Quando a inacreditável notícia de que o Silicon Valley Bank foi declarado falido, eu estava no meio de uma temporada de duas semanas em São Paulo. Entre visitas a clientes, investidores e encontros com empreendedores, eu só pensava em ir para casa. Moro a poucas quadras da Sand Hill Road, local que une Menlo Park e Palo Alto. Ali se encontra a maior concentração de Venture Capital per capita do mundo. Entre o pior cenário de um efeito dominó aos moldes de Armaggedon até a melhor hipótese de o governo americano estancar a derrocada, os pensamentos iam longe. Para acalmar a mente, finalmente, ao voltar para casa, corri para conversar com pessoas diretamente envolvidas na crise. Relato a percepção do post mortem do SVB aqui na Califórnia, onde tudo aconteceu.
Os profissionais que conversei preferem a discrição, portanto mantenho o anonimato. As opiniões são, afinal, pessoais e não refletem nenhuma posição institucional.
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Na cadeira de CFO de um dos maiores e mais antigos fundos do Vale, esse profissional está na Califórnia há mais de 25 anos e vê essa crise com a frieza de quem já viu muitas e, inevitavelmente, verá outras. A sua opinião é clara e analítica: “Acho que o ecossistema precisa do SVB ou de algum outro parceiro parecido com ele. Acho que as medidas do governo foram exatas e em tempo para evitar um contágio maior. No fundo, o banco não era insolvente — apenas ficou sem caixa devido ao bank run.” E eu questiono sobre a má gestão do CEO e CFO do banco: “Sim, houve. Mas isso não significa que o colateral é ruim. Apenas o declínio no seu valor de face.” E assim ele segue para a próxima reunião, com foco no seu trabalho, e não na especulação do quem vem amanhã.
Um segundo investidor em venture capital, mais nichado porém com co-investimentos com todos os chamados tier 1, analisa com mais atenção: “O SVB é uma história com muitos detalhes.” Sobre a insolvência, ele diz que o banco “já estava parado”. Diz que essa crise contribuiu sem dúvida como mais um “fator negativo para o sistema”. Sobre a ótica das empresas, o entendimento é que “mais do que nunca (as startups) têm de aprender a trabalhar eficientemente, coisa que não fizeram nos últimos 10 anos.” Isso hoje pode ser chover no molhado, mas vamos lembrar que, até pouco mais de um ano atrás, o mantra dos mais agressivos investidores era growth, muitas vezes às custas de queimar caixa para crescer. Sobre crédito no geral, para ele a economia deve continuar encolhendo, já que o SVB tinha bastante linhas para empresas com risco, e isso deve diminuir. Perguntei sobre o risco sistêmico, ele completa: “Achei menor do que pensava. Falamos com todas as nossas empresas no fatídico fim de semana e apenas cerca de 20% tinham exposição grande, o resto estava diversificado.” Eu sinto um leve alívio durante a conversa. E ele termina dizendo que aquelas empresas que já estavam zumbis continuam a ver sua chance de morrer aumentar.
Um serial empreendedor, investidor-anjo e LP (limited partner) de fundos, resumiu bem: “O mood é de incerteza.” Adiciona que o governo americano, ou melhor, o Federal Reserve (Fed), através do FDIC – e Federal Deposit Insurance Corporation – ao assegurar que todos os depositários receberão seus fundos, tornou o SVB o banco mais seguro dos EUA. O objetivo do Fed é enviar um sinal tranquilizador de que os bancos não precisam transformar suas perdas potenciais não realizadas em perdas reais incapacitantes. Pelo menos até agora, essa aposta não mudou muito o jogo. E por que não?
Os bancos tomaram emprestado apenas cerca de US $12 bilhões – uma pequena fração dos depósitos que foram retirados do SVB antes de sua implosão. Quanto mais finos são os estoques de capital de um banco, maior o risco de seus clientes perderem dinheiro e mais provável será a fuga de investidores e clientes. Existem outras nuances importantes na engrenagem da crise, como o aumento dos juros para frear a inflação. Mas reservo esse capítulo inteiro para outro artigo.
Hoje, 10 dias após a morte do SVB, o Vale segue resiliente e atento a possíveis danos colaterais. Enquanto grupos de whatsapp trocam informações de como abrir de forma rápida e não-burocrática contas em grandes bancos, como JP Morgan e Walls Frago, outros já fizeram toda a movimentação para a Brex. Os próximos dias, quiçá semanas ou meses, mostrarão quando essa crise de fato irá terminar. Enquanto isso, o clima é de precaução, atenção e calma.
Iona Szkurnik é fundadora e CEO da Education Journey, tem mestrado em Educação e Tecnologia pela Universidade de Stanford, é cofundadora da Brazil at Silicon Valley, fellow da Fundação Lemann e ganhadora do prêmio Start-Ed de Empreendedorismo em Educação e Tecnologia da fundação
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