A gigante canadense Nutrien, uma das maiores fornecedoras de fertilizantes do mundo, desembarcou no Brasil em 2018 disposta a ser grande. E não tem saído do passo. Um projeto agressivo de aquisições, previsto em US$ 1 bilhão no país, fez a subsidiária brasileira da companhia sair de R$ 3 bilhões (cerca de US$ 600 milhões na cotação atual) de receita em 2021, para R$ 8 bilhões (US$ 1,5 bilhão) no ano passado. A multinacional comprou mais de 10 empresas, quase todas redes de revendas de insumos agropecuários com fortes atuações em suas regiões, entre elas Casa do Adubo, Safra Rica, Agromercantil. Além dos fertilizantes, entram nessa conta sementes, biológicos e agroquímicos.
André Dias, presidente da Nutrien para a América Latina, executivo com larga experiência em fusões e aquisições, está à frente do projeto de crescimento da companhia no Brasil. Ele diz que viaja menos do que gostaria “porque tenho um time que viaja bastante”. Mas, pelo menos uma semana por mês, o executivo que atua no setor do agro há quase 30 anos está na estrada vendo e observando os mais diversos cenários. Poucos dias depois da entrevista à Forbes, ele estaria na Argentina para inaugurar um escritório da Nutrien, depois seguiria para o Chile. Porém, seu maior tempo é mesmo com o Brasil, onde a companhia tem foco total nos dias atuais com a missão de integrar as empresas compradas e na formatação de uma cultura própria. E, claro, ficar de olho em oportunidades.
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A sede global da Nutrien fica em Saskatoon, na região onde estão suas minas de potássio com capacidade instalada para produzir 18 milhões de toneladas. Ela é uma forte líder de potássio e uma das maiores fabricantes de fertilizantes do planeta, com operações em 14 países. No ano passado, a Nutrien faturou no mundo US$ 38 bilhões (quase R$ 200 bilhões), crescimento de 37% sobre 2021, com um lucro líquido de US$ 7,6 bilhões, valor 142% acima. Dias falou com a Forbes na sede da empresa, em São Paulo. Confira os principais trechos da entrevista:
Forbes: Em 2018, quando a Nutrien chegou ao Brasil,foi anunciado que a empresa iria investir US$ 1 bilhão no país. Quanto desse valor já foi gasto?
Dias: Não posso revelar esse número, mas já investimos grande parte desse valor. Mas posso dizer que a gente continua comprometido a investir ainda mais no Brasil, mesmo que ultrapasse esse valor. Porque esse valor não é um limite. Ele era um compromisso inicial.
O mercado brasileiro, que no nosso caso estamos com operação de varejo e misturadoras de fertilizantes, é muito grande e continua a crescer. O foco global de crescimento, em termos de expansão, é o Brasil. Índia, China, são mercados super interessantes, mas tem que focar em algum lugar. Neste momento, estamos focados no Brasil. Mesmo a gente fechando o ano, como foi em 2022, com R$ 8 bilhões em vendas – que é um número muito grande para uma revenda e distribuidor – isso é 2%, talvez 3% do mercado brasileiro. É muito pouco.
F: Isso significa que a empresa continuará comprando revendas de insumos?
D: A gente vai continuar crescendo. E a gente cresce de duas formas: organicamente e através de fusões e aquisições. No ano passado, fizemos muitas aquisições e isso fez a gente sair de R$ 3 bilhões em 2021 para R$ 5 bilhões em 2022 organicamente, mais R$ 3 bilhões vieram das aquisições. Então, esse é um balanço que a gente tenta manter. Foram 8 aquisições em menos de três anos ( a Nutrien comprou 10 redes desde 2018).
Para 2023, a intenção é focar na integração dos negócios, no aumento de eficiência e a partir daí continuar crescendo. Porque a gente comprou muitas empresas. São CNPJs diferentes, sedes, benefícios, salários e culturas muito diferentes. Há um grande trabalho de integração dessa colcha de retalho para criar uma empresa mais parruda e eficiente. Hoje somos 3.000 pessoas, são 1.000 agrônomos no campo.
F: A empresa olha para quais cenários de tendências para as próximas décadas?
D: Essa é uma das razões de por que a empresa está investindo no Brasil. Tradicionalmente, ela é uma empresa muito mais baseada na América do Norte.
F: Com a dependência do Brasil por importações de fertilizantes, principalmente potássio, há projetos de pesquisa de minas e exploração aqui, em Minas Gerais, na Amazônia, no Nordeste. A Nutrien tem planos nesse sentido?
D: Não, porque temos minas extremamente competitivas. As nossas minas, como Saskatchewan (província canadense), como o Ken Seitz (CEO global) não se cansa de anunciar, tem produto para mais de 200 anos. Não temos razão para isso porque as minas têm vida longa, bons custos e são seguras. Para a Nutrien não faz sentido minerar potássio em nenhum outro lugar no planeta. A gente acompanha e existe uma discussão de minerar na Amazônia, mas acredito que nem levando em conta logística faz sentido. A Nutrien não pretende investir em mineração no Brasil. Estive em Brasília algumas semanas atrás e repeti isso mais uma vez. Nossa melhor forma de contribuir para as culturas do Brasil é continuar com minas muito eficientes no Canadá e fazer parcerias longo prazo para trazer produto também de forma mais eficiente.
F: A invasão Ucrânia pela Rússia assustou muito o mercado em 2022, por representarem mercados importantes para os fertilizantes e grãos. Ainda vê impactos?
D: Hoje, há uma normalização dos preços dos fertilizantes. Houve muito temor, no começo do ano passado, especialmente, da falta de fertilizantes e efetivamente houve um aumento significativo de preços entre os meses de fevereiro até maio. Mas, a partir daí começaram a declinar. Atualmente, basicamente estão no nível pré-guerra. Houve, também, obviamente uma redução de consumo e isso ajudo no balanço de oferta e demanda.
F: Se a guerra terminasse hoje – o que seria muito bem-vindo – que lição ela deixaria para o agro?
D: Tomara mesmo que isso aconteça. Do ponto de vista do mercado pode haver um volume incremental disponível. Não sei se seria significativo, porque a Bielorússia está sofrendo um pouco mais para vender, mas com a Rússia está fluindo. As vendas continuam quase normalmente para o Brasil, que é um país importante para a Rússia.
F: Em relação a geopolítica, com a Rússia se aproximando da China, isso pode redesenhar um mercado global de fertilizantes?
D: Não sou um especialista em relações internacionais, mas se vê esse movimento. Hoje, por exemplo, muito fertilizante vai do Canadá para a China. Pode haver uma reacomodação do fluxo de fertilizantes, mas não sei se seria um deslocamento de volumes, se necessariamente haveria uma grande alteração do que já ocorre hoje.
F: A China tem investido na África e o país asiático olha para esse continente como uma reserva de terras. Qual o peso disso na distribuição de fertilizantes?
D: Embora não haja muita água na China, ainda tem muito espaço para a agricultura chinesa crescer em produtividade. com pesquisa de variedades com resistência à seca, com um estresse hídrico elevado. Isso para África, China e leste europeu. Eu passei bastante tempo na Ásia. Visitei várias vezes a China, que planta muito milho. Em área total, só perde para os EUA. Mas mesmo em crescimento, mesmo com a evolução da produtividade, não há como atender a demanda interna, principalmente para alimentar a indústria de suínos, que vem passando por uma profissionalização significativa.
Em relação ao continente africano há um longo caminho, por ter uma agricultura ainda muito fragmentada em termos de tamanho de módulo rural. E com um consumo muito baixo na utilização de fertilizante por hectare. É preciso um alinhamento muito grande de tecnologias e institucional para que plantem mais. Mas em termos de tendência está posto que a África deve começar a produzir cada vez mais, mas dificilmente vai conseguir repetir o que o Brasil fez depois da década de 1970, quando começou a sair de importador líquido de alimentos para o que é hoje.
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