o Sistema S, todas as escolas técnicas e universidades, bem como empresas e ministérios. “O Brasil precisa de um plano para isso, mas o país não tem uma estratégia nacional de inteligência artificial, nem mesmo um plano nacional de transformação digital. Existem fragmentos de papel correspondentes ao que deveriam ser as estratégias, os processos de transformação de aspirações em habilidades”, enfatiza.
Nesse contexto, em que profissionais tentam se adequar às exigências de reinvenção para um futuro do trabalho tecnológico sem ter uma direção clara, Meira vê dois tipos de pessoas: “Existem aqueles que olham para si mesmos e afirmam que estão prontos. No outro extremo, existem os que dizem não saber nada: curiosamente, são justamente estes últimos que sobrevivem nas transições”, observa Meira.
“As pessoas que afirmam estar prontas tentarão sobreviver com o que sabem; elas não conseguirão se adaptar rapidamente para aprender coisas novas, simplesmente porque acham que já estão preparadas”, explica.
Para sobreviver neste turbilhão de mudanças, Meira acredita que será necessário uma combinação de desenvolvimento de novas habilidades, incluindo o “saber fazer”. “Muita gente que me procura sobre [como usar a inteligência artificial no trabalho] diz ‘isso é muito difícil, não quero aprender’. A elas, eu respondo que lamento: a sociedade do conhecimento não é para quem não quer aprender”, conclui.
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