“Só a lei não resolve desigualdade salarial”, diz presidente da OAB/SP

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Divulgação/OAB/SP

Além de presidente da OAB/SP, Vanzolini é professora e sócia-fundadora de um escritório de advocacia

Em novembro de 2021, Patricia Vanzolini se tornou a primeira presidente mulher da maior OAB estadual do Brasil, a do estado de São Paulo, com mais de 330 mil membros. Além da presidência, ela ainda é sócia-fundadora do escritório Brito e Vanzolini Advogados Associados e professora de um cursinho preparatório para a prova da OAB. Desde que assumiu o cargo em janeiro do ano passado, a presidente já fez várias mudanças estruturais na entidade que representa a advocacia, especialmente na busca por equidade racial e de gênero.

Entre as políticas aprovadas, pela gestão de Vanzolini estão o compromisso de ter 50% de pessoas negras em posições de liderança até 2030, a assistência jurídica a vítimas de violência doméstica e a fixação de cotas raciais e de gênero para a escolha de desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo. Tendo sofrido resistência de membros da OAB/SP e ataques por ser mulher em um cargo de destaque e liderança, Patricia Vanzolini conversou com a Forbes sobre como lida com isso na sua gestão.

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Forbes: Qual a importância, para você, de ter mulheres em altos cargos de liderança?

Patricia Vanzolini: Uma marca de ter uma mulher num cargo de liderança é de ser uma gestão especialmente atenta para questões de gênero e diversidade. Não quero que a minha figura seja neutra. É uma gestão para o fortalecimento profissional de toda advocacia, mas especialmente preocupada com as mulheres e com a preservação da diversidade. Isso me juntou, desde o início, a diversas lutas que encontraram uma série de resistências.

Pela primeira vez na história das gestões da OAB, nós temos uma comissão dedicada à violação de prerrogativas da mulher advogada, que é um dos corações da ordem. Advogadas sofrem violações muito específicas em relação aos homens. Agora, por exemplo, temos um canal para a denúncia de assédio sexual e moral sofrido pelas mulheres advogadas, as quais não tinham com quem conversar ou denunciar de forma segura antes. É inegável perceber que existe uma correlação entre uma liderança feminina e uma política pública mais atenta para questões de gênero. Quero pensar em uma OAB que saia de uma posição de comodismo, que geralmente é a posição dos homens.

F: Qual a sua opinião sobre a Lei de Equidade Salarial proposta pelo governo no último dia 8 de maio?

PV: Em primeiro lugar, a política tem um efeito simbólico relevante. É importante que os órgãos governamentais deem sinais para a sociedade de que isso [a desigualdade salarial] não pode ser feito e que a política pública não vai aceitar.

Entretanto, só a lei não resolve, porque a desigualdade das mulheres no no mercado de trabalho é um problema realmente multifatorial. A diferença de salário é um problema, mas nós temos uma diferença de salário que é oriunda de uma diferença de oportunidades. 

A maneira que outras questões impactam nessa diferença salarial que não é algo simples de resolver com uma norma que diga aos empregadores que têm que pagar o mesmo. É preciso dar às mulheres a condição de pertencer e permanecer no mercado de trabalho removendo essas barreiras. As mulheres têm um papel social de cuidadoras dos filhos, dos pais mais velhos, de irmãos. Ou seja, tudo isso tem que ser mudado

F: O que significou, para você, ser eleita como a primeira mulher para a presidência da OAB de São Paulo?

PV: Sempre acreditei que a colocação da minha candidatura como primeira mulher a presidir a OAB tinha que ser uma uma gestão de coragem e de enfrentamento de dificuldades. Porque isso é uma marca feminina, não é? A marca feminina, ao contrário do que muitos pensam, não é a docilidade ou a fragilidade. Pelo contrário, é a marca da força e de enfrentar uma estrutura que sempre quis nos oprimir e nos invisibilizar. Então, acho que se as mulheres puderem trazer algum tom para as suas respectivas gestões deve ser um tom de resiliência e de não se curvar a um status quo conveniente – e, sim, colocar em prática os principais ideais que te levaram para estar nesse lugar.

Não queria vir aqui para ser qualquer mulher. Eu queria ser uma mulher que representasse avanços na instituição [da OAB]. Ter avanços passam pela coragem de se posicionar mesmo sabendo que vou desagradar alguns. Nós, como mulheres, vamos desagradar sempre, não importa o que façamos. É uma medida de sobrevivência não contar com essa aprovação universal e isso nos dá uma certa liberdade, especialmente estando em cargos de liderança.

 

F: No final do ano passado, você foi agredida verbalmente por um homem que questionou sua capacidade de estar no cargo especificamente por ser mulher. Como você lidou com isso?

PV: O machismo estrutural, quando ele se explicita, nos dá um imenso. Claro que ele nos provoca muita dor também, mas ele nos dá imenso alívio porque você percebe que não é coisa da sua cabeça, que não é “mimimi”. 

O ataque explicitou não só a misoginia contra mim, mas também uma resistência à mudança, porque o motivo do inconformismo que gerou aquela crítica foi justamente uma mudança financeira séria que eu estava promovendo para dar maior responsabilidade no gasto do dinheiro da advocacia e mexendo em determinados favoritismos. Grupos esses que, talvez, se considerassem intocáveis e ninguém antes tivera a coragem de cutucar.

Senti que eu estava indo no caminho certo, enfrentando uma resistência e tomando uma atitude em relação a isso. Foi uma decisão que achei absolutamente correta do ponto de vista da gestão de modernidade, transparência e responsabilidade do dinheiro da advocacia. Eu fiz questão de expor o ataque que eu havia sofrido não para promover um linchamento público da pessoa que me atacou – cuja identidade, inclusive, eu preservei. Foi uma forma justamente de mostrar que mulheres sofrem isso e que se eu, como presidente dessa entidade, sofro, nem imagino pelo que mulheres com menos passam.

F: Que dicas você daria para mulheres ingressando no mercado jurídico?

PV: As mulheres, hoje, são maioria das bacharéis em Direito e já temos mais mulheres do que homens inscritos na OAB. Um dado muito interessante é que, embora as mulheres sejam a maioria das jovens advogadas com o caminhar da carreira, o número de mulheres mulheres vai rareando com a subida na carreira. Então, eu diria que mais importante do que ingressar no mercado é permanecer firme nele. Você deve, digo como professora, nunca duvidar da sua capacidade. Ainda, todas essas questões da vida privada relacionada a gênero podem e devem ser divididas com algum companheiro para que preocupações com a maternidade ou com casamento não sejam empecilho para para a vida profissional. Isso não é um dilema para os homens e não é justo que seja para as mulheres.

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