Bíblia vai a leilão na Sotheby’s por valor estimado em US$ 50 milhões

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Sotheby’s/Divulgação

O Livro Codex Sassoon, por volta de 900 depois de Cristo

O renomado colecionador de achados hebraicos e judaicos do final do século 19 e início do século 20, David Solomon (Suleiman) Sassoon (um dos maiores bibliófolos da história), nascido em Bagdá em 1880, liderou uma busca pelo Oriente Médio para construir a biblioteca religiosa definitiva, cujos códices e incunábulos fornecem ao mundo uma visão crucial, em grande parte medieval, das origens das chamadas fés abraâmicas (religiões monoteístas), como o judaísmo, cristianismo e islamismo.

O “Ohel Dawid”, o catálogo de Sassoon de sua impressionante coleção, é o registro do trabalho de sua vida, e uma joia deste catálogo é o conhecido “Sassoon 1053”, ou mais comumente chamado de Sassoon Codex, um dos mais completos códigos hebraicos. Ou bíblias existentes. A Sotheby’s anunciou sua venda em leilão para maio. O Codex está sendo colocado sob o martelo pelo conhecido investidor suíço e produtor de cinema Jacqui (Jacob) Eli Safra (sobrinho do banqueiro libanês-brasileiro, Edmond Safra, que morreu em 1999), sob cuja propriedade o manuscrito foi formalmente certificado como originário do século X.

Daí a razão para que o Codex Sassoon entre no leilão Sotheby’s, em maio, com a maior estimativa de preço de qualquer livro ou manuscrito do mundo ofertado em remate até hoje (US$ 50 milhões ou R$ 258 milhões). O corolário disso também é crucial para o preço anunciado: é difícil estimar a dívida que os estudiosos da religião, o mundo literário, as bibliotecas, as universidades e os bibliófilos em geral devem a David Solomon Sassoon.

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Sassoon era descendente da proeminente família judia de Bagdá e neto homônimo do renomado empresário e comerciante de algodão do início do século 19, David Sassoon, de Bagdá e Mumbai. A coleção de David Solomon Sassoon foi formada, principalmente, no final do Oriente Médio vitoriano, passando pela Primeira Guerra Mundial.

O ponto é que Sassoon percebeu cedo que o registro medieval das antigas raízes e erudição do judaísmo, tanto nos códices quanto nos incunábulos, estava espalhado em comunidades judaicas no norte da África, Síria, Turquia, Iêmen e na comunidade judaica de Cochin, na Índia adotada por seu avô. Parte do tesouro estava bem guardado, mas uma grande parte dele corria grande risco de desaparecer.

A busca de Sassoon o levou longe: começando com sua própria coleção em Bagdá, passando por Marrocos, Turquia, Iêmen e Síria, ele conseguiu reunir, em 1915, cerca de quinhentos manuscritos. Em 1932, quando publicou o “Ohel Dawid”, a coleção mais do que dobrou, abrangendo cerca de 1.200 obras. Sassoon obteve a Bíblia Farhi, de Aleppo, na Síria, supostamente transcrita na França no final do século 14, e arrebatou o códice do Pentateuco de Damasco (de Damasco), em 1915.

Entre a coleção estava, também, uma cópia manuscrita do guia de Maimonides (principal representante intelectual pós judaísmo medieval), muito espirituosamente intitulado “Guia para os Perplexos”, no qual ele faz sua famosa reconciliação da filosofia aristotélica com a teologia judaica antiga. Sassoon adquiriu seu “Guia para os Perplexos” no Iêmen, mas foi copiado à mão na Espanha em 1397.

Sassoon morreu em Islington, Londres, em 1942, na época em que os fundos offshore entraram em voga, como agora ao desfrutarem do status de meios fiscais. Para liquidar os impostos imobiliários britânicos, parte da agora renomada coleção começou a ser leiloada e/ou doada a instituições britânicas entre 1975 e meados da década de 1990, e foi assim que a Biblioteca Britânica adquiriu seu pedaço de manuscritos Sassoon, sendo que o Jewish National and University Biblioteca, em Jerusalém tem o Pentateuco de Damasco.

Foi durante esses 20 anos de leilões no final do século 20 – invariavelmente na Sotheby’s – que o Sassoon Codex entrou em circulação e, surpreendentemente, não foi arrematado por uma instituição acadêmica ou de pesquisa. A Universidade de Toronto detém as peças do acervo que não foram leiloadas pela família nesse período.

Jacqui Safra tem sido um bom guardião do Codex por muitos anos, e é sob seus auspícios que a data de sua criação no século X foi cientificamente confirmada. A chave para a extrema raridade e valor histórico do manuscrito – formando o pedestal para sua estimativa de leilão estratosférico e preço de martelo presumido em maio – está em sua integridade.

Com seus 24 “livros” agregados em três seções – o Pentateuco, os Profetas e os Escritos – o Sassoon Codex é a coisa mais próxima que temos em forma de livro do que é coloquialmente conhecido como Antigo Testamento, cujos 39 “livros” também formam o fundamento do ensino cristão. Muitas das histórias antigas que cercam o personagem de Abraão também são encontradas nos textos do Islã primitivo, o que torna este grande volume ainda mais uma grande atração.

Fora da vista do público nos últimos 40 anos, a Sotheby’s iniciará a turnê de exibição global do Codex em Londres, nesta quarta (22), onde ficará em exibição por seis dias. Depois disso, ele será levado para o Museu ANU do Povo Judeu, em Tel Aviv, e depois será exibido nos Estados Unidos, com paradas em Dallas, Los Angeles e Nova York, antes do leilão.

A Sotheby’s o colocará sob o martelo em 16 de maio. As chances são muito baixas de que ele atinja ou exceda sua estimativa astronômica, o que significa que podemos esperar que ele vá para uma instituição, para que se torne mais acessível do foi nas últimas quatro décadas. Globalmente falando, bibliófilos, museus e instituições de pesquisa aguardarão com a respiração suspensa a queda do martelo que pode quebrar um recorde.

Guy Martin é escritor e passa a maior parte do tempo na Europa. Atualmente, a partir de Berlim, se dedica a escrever um livro para Alfred A. Knopf Publishers sobre a Guerra Fria em Berlim Oriental. Texto publicado originalmente na Forbes EUA. Tradução: V.Ondei.

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