Quando pensamos em superpoderes logo imaginamos super-heróis com poderes irreais, mas, na verdade, um superpoder pode vir das suas fragilidades, medos e traumas.
Segundo Peter A. Levine, PhD em física médica e doutor em psicologia “O trauma não é o que acontece com você, mas o que você guarda dentro de si como resultado do que aconteceu. O processo de cura do trauma é como um renascimento. Precisamos abandonar o que nos machucou e abraçar a vida com uma nova perspectiva“.
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Uma das formas mais efetivas de cura, para mim, são os encontros com as amigas. É como se eu recebesse doses generosas de vida capazes de imunizar qualquer dor. Num desses almoços, quando já estávamos no cafezinho (eu amo café desde os 10 anos e há pouco tempo descobri que o café age na área cerebral responsável pelos pensamentos positivos), disparei a seguinte pergunta para duas amigas:
“Qual é o seu maior medo?”
A resposta veio imediatamente, em coro, como se fosse um jogral: “Perder o emprego”.
Como assim? Dentre todos os medos, medo da morte, medo de doença, medo de altura, ou até mesmo de aranha, o maior era de perder o emprego?
O que o medo de perder o emprego revela sobre nós?
Se temos tanto medo de perder um espaço que ocupamos, talvez não tenhamos a certeza de que aquele espaço nos pertence de fato. E, num mundo profissional, ainda dominado e ditado por líderes homens, as mulheres se sentem ainda mais inseguras com relação a seus cargos e conquistas.
Depois do segundo café, agora acompanhado de um tiramisù, aquela resposta fez muito sentido. O medo de perder o emprego está relacionado ao medo da rejeição.
De acordo com o report global sobre liderança feminina produzido no final de 2020 pela consultoria KPMG, 62% das mulheres expressaram preocupação por não serem capazes de atender às expectativas culturais de sua empresa.
Das executivas (que atuam em cargos de liderança), 75% relataram ter experimentado, pessoalmente, a síndrome da impostora em certos momentos de sua carreira.
A “síndrome da impostora” é aquela voz irritante que nos acompanha, dizendo “é agora que todos vão descobrir que você é uma fraude”. E você se sente como um vilão do Scooby-Doo, prestes a ser desmascarado de forma patética, a qualquer momento.
De acordo com o Instituto de Psicologia, a síndrome da impostora é caracterizada por pensamentos que reforçam a perda de confiança em si, e a sensação de que o sucesso atingido não foi merecido.
Por que nós, mulheres, estamos sempre achando que não somos boas o suficiente?
É importante lembrar que os nossos sentimentos negativos podem nos ensinar valiosas lições, quando paramos de nos esforçar para eliminá-los ou sufocá-los.
Nós somos as nossas histórias e devemos usá-las em nossa carreira. E eu não estou falando das histórias de sucesso que postamos no LinkedIn ou no Instagram, mas das histórias de superação. Listei alguns exemplos:
Histórias de medo – por termos que lidar com doenças físicas ou mentais, nossas ou de familiares
Histórias de vergonha – por termos algum familiar alcóolatra ou dependente químico
Histórias de trauma – por não termos recebido carinho, apoio ou mesmo o amor necessário para nos tornarmos adultos seguros
Histórias de luto – familiares que partiram cedo ou pais que nunca estiveram lá
Histórias de fragilidade – por todos os relacionamentos abusivos ou tóxicos
Cada história é única e deve ser respeitada.
O mais paradoxal é que são justamente os desvios e percalços que nos tornam extraordinários. São essas histórias que nos transformam e mudam nossos rumos. E é aí que encontramos (ou despertamos) nosso SUPERPODER.
As histórias mais difíceis que vivi foram as que mais me ensinaram.
Recentemente, cinco meses após minha cirurgia de câncer de mama, olhei no espelho e enxerguei, com orgulho, minhas (muitas) cicatrizes. Elas são fruto de um processo de medo e sofrimento, mas de imenso aprendizado e provas de amor e força. Hoje, meu SUPERPODER é viver com mais intenção, estar presente em tudo o que faço. E sei que isso me faz uma líder melhor, com mais empatia, coragem e resiliência, olhando mais as necessidades e demandas do outro.
São nossas marcas e cicatrizes (físicas e psicológicas), que nos transformaram no que somos. E, mesmo assim, passamos muito tempo e gastamos muita energia, tentando escondê-las.
Tudo o que você viveu e vive faz parte de sua essência. Sem tirar nem por.
Uma vida não se mede por títulos e conquistas, mas pela jornada percorrida. E não existem dois caminhos iguais. Por isso, comparações são sempre vazias e injustas: cada um tem sua história, sua bagagem, seu lugar e seu propósito. E TODOS são importantes.
A comparação destrói nossa essência.
Talvez eu fosse diferente se não tivesse passado por um câncer, se não tivesse sofrido múltiplos abortos, se não vivesse a dor de perder um irmão para as drogas, ou mesmo se não tivesse a infeliz responsabilidade de ter que demitir quase metade dos colaboradores três meses após ter assumido a posição mais importante da minha carreira.
Talvez eu fosse diferente se não tivesse passado por tudo isso. Mas daí não seria eu. E para ser honesta, tenho muito orgulho da mulher e da líder que me tornei.
Não sei se esta é “a minha melhor versão”. Talvez não seja, mas não importa.
Finalizo este artigo com um convite. Na verdade, sinto-me bastante confortável para trocar o convite por uma convocação. Você tem uma missão. Transforme suas dores, seus medos, seus traumas, seus lutos, suas fragilidades no seu SUPERPODER.
A sua coragem vai transmutar sua vida (pessoal e profissional) e inspirar outras mulheres a seguirem impactando gerações de mulheres a se apropriarem de suas histórias.
Esse é o ciclo virtuoso que queremos e podemos criar, juntas.
Honre a sua história.
Luciana Rodrigues é CEO da Grey Brasil, conselheira do board da Junior Achievement, membro do conselho da Iniciativa Empresarial pela Igualdade e do comitê estratégico de presidentes da Amcham. Também é aluna de pós-graduação em neurociências e comportamento.
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