A primeira descrição de Alexandre Manisck no LinkedIn é “C-Level as a service”. Com cerca de 30 anos de carreira em comunicação e experiência na liderança de agências de publicidade e outras companhias, incluindo um período como executivo da marca de produtos de beleza Salon Line, ele poderia ser CMO de uma grande empresa hoje, mas sua foto mostra o selo #opentowork. Isso porque em nome da flexibilidade, Manisck resolveu largar o vínculo com o mundo corporativo como conhecemos e entrar no mercado “open talent”, alocando sua experiência em projetos específicos e pontuais. “Estar em um cargo C-Level numa empresa demanda muito do seu tempo. Hoje, eu consigo trabalhar de casa, cuidar dos meus filhos, fazer meus projetos e atender vários clientes ao mesmo tempo.”
Desde o ano passado, o profissional se tornou um dos quase três mil talentos na plataforma da Ollo, uma empresa que conecta pessoas para ocupar cargos até mesmo no alto escalão das empresas, só que temporariamente, no mundo todo. “O open talent é uma tendência que veio para somar aos formatos existentes. E não substituir o modelo tradicional”, diz a fundadora Karina Rehavia.
A empresa nasceu em 2020, inspirada por interações mais flexíveis entre companhias e profissionais nos EUA e na Europa. No entanto, só criou o braço “C-Level as a service” no ano passado, observando uma demanda pela contratação de profissionais para liderar projetos por tempo determinado.
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Em uma pesquisa sobre o assunto realizada em fevereiro com 117 membros do WCD (Women Corporate Directors) Brasil, 43% disseram ver vantagens no open talent.
O mercado de talent as a service não é exatamente novo, mas está em crescimento – especialmente para profissionais mais seniores. E, segundo relatório da empresa de pesquisa Future Market Insights, deve atingir US$ 1,1 bilhão (R$ 5,7 bilhões) até 2032, com uma taxa de crescimento anual de 11,7% de seu valor estimado de US$ 387 milhões (R$ 2 bilhões) em 2022. “Em momentos de incertezas econômicas e política, há uma grande elevação de demanda por profissionais interim”, diz Diogo Forghieri, diretor de talent solutions na multinacional de RH Randstad Brasil. E, portanto, desde a pandemia até as crises econômicas mais recentes, a busca por essas pessoas tem aumentado em todo o mundo.
A open talent economy é uma realidade no Brasil?
Mas o Brasil ainda precisa evoluir em relação ao tema. Na pesquisa do WCD Brasil, 43% responderam que a agenda da open talent economy só deve se tornar relevante no país no médio ou longo prazo. Para 26%, no curto prazo.
De fato, a estabilidade na carreira ainda é uma questão cultural muito forte para os brasileiros e o sistema jurídico do país precisaria avançar no assunto da mão de obra terceira. Mas segundo Maíra Campos, diretora executiva da Page Interim, unidade de negócio do PageGroup especializada no assunto, estamos vendo uma rápida modernização do mercado de trabalho. “Isso vem crescendo muito porque as empresas têm um olhar muito forte para a produtividade e precisam de profissionais com bagagem técnica e que já entrem performando bem na função.”
No início, em 2008, a Page Interim ajudava empresas a contratar temporários em períodos de licença-maternidade e ausência por doenças, por exemplo. Mas desde 2016, Campos observa uma oportunidade no mercado de talent as a service, com foco específico em finanças e tecnologia. “Tem muita demanda por controllers, gerentes financeiros, desenvolvedores, gestores de projetos e head de growth.”
Foi por meio da Page Interim que o cearense Venícius Sabóia conseguiu se colocar no mercado de trabalho paulistano em uma posição temporária na área de pessoas do Airbnb, onde ficou por cinco meses. Na mesma semana em que o contrato foi encerrado, recebeu uma oferta nesse modelo para uma posição de gerência na Vertex, empresa de automação tributária, onde ficou por dois anos e meio até assumir o cargo permanente de senior business partner. “A posição temporária foi a porta de entrada para chegar até aqui.”
A contratação terceirizada por meio da Page Interim também levou Guilherme Bissoli a um cargo efetivo. Ele foi chamado para montar no Brasil a operação da empresa americana Heartland Food Products, que não tinha nem CNPJ, entre 2020 e 2022. E, desde o final do ano passado, com a empresa já estabelecida, atua como country manager. “Creio que esse modelo vai ser cada vez mais comum pela facilidade de internacionalização de muitas outras companhias.”
A chinesa Sinochem teve uma iniciativa desse tipo ao trazer o diretor comercial João Gonçalves para expandir os negócios no Brasil, sem a necessidade de ter uma base operacional no país. O executivo foi contratado por meio da modalidade Interim da Randstad. “Montar uma estrutura no Brasil é complicado e seria muito caro, então eles me colocaram para ter contato com os clientes pensando que se der certo no futuro eles podem criar uma estrutura.”
Vantagens de contratar C-Levels sob demanda
A questão financeira é um dos principais atrativos para as empresas adotarem o modelo de contratação sob demanda, além da eficiência e produtividade. Essa é uma oportunidade de empresas em estágio inicial, por exemplo, contratarem talentos que não poderiam bancar de forma tradicional. “O que é muito vantajoso é que você pode buscar as competências mais atualizadas em um determinado assunto sem ter que desenvolver dentro de casa”, diz Ana Lucia Caltabiano, associada da WCD e coautora de uma publicação sobre o tema.
Profissionais optam por trabalhar por projetos principalmente pela flexibilidade, que é uma das prioridades para os profissionais hoje, segundo o Workmonitor da Randstad. “Há uma tendência dos profissionais com alta qualificação buscarem arranjos mais flexíveis e menos engessados”, diz Forghieri.
Mas essa dinâmica também tem outros benefícios, como a possibilidade de focar nas entregas. “Na empresa, a operação demanda atenção o tempo inteiro. Tem gente te chamando, você tem que responder email e quando vai ver você só está produzindo em 20% do seu tempo”, diz o C-Level as a service Alexandre Manisck. Hoje, ele faz no máximo em uma semana o que demorava até 20 dias como funcionário fixo de uma empresa.
Manisck estabelece um valor/hora para seu trabalho, mas é flexível de acordo com a sua identificação com o projeto, o tamanho da empresa e a possibilidade de voltar a ser procurado por ela. “O mais legal disso é poder escolher os clientes e pegar projetos em que você acredita.”
Mas é também uma opção de carreira. “Tem executivos que preferem participar de projetos com alta complexidade do que estar numa mesma empresa com menos complexidade por 10 anos”, diz Campos, da Page Interim. Para Ana Lucia Caltabiano, associada da WCD, isso é interessante especialmente para profissionais de tecnologia. “Eles precisam circular, senão ficam muito especializados na tecnologia de uma empresa específica.”
Ou até uma forma de pessoas seniores permanecerem ativas no mercado. “Elas passam a viver de projetos e conseguem barrar o tema do etarismo em posições efetivas e fixas”, diz André Freire, sócio-diretor da consultoria de headhunting EXEC.
Quem quer ser um open talent
As empresas começam a perceber que muitas vezes não precisam ter um corpo inteiro de C-Levels trabalhando oito horas por dia, cinco dias por semana. Rehavia recebe demandas de multinacionais, companhias que atuam fora do país, startups mais consolidadas e até em estágios iniciais. Mas, segundo ela, esse modelo não é para qualquer companhia ou projeto.
Na experiência de Maíra Campos, da Page Interim, as empresas que mais trabalham com esse modelo são multinacionais, companhias mais modernas e com operações mais maduras e estruturadas.
A Randstad observa uma maior demanda por gerentes e diretores em cargos de Recursos Humanos, Finanças, Jurídico, Compliance e TI, além de consultores em projetos específicos. Áreas como Digital, Inovação, Pesquisa & Desenvolvimento, M&A, transformação organizacional ou cultural e Suppy Chain cresceram pós-pandemia.
Os profissionais buscados pela Ollo variam muito, de pessoas mais júnior a C-Levels. “Existe uma tendência de profissionais mais sênior quererem ou poderem fazer a opção por serem autônomos”, diz Rehavia, ressaltando que esse é um recorte da população de pessoas que têm a liberdade de escolher viver sem a estabilidade de um emprego fixo.
Para Manisck, que trabalha como executivo as a service, esse é o lado ruim. “Tem hora que tem seis pessoas batendo na sua porta e você tem que escolher e tem hora que não tem ninguém”, diz ele, que acredita que para ter essa vida é preciso um planejamento financeiro prévio.
A liberdade tem um preço – que na sua avaliação é mais baixo do que se comprometer com uma empresa só. “As empresas te dão estabilidade, mas é uma falsa estabilidade. Você só tem duas chances de errar. Na segunda, você tá fora.”
Os desafios dos gestores na open talent economy
Os gestores não precisam mais ficar restritos às suas equipes para realizar os trabalhos. Eles agora têm um pool de talentos, dentro e fora da empresa, para alocar nos seus projetos conforme suas necessidades. “Os gestores vão ser cada vez mais designers de rede, com um pool de funcionários disponíveis entre profissionais da empresa, independentes, freelancers, consultores e terceirizados”, diz Rehavia, da Ollo.
Ainda vai levar um tempo para as empresas se sentirem confortáveis com a ideia e entenderem não só qual o melhor formato de time para cada projeto, mas qual tipo de contrato deve ser feito e como ficam as questões de confidencialidade de dados e obrigações jurídicas, por exemplo. “Temos uma longa jornada até a liderança aprender a lidar com a maleabilidade de mão de obra e termos adaptações no sistema jurídico brasileiro”, diz Vicky Bloch, associada da WCD e também coautora da publicação sobre open talent. Segundo ela, os líderes precisam ter paciência, autoconhecimento e escuta curiosa para entender as necessidades dos profissionais que atuam tanto dentro quanto por fora da organização.
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