Um ditado popular muito conhecido diz que há três maneiras de se assegurar a imortalidade: ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. No caso da árvore, duas disputam o posto de mais longeva: o pinheiro Matusalém, na Califórnia (EUA); e o cipreste da Patagônia chamado de “Grande Avô”, ao sul de Santiago (Chile) – ambos rondando os 5 mil anos de idade. Entre os livros, há inúmeros exemplos de obras que atravessam séculos, milênios. Na vida humana, no entanto, casos de pessoas que vivam além dos 100 anos têm sido raros; além dos 110 anos, mais raros; e que cheguem (ou mesmo passem) dos 120 anos, ainda mais raros. Um artigo publicado na revista PLOS One diz que isso pode estar perto de mudar.
De acordo com o trabalho citado, conduzido por pesquisadores da Universidade da Geórgia (EUA), se existe um limite máximo para a expectativa de vida humana, “ainda não estamos nos aproximando dele”. O artigo lembra que na Roma Antiga já foram considerados como máximo de longevidade humana os 110 anos de idade. O atual recorde, lembram os pesquisadores, são os 122 anos e 164 dias, da francesa Jeanne Calment (que morreu em 1997). Há relatos de que ela teria conhecido o pintor Vincent Van Gogh (1853-1890), a quem teria vendido material de pintura (e, claro, há contestações veementes a isso, com variados graus de seriedade).
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Mas a pesquisa mostrou que, na análise de dados históricos e atuais de mortalidade de populações em 19 países industrializados, o que se verificou foi que o padrão dominante ainda é o de compressão da mortalidade, mas houve episódios de adiamento. Compressão, explica o artigo, implicaria que estaríamos nos aproximando de um limite máximo para a duração da vida. Já o adiamento implicaria que não estaríamos.
O levantamento mostrou que, entre os nascidos no período de 1900 a 1950 o adiamento da mortalidade foi verificado em níveis “sem precedentes” – o que indicaria que recordes de longevidade podem, portanto, aumentar significativamente. Para as populações nascidas entre 1910 e 1950 (ou seja, aqueles com idade entre 70 e 110 anos), poderia haver um ganho de até 10 anos, segundo os modelos estatísticos usados no estudo. Interessante é que os autores do estudo ressaltam que esses recordes, para serem ultrapassados, demandariam a manutenção de políticas que apoiem a saúde e o bem-estar dos idosos e estabilidades política, econômica e ambiental. Não é pouco.
E eles ainda enfatizam que as implicações de um adiamento de mortalidade nessa escala para sociedades, economias nacionais e vidas individuais seriam profundas.
O que torna impossível adiar, e mais ainda evitar, que se encare de uma vez por todas uma lista de questões que não caberia aqui. Pode-se começar questionando o que aconteceria com sistemas previdenciários. Como países pobres lidariam com populações mais longevas – talvez não nos níveis recorde a que chegariam as de países ricos, mas ainda assim em níveis que justificariam preocupação? No âmbito profissional, há o bastante presente caso do etarismo: como lidar com o avanço da idade em mercados de trabalho em que esse preconceito é arraigado? Na vida pessoal: estamos prontos para a vida que poderá se estender por mais de um século? Não faltam levantamentos a mostrarem que casos de depressão têm aumentado já entre os jovens, e que continuam a crescer conforme a idade avança.
Uma certa atitude geral de “resolvemos esse problema quando ele aparecer” não cabe mais. Os avanços da tecnologia tornaram presentes questões que talvez não estivessem sendo esperadas para já, mas que já se podia antever – como o impacto da IA (inteligência artificial) nos mais diferentes espaços de nossas vidas, aumentos populacionais, preservação ambiental, a necessidade de se investir em saneamento e saúde pública (para que eventos inesperados como pandemias não sejam o flagelo que a de covid-19 foi), entre outros. A possibilidade de que idades acima de um século sejam mais comuns impõe que se comece a planejar um futuro assim desde já.
Claudio Lottenberg é mestre e doutor em oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp). É presidente do conselho do Hospital Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde.
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