Em um universo ainda visto como masculino, o do uísque, Elizabeth McCall se destaca. A americana é a terceira pessoa – e a primeira mulher – a assumir o cargo de master distiller da Woodford Reserve, marca de uísque bourbon premium produzido pela Brown-Forman, uma das maiores multinacionais de bebidas do mundo. O master distiller é o responsável por supervisionar todo o processo de elaboração do uísque, desde a seleção dos grãos até a maturação.
Depois de mais de uma década de treinamento, Elizabeth assume o novo cargo enquanto espera um bebê. Agora, estará à frente do desenvolvimento de lançamentos especiais e raros da marca, além do controle de qualidade e da inovação do portfólio. Além disso, sua posição ajuda a mudar a imagem e a representação feminina na indústria. “É ótimo que eu esteja nesse cargo, mas ainda existe o estereótipo de que as mulheres vão para casa e bebem vinho e isso nem sempre é verdade.”
Quando começou na empresa, em 2009, eram apenas quatro fermentadores e as operações de engarrafamento aconteciam duas vezes por semana. Hoje, são 16 fermentadores e engarrafamentos diários em dois turnos. “Vou liderar o planejamento estratégico para o crescimento que esperamos ver nos próximos 5 a 10 anos.”
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Elizabeth assume no lugar de Chris Morris, seu mentor e que agora será master distiller emérito da empresa. Ela é a segunda geração da sua família a trabalhar na indústria de destilados, seguindo os passos de sua mãe. Mas foi na psicologia que sua trajetória profissional começou – e também como entrou na empresa.
Em entrevista à Forbes, Elizabeth McCall conta como construiu sua carreira nessa indústria e diz qual a importância do cargo para quebrar o estereótipo das mulheres com o uísque.
Forbes: Como você começou sua carreira na indústria do uísque e chegou a esse cargo?
Elizabeth McCall: Eu me formei em psicologia, fiz mestrado em aconselhamento psicológico e o plano era ser terapeuta. Mas eu fiquei sabendo de uma vaga de emprego na Brown Forman que buscava pessoas com formação em psicologia. E isso porque era um trabalho de controle de qualidade sensorial e eles queriam alguém com a capacidade de ler a resposta humana a um produto. Então foi assim que eu comecei, em uma posição de nível básico de teste de controle de qualidade. Nada muito glamouroso, mas eu aprendi rapidamente que tinha uma forte paixão por bourbon, pela qualidade e pela indústria em geral.
Em 2009, quando eu comecei, foi o boom do bourbon. Então eu tive a sorte de crescer com isso, aprendi muito, continuei nesse cargo e assumi mais o trabalho com a produção global. Em 2014, fiz um treinamento interno com Chris Morris e causei uma boa impressão nele. Eu não sabia que ele estava procurando alguém para ser master taster da Brown Forman. Eu já tinha falado para o meu superior que adoraria a oportunidade de representar as marcas e então as estrelas se alinharam e, em 2014, perguntaram se eu queria ser treinada para ser master taster.
F: O que você acredita que foi seu diferencial?
EM: Eu aceitei a oportunidade de ser master taster sem saber totalmente para o que eu estava dizendo sim, mas foi ótimo porque me trouxe até aqui. Eu já tinha o lado técnico porque eu aprendi a parte química do produto, sabia muito sobre a produção, toda a parte da degustação eu estava muito bem preparada, a história da marca, como falar em nome da marca. Em 2015, depois de concluir meu treinamento, fui nomeada master taster e trabalhei tanto para o Woodford Reserve e Old Forester. Em 2016, fui nomeada master taster e especialista sênior em controle de qualidade apenas para a Woodford Reserve. Dois anos depois, fui nomeada master distiller assistente da Woodford Reserve e continuei meu desenvolvimento trabalhando com o Chris Morris. E acabei de ser nomeada master distiller da Woodford Reserve – e ainda estou me acostumando com isso.
F: Sua formação em psicologia ainda te ajuda no seu trabalho hoje?
EM: Com certeza. Acho que a psicologia é um daqueles diplomas que se aplicam a todas as áreas de trabalho, não importa onde você está trabalhando porque é tudo sobre relacionamento com as pessoas. Como embaixador da marca, é muito importante ser capaz de se relacionar com os consumidores. Mas também acho que me ajuda na parte de produção e para trabalhar bem com a equipe, metodologia e compreensão e análise de dados. Eu amo analisar dados e toda a nerdice que acompanha esse trabalho, então tudo o que eu aprendi com a psicologia e a metodologia tem sido muito útil.
F: O que exatamente faz um master distiller?
EM: Essa é uma pergunta muito boa porque nós fazemos muitas coisas. Acho que a coisa mais importante é manter a integridade da marca e ser a pessoa estável na empresa para os próximos 20 anos. Diferentes gestores de produção e marca vêm e vão, mas o Chris Morris tem sido uma constante na Woodford Reserve por mais de 25 anos. Eu pretendo ser essa embaixadora da marca mantendo a integridade e a qualidade, cuidando da inovação, incluindo iniciativas como a Master’s Collection e a Distillery Series [lançamentos especiais e raros da marca].
F: Como foi seu treinamento? Quais as lições mais importantes que você aprendeu com seu mentor?
EM: A coisa mais importante que eu aprendi com o Chris Morris é permanecer fiel à marca, entender realmente a empresa, criar uma boa base do que a marca representa e onde estão os valores centrais dela e não se afastar disso. As pessoas amam uísque e você pode seguir diferentes caminhos com inovação e criatividade, mas eles precisam fazer sentido para a marca. É realmente ter uma base forte, manter os principais produtos e inovar de uma forma estratégica.
F: Qual a importância de ser a primeira mulher nesse cargo?
EM: É uma grande honra ser a primeira mulher. Eu entendo a importância e a representatividade de ver pessoas que se parecem com você, isso inspira mais pessoas a buscar esses cargos. Então eu vejo como uma responsabilidade enorme. Fico muito feliz e orgulhosa que a Brown Forman tenha acreditado em mim, principalmente porque eu estou esperando um bebê e isso também é emocionante e mostra que as mulheres podem ser promovidas e estar em cargos de liderança grávidas e com filhos. Isso não significa que nossa carreira tem que parar. Isso não significa que não podemos contribuir para a empresa. Eu adoro compartilhar isso e espero que encoraje mais empresas a promover mulheres e encoraje outras mulheres a buscar empregos mesmo sem se sentirem 100% qualificadas ou se estão planejando uma família e pensam que não podem começar uma carreira.
F: A indústria de uísque ainda é vista como um universo muito masculino. Você acredita que isso está mudando?
EM: Definitivamente está mudando. Ainda é muito dominada pelos homens, mas temos muitos grupos inspirando as mulheres. Precisamos mudar o que vemos até mesmo na televisão. É ótimo que eu esteja nesse cargo, mas ainda existe o estereótipo de que as mulheres vão para casa e bebem vinho e isso nem sempre é verdade. Eu bebo vinho, eu amo vinho, mas eu também vou para casa e faço um uísque com gelo – quando não estou grávida, claro. Vamos mudar esse estereótipo e naturalizar isso conforme vemos mais mulheres entrando no mundo do uísque. Muitas vezes são as mulheres que estão tomando as decisões de compras, escolhendo as bebidas para a casa e para festas, então podemos fazer isso.
F: Muitas mulheres nem consideram essa área como uma oportunidade de carreira. Como foi isso para você? Quem te inspirou?
EM: Minha mãe trabalhava na indústria do uísque antes de eu nascer, mas o que ela sempre falou para mim foi que o trabalho é importante para se sustentar. Eu cresci acreditando que eu poderia ser e ter tudo o que eu quisesse se trabalhasse bastante e dedicasse tempo para isso. E eu sempre estive cercada por mulheres na Brown Forman, então não era estranho ver mulheres sendo promovidas.
F: O que você diria para quem quer seguir uma carreira como a sua e trabalhar nessa área – especialmente mulheres?
EM: Para as jovens mulheres começando, em primeiro lugar, se você tem paixão pela indústria de destilação, isso te leva mais longe porque essa é uma indústria movida pela paixão. As pessoas que trabalham com isso, não é que elas tinham a intenção de entrar na indústria do uísque, mas elas geralmente percebem que têm um forte interesse, tropeçam na indústria de uma forma ou de outra. Há muitos caminhos diferentes para entrar, pode ser pelo lado da hospitalidade, produção, marketing. Se você tem interesse, aceite um cargo de nível básico, não espere entrar em um nível alto sem ter experiência na indústria de bourbon. Foi isso que eu fiz. Comecei com uma função técnica e só sabia que queria continuar aprendendo e crescendo na carreira. É preciso se arriscar, começar de baixo, trabalhar duro e não se esquecer das pessoas que te ajudaram a chegar lá.
F: E quem te ajudou na sua trajetória?
EM: Muitas pessoas. As mulheres e todas as pessoas com quem eu trabalhei no laboratório de pesquisa, que me ajudaram a aprender muitas habilidades técnicas e também me mantêm humilde, não importa onde você vá em sua carreira e quantas entrevistas você faça ou com quem você fale, eles o manterão com os pés no chão. Também vejo o Chris Morris como meu mentor, ele foi realmente meu pai do bourbon e me ensinou basicamente tudo que eu sei. Os gestores que te protegem são muito importantes, meu gerente Mark Bacon tem sido fundamental para me ajudar a crescer na minha carreira, então me sinto muito feliz por ter todas essas pessoas me cercando.
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