Tive uma conversa tão interessante com um cliente que resolvi dedicar esta coluna ao produto de tal encontro. Falávamos de uma possível sucessão da cadeira de presidente da empresa – hoje de controle familiar e administrada pelo dono – para um CEO executivo de mercado.
Ao se referir ao executivo de mercado, o controlador usou o termo: “CEO puro-sangue”. Inicialmente, entendi que um CEO puro-sangue, ou puro de origem, seria um membro da família. Depois de um tempo, vimos que precisávamos alinhar os termos, e a conversa fluiu muito bem.
Grande produto dessa conversa foi a reflexão de que existem pontos muitos fortes no executivo familiar, e que isso tem que ser reconhecido.
No ambiente das empresas familiares, o CEO e acionista controlador/dono/fundador constrói sua modelagem de atuação como líder de uma forma muito particular e recorrente.
Digo que existem alguns ingredientes muito fortes desse papel e que devem ser claramente reconhecidos por serem fundamentais para a compressão desse “Family chief executive officer”.
Destacarei pontos muito significativos aos negócios.
O primeiro ponto é a autonomia. O nível de liberdade na tomada de decisão de um presidente de empresa familiar costuma ser muito maior do que o de um CEO executivo de mercado. Existe a brincadeira recorrente de dizer: “nunca tive um chefe”.
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Possuir autonomia tem grandes vantagens, porém, significa que as consequências de suas decisões virão com muito mais impacto direto na vida desse profissional e em seu patrimônio, quase sempre atrelado ao seu negócio.
O segundo ponto, e não menos importante, é a cultura. A liderança de um dono construirá, a cada decisão, a cada posicionamento, a cada mensagem, um parâmetro a ser seguido. Os valores praticados serão replicados pelos demais líderes como forma de buscar aprovação e adequação à cultura vigente.
Costumo brincar que tudo que é feito pelo dono cria “jurisprudência”, termo jurídico que significa o conjunto das decisões, aplicações e interpretações das leis que vão sendo reiteradas nos tribunais.
Isso é tão sério que mesmo comportamentos dos donos serão repetidos. Na minha passagem pelo Grupo Pão de Açúcar, na época da gestão direta de Abilio Diniz, tive a oportunidade de fazer um estudo que demonstrava que 80% dos funcionários tinham uma busca por maior qualidade de vida e aproximação aos esportes praticados pelo líder, reconhecido pela vida em equilíbrio.
Vou sublinhar mais um ponto bem significativo: a visão de longo prazo. A visão de curto, médio e longo prazo são muito mais bem desenhadas em empresas de “dono”. Existe uma intenção de legado, de perenização das organizações.
A mensuração de resultados não é apenas o ROI: existem outros indicadores na gestão, e os investimentos em recursos de longo prazo são considerados dentro de uma perspectiva bem mais sólida.
Agora, após essas três características apontadas, frente a muitas outras boas referências que trago de gestão familiar, você diria que o termo CEO puro-sangue se aplica a quem: a um CEO familiar ou a um CEO executivo de mercado? Vale a reflexão.
Flávia Camanho é Conselheira, mentora e coach. Especialista em desenvolvimento humano e governança familiar, fundadora do Flux Institute e professora convidada do IBGC para programas de governança e Next G.
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Coluna publicada na edição 104, de dezembro de 2022.
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