Oito da noite. Era esse o horário que minha mãe me obrigava a ir para a cama quando eu tinha meus 7 anos. Eu não gostava nada de ter um limite tão claro e uma rotina difícil de escapar. A hora de dormir interrompia uma brincadeira, um programa de TV ou algum plano mirabolante que eu tinha urgência em colocar em prática. Mas não havia acordo. Por mais que eu me empenhasse com argumentos criativos, era raro conseguir convencer minha mãe a abrir uma exceção.
Eu demorei um pouco — mas não muito — para entender o valor do conceito que havia por trás daquele comando diário: a disciplina. Passei a infância, a adolescência e o início da vida adulta resistindo a essa ideia. Queria me sentir livre. Mas só quando me entreguei à disciplina, vislumbrei o caminho para a tão desejada liberdade (sim, Renato Russo tinha razão).
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Hoje, adoro rotina, cultivo a disciplina no trabalho e na vida pessoal e a encaro de maneira leve, sem o peso da rigidez que muitas vezes associamos à palavra. Apesar dos altos e baixos que povoam a vida macro e micro de todos nós, sinto que a disciplina me dá algo como uma estabilidade interna, uma consistência, que me mantém firme e norteada nos momentos de euforia ou naqueles mais adversos.
Por isso, compartilho a seguir os principais pontos de sustentação da disciplina para mim.
1. O mais difícil é não desistir dela. Quem, como eu, não nasceu com a disciplina como traço de personalidade, provavelmente vai percorrer um tortuoso caminho para construir esse modo de viver. E vai falhar muitas e muitas vezes. Aprendi, nesse processo, que o mais importante é não desistir só porque saiu da linha. Comprometeu-se a acordar determinado horário e não acordou, amanhã você terá uma nova chance. Cair é parte esperada dessa construção. Mas levante e comece de novo.
2. Planeje — e reveja o plano. Se recorrentemente não consegue cumprir o que se propõe, reveja o plano. Para criar e cultivar novos hábitos, é fundamental dedicar um tempo ao planejamento. À antecipação do que pode ser antecipado. Não funcionou? Reveja o plano com base na experiência e, se for o caso, ajuste-o. Nem sempre o plano ideal é aquele que vai funcionar na prática. E se não funcionar, ele não estará cumprindo seu papel. Então, não há nada de errado em migrar do ideal para o realista e partir para a ação.
3. Como regra, siga o plano — não barganhe. Sabe aquela vontade de ficar na cama em vez de levantar na hora determinada para fazer o que precisa ser feito? Ou a permissão que você nem percebe que se dá para ignorar um assunto que, no fundo, sabe que precisa encarar? Quando ceder a esses comportamentos vira regra, nos tornamos aquelas pessoas que falam e todos ao redor já sabem que não podem confiar. Que dá desculpas recorrentemente em vez de resolver os problemas. E quem mais se prejudica com esse comportamento é a própria pessoa, que vai deixando de ser confiável para si mesma. Honre os pequenos e grandes compromissos — acima de tudo, por você. Se não vai fazer, nem se comprometa. Responda com objetividade e clareza aquilo que não lhe interessa. Elimine as nebulosidades e pontas soltas da vida e veja tudo fluir de maneira mais encaixada, suave, com ritmo.
4. Não transforme disciplina em rigidez. Disciplina é amor, e não chibata — aprendi com o yoga. Ser alguém comprometido (e, consequentemente, confiável) deve nascer de um impulso positivo — e não impositivo. Você escolhe fazer aquilo que sabe ser o melhor a ser feito (mesmo que não seja o mais prazeroso no curto prazo) porque quer, porque tem um objetivo, porque isso lhe faz bem. Com o tempo e a repetição, essa atitude tende a trazer bom-humor, leveza, alegria. Afinal, você anda em dia com a vida, e não devendo para si mesmo.
5. Assuma desafios possíveis. Não há disciplina sustentável diante de objetivos megalomaníacos. Lembre-se que tudo é construção. Para correr uma maratona, você começa com treinos curtos, ajustados à sua capacidade, e vai aumentando de acordo com seu progresso e preparo. O mesmo vale para qualquer atividade que exija disciplina. Os planos servem para indicar a direção. E os objetivos do dia a dia nos ajudam a encarar diferentes etapas do caminho. Calibre seus desafios a cada momento. Planeje, teste, avalie. Procure sempre o ponto ótimo entre o melhor que você sente que pode fazer e o limite do esforço possível.
Com o tempo, a disciplina se torna a base da vida. Então, é possível desenvolver a flexibilidade de maneira mais madura, sem barganhas nem grandes desvios, mas com atenção às necessidades de cada momento. Afinal, o objetivo maior da disciplina é, de fato, a liberdade.
Ariane Abdallah é jornalista, autora do livro “De um gole só – a história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo” e fundadora do Atelier de Conteúdo, empresa especializada na produção de livros, artigos e estudos de cultura organizacional.
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