Em Dijon, na França, existe a Cité Internationale de la Gastronomie et du Vin; em Bruges, na Bélgica, está o Frietmuseum; em Nova York, EUA, tem o Mofad Lab; em Langhirano, na Itália, o Museo del Prosciutto di Parma é uma sensação; em Seia, Portugal, está o magnífico Museu do Pão; bem perto, em Santos, no Brasil, a sugestão é o Museu do Café. Em comum, são espaços culturais que vão além do conceito de guardar memórias: eles reforçam com atualidades e inserções sociais a importância da gastronomia e da produção de alimentos. Agora, para o queijo artesanal de Minas Gerais, o país terá, a partir desta semana, um projeto inédito que está sendo apresentado hoje (14) na capital Belo Horizonte. Trata-se do Centro de Referência do Queijo Artesanal – MG. Por trás, estão duas mulheres que gestaram por duas décadas a ambição de construir um espaço de cultura, educação e gastronomia no país.
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“O objetivo é educar a demanda, ou seja, apresentar os queijos artesanais, porque as pessoas precisam conhecer esse universo. Ele é um produto tão local, que a gente brinca que o queijo é a ‘alma do mineiro’, mas tem muito por trás disso. Há famílias que produzem queijos com características próprias e que contam a história de um agro fantástico”, diz Sara Rocha, diretora executiva do centro. A segunda mulher do projeto brasileiro é a mãe de Sarah, Carmen Rocha, que aos 77 anos continua na ativa.
Minas Gerais tem 10 as regiões reconhecidas pelas características da produção do queijo artesanal. São elas: Araxá, Campo das Vertentes, Canastra, Cerrado, Diamantina, Entre Serras da Piedade ao Caraça, Serras da Ibitipoca, Serra do Salitre, Serro e Triângulo Mineiro. Essas regiões produzem no campo o mesmo tipo de queijo, com a mesma receita, mas com identidades próprias e com seus “saberes” culturais e característicos, segundo estudos do IMA (Instituto Mineiro de Agropecuária). Com as instruções normativas dos últimos anos, esses queijos vêm ganhando arcabouço sanitário como produtos para serem comercializados além do próprio local de produção.
O que é o projeto do queijo artesanal
O Centro de Referência do Queijo Artesanal – MG vai funcionar dentro do Armazém 356, primeiro shopping do estado com conceito ‘lifestyle’, localizado em meio a condomínios de luxo da capital mineira, um projeto de cerca de R$ 120 milhões com previsão de uma centena de lojas abertas no segundo semestre deste ano. Mas, como as instalações do shopping já estão prontas, o centro está se adiantando e inicia suas atividades no dia 27 de março, com abertura ao público a partir de 10 de abril. São 750 m² de área cedida em comodato por 20 anos. Olhando para trás, é quase o mesmo tempo que Rocha almeja o que agora ocorre.
Em 2001, ela se graduou pela Fundação Torino, na Itália, uma escola internacional de formação gerencial. Em 2009, tornou-se mestre pela Università degli Studi di Torino, onde está o ITCILO (Centro Internazionale di Formazione), criado em 1964 pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) e pelo governo daquele país. Lá atrás, a tese de graduação de Rocha foi justamente a construção de uma instituição nos moldes da que agora se torna realidade. Nesse meio tempo, passou pelo Senac, Sebrae, governo do estado, comitê olímpico de 2016, até que em 2019 o projeto começou a sair do papel.
Mas a gênese de tudo está na mãe, a professora Carmen, como é chamada. “Minha mãe fundou o Inhac há 20 anos, depois dos 50 anos, quando já estava aposentada, uma instituição de ensino e cultura em culinária, com cursos e outras atividades”, diz Rocha. Inhac é a sigla para Instituto de Hospitalidade e Artes Culinárias.
Carmen é uma figura conhecida entre o público que acompanha os movimentos de direitos das mulheres. Passou 20 anos no Senai, nas estruturas de formação profissional, foi diretora nacional de qualificação profissional em Brasília, assumiu a subsecretaria de direitos humanos e a presidência do conselho estadual da mulher, entre outros cargos. “Minha mãe começou a trabalhar com 15 anos e trabalhou por 60 anos, sempre com formação profissional e com questões de violência contra mulher. E ela tinha muita vontade de montar uma escola profissionalizante de nível internacional”, diz Rocha. “Minha mãe é uma força da natureza.”
Um espaço dois em um para educação e cultura
O espaço do shopping está dividido em duas partes. Uma delas é justamente para o Inhac, a escola de gastronomia, que também vai formar jovens de instituições, vindos de situações de vulnerabilidade social, entre 15 e 18 anos. São 80 vagas que formarão profissionais em cursos de 960 horas, reconhecidos pelo Conselho Estadual de Educação, que vão da história dos queijos, à prática propriamente dita e até a gestão de negócios. Há, por exemplo, conteúdo sobre antropologia da alimentação.
A escola é assinada pelo chef Leonardo Paixão, dono de um dos restaurantes mais glamourosos de Belo Horizonte, o Glouton, entre outros empreendimentos. “A gente entende a cultura como uma ferramenta de promoção do estado e nosso objetivo é que jovens não se tornem somente grandes cozinheiros, mas embaixadores culturais de Minas Gerais. A técnica pode ser clássica, como das escolas francesas e italianas, mas a tarefa é aplicar a excelência técnica no desenvolvimento da nossa cozinha”, diz Rocha.
O projeto vem sendo bancado por 20 empresas, por meio da lei de incentivo à cultura, a lei Rouanet. Ela conta que a captação total, entre a Rouanet e doações, foi de R$ 6,5 milhões para implantar o projeto e é o gasto anual previsto. Mas isso não bastou para que os donos do shopping validassem o comodato de duas décadas do espaço. Rocha conta que, embora a lei de incentivo esteja na sua sustentação atual, há um plano de negócios pronto para funcionar, em caso de necessidade de recursos financeiros.
Por ora, estão no projeto 20 empresas, entre elas Gerdau, Aperam, Cedro Mineração, Instituto Unimed, Claro, Cemig, Copasa, Ventana Serra e EPO, além de apoios como a Anglo Gold Ashanti, Grupo Sada e SDS Siderurgia. “A história começou, de fato, quando a gente apresentou o projeto há cerca de quatro anos e as empresas acreditaram”, afirma ela. “É uma parceria diferente, porque, em um show ou uma peça de teatro, a visibilidade é uma ação pontual. Com o centro, nossa tarefa foi mostrar que ele não é uma aventura e por isso precisamos construir uma relação para que acreditassem na sua viabilidade.”
Além da escola, o Inhac, parte do espaço que cabe ao centro do queijo artesanal, propriamente dito, conta com uma exposição de longa permanência, mas também pode ter eventos temporários, possui a primeira biblioteca do estado dedicada à gastronomia e um espaço para que os produtores de queijos artesanais vendam seus produtos. “O queijo é patrimônio material e isso permitiu que a gente tivesse ações mais amplas”, diz Rocha.
Minas Gerais possui cerca de 30 mil famílias nas quais o queijo entra como renda e ocupação, com cerca de 85 mil toneladas de queijo produzidas por ano. Para ajudar na tarefa da escolha dos produtores que ocuparão os espaços de venda por determinado tempo, há uma parceria com a Amiqueijo (Associação Mineira dos Produtores de Queijo Artesanal), entidade que reúne nove associações regionais com cerca de 200 produtores. A ideia é colocar quatro produtores por vez nos espaços de venda.
Ao lado dos queijos, todos com alguma certificação, estarão produtores de azeite, café, cachaça, vinhos, porco na lata, doces e artesanato. As primeiras artesãs com produtos no local são as mestras do Vale do Jequitinhonha. “O queijo representa, de um lado a tradição e de outro a inovação em Minas Gerais”, diz Rocha. “Tradição, porque o queijo é nossa forma de bem receber, das nossas famílias, território e gastronomia. Mas também é inovação porque esses produtores de hoje estão indo mundo afora ganhar medalhas. No ano passado, foram 44 medalhas. As novas gerações estão investindo na produção e desenvolvendo um mercado que não é só do queijo e que acaba abrindo mercado para uma série de outros produtos artesanais de excelência.”
Ela conta que já viu muitas experiências interessantes que a inspiraram e que uma das mais recentes foi justamente o Museu do Pão, de Portugal. “O que eles fazem é agregar experiências, as lojas são sempre muito bonitas e agradáveis, dão informações sobre os produtos, contam com orgulho os detalhes e o quanto representam culturalmente.” No caso do Museu do Pão, que fica a cerca de 300 km ao norte de Lisboa, ele é uma das maiores referências da museologia daquele país e o maior complexo dedicado ao tema em todo o mundo. Rocha tem certeza que o seu centro de referência poderá fazer o mesmo pelo queijo artesanal de Minas Gerais.
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