Salto, no Uruguai, é uma cidadezinha no noroeste do país vizinho, na fronteira com a Argentina, que tem avançado como polo de produção de cannabis medicinal por causa do clima e da localização geográfica. Além de ser tradicional no cultivo da erva. No dia 2 de janeiro deste ano, a cidade completou 222 anos da primeira autorização para o plantio de cannabis.
Foi na localidade de Colonia Garibaldi, em Salto, à beira da Ruta 3, que o brasileiro Edinaldo Pereira dos Santos, 45 anos, arrendou 127 hectares de terras em 2021. A propriedade tem plantações de frutas, como mirtilo e pêssego, e oliveiras, na maior parte de sua área, mas que ele começou, também, a produção de cannabis medicinal em dois hectares. No entanto, em vez de produzir a erva para medicamento humano, Santos quer produzir cannabis para uso veterinário.
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“A cannabis é uma planta que gosta de sol e em Salto, no verão a média é de 12 a 14 horas, com picos de até 16 horas de sol”. Como o ciclo da erva leva três meses, ele já começou a colher em estufas controladas, para a produção de CBD, o canabidiol, e em área aberta o cânhamo industrial. Em 2022, ele colheu 4.700 kg de flores para o processamento de extração dos princípios ativos, que é terceirizado. “A princípio, estou produzindo para os estudos porque acredito que o uso veterinário é possível, principalmente na criação de aves e suínos.”
Santos já iniciou conversas com pesquisadores da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), na unidade Suínos e Aves, em Concórdia (SP), e aguarda que avanços levem a uma parceria de pesquisa. Ele acredita que o canabidiol possa ser utilizado na medicina veterinária, substituindo alguns medicamentos, como os antibióticos. No final da semana passada, Santos apresentou à Embrapa um plano de trabalho para a validação do uso de CDB, primeiramente em aves, e posteriormente em suínos. E espera uma resposta.
“Os ensaios, os estudo clínicos, são para aves adultas, e somente depois as de posturas e pintinhos”, diz Santos. A parceria, na qual entra a Bio-Sano, empresa de Santos com sede em Toledo (PR), é para estudos de campo, pesquisa, validação e registro junto aos órgãos reguladores. No mundo, o uso veterinário do canabidiol em países já liberados, como os EUA, tem foco no mercado pet, embora a erva possa ser usado em animais de produção. Esse mercado global de canabidiol veterinário é estimado pela consultoria Grand View Research, com sede em São Francisco, Califórnia, em US$ 4,8 bilhões, por ano, até 2028.
No Brasil, desde 2021, está em curso o Projeto de Lei (PL) nº 369/2021, na Câmara dos Deputados e com contribuições do CFMV (Conselho Federal de Medicina Veterinária), de regras que regulamenta o uso veterinário de remédios derivados da cannabis sativa e incentiva pesquisas, estudos e a comercialização, no mercado brasileiro. Por enquanto, as leis locais sobre a cannabis permitem somente o uso medicinal humano.
Como Santos chegou na cannabis veterinária
A história de Santos, até chegar na cannabis para uso veterinário, faz parte de sua vontade de empreender. Lá no início de sua vida profissional, ele estava bem longe do agro. Formado em eletromecânica por uma escola técnica, Santos começou trabalhando em telefonia. “Mas não conseguia acompanhar as mudanças de tecnologia, que eram muito rápidas e de intensa atualização”, diz ele, que daí passou a vender cosméticos e depois produtos veterinários no final do anos 1980, início de 1990.
“Vendia produtos para gado leiteiro e ovinos na região Oeste Catarinense e Rio Grande do Sul”, diz ele. “Foi aí que comecei a ver que os produtores estavam sempre preocupados com produtos que não deixassem resíduos no leite e que, por isso, seriam bem-vindos outros tipos de medicamentos .”
Santos conta que foi visitando fazendas no Rio Grande do Sul que conheceu o neem em uma delas, uma árvore de origem asiática introduzida como fitoterápico no Brasil no início dos anos 1990. O neem, triturado de folhas em pó ou seu óleo, é usado contra ectoparasitas em bovinos, como carrapatos e mosca do chifre. “A fazenda tinha um gado de muita saúde e leite de qualidade, e o dono dos animais atribuía ao neem a sanidade do rebanho”. Santos, então, começou a estudar a planta, o que ela era e como poderia fazer dela um negócio para ganhar dinheiro.
Como não tinha terras no Brasil, em 2010 ele foi plantar neen na região do Chaco, no Paraguai, em uma área que pertencia a uma cooperativa de produtores, vendendo a planta para os próprios. Vendeu neen, mas fez tudo errado, conta Santos, que só não foi preso porque os fazendeiros defenderam o que ele fazia.
Embora estivesse legalmente no país, o neen não tinha registro no país vizinho. Daí o bico de sinuca das autoridades locais: ou ele regularizava o uso da planta, ou estaria proibido de vender por lá. No Paraguai, Santos começou com folhas desidratadas, depois os frutos e por fim passou à extração do óleo. “O Paraguai tem terras boas, muito calor e as plantas se adaptaram muito bem. O solo é muito parecido com o Sudão, de onde vem o neen”, diz Santos.
Para permanecer, precisava registrar o produto no Senasa (Servicio Nacional de Saneamiento Ambiental), o equivalente ao Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) no Brasil. Santos começou vendendo para pequenos fazendeiros, mas no final já vendia para médias e grandes propriedades. “Cheguei a vender para fazendas com 70 mil animais”, diz ele. “Ganhei dinheiro no Paraguai, mas o processo de regularização era caro e complicado.”
Santos conta que chegou a procurar a Universidad San Carlos, que tem cursos de veterinária, agronomia, zootecnia, na capital Assunção, mas que não houve interesse pelo neen ser uma planta desconhecida no país. Então, em 2014 ele voltou ao Brasil, mas não desistiu do neen. Bateu à porta de várias universidades, até que foi ouvido na PUC (Pontifícia Universidade Católica), de Toledo (PR). Um dos professores, Tiago Frigotto, que atuava no Hospital Veterinário da PUC, topou ensaios clínicos com planta.
Entre 2016 e 17 de novembro do ano passado, foi o tempo que Santos levou para registrar e obter a licença de seus produtos à base de neen no Brasil, depois de abrir a empresa Bio-Sano. E foi o neen, também, que o levou ao universo da cannabis e ao aprendizado do que ele agora faz no Uruguai. Entre voltar ao Brasil e o registro do seu produto, Santos não ficou parado, participando de encontros, exposições e seminários. “Tudo que se relaciona a plantas me interessa”, diz ele. E foi em um desses eventos, em Montevidéu, no Uruguai, em 2018, que se deparou com a cannabis e os desafios de manter a erva fora do ataque de pragas.
Como o neen tem ação de inseticida natural, a planta também poderia ajudar a manter as sementes de cannabis longe do ataque de fungos. Ele viu aí um negócio. Há vários estudos nesse sentido. Em 2019, embarcou para a Colômbia, convidado por pesquisadores da Universidade Federal de Bogotá a levar o neen que preparava aqui no Brasil. Foi assim que Santos entrou, definitivamente, no mercado da cannabis. A partir do contato com empreendedores de cannabis que ele decidiu por expandir seu negócio, mas visando a veterinária. “O projeto de cannabis só foi para o Uruguai porque no Brasil entra apenas o princípio ativo isolado e ainda não podemos cultivar a erva”, diz Santos. “Mas tenho certeza que esse mercado de canabidiol para uso veterinário também vai ser grande aqui.” Seu próximo passo, diz ele, é procurar por fundos de investimento interessados no projeto.
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