Morreu nesta quarta-feira (15) José Maria Ramis Melquizo, autor e co-autor estilístico de alguns dos mais icônicos carros genuinamente nacionais, entre eles o Itamaraty Executivo, a única limusine nacional e uma das poucas no mundo originais de fábrica. De acordo com José Vignoli, colecionador e amigo do designer espanhol, Ramis morreu de causas naturais, dormindo, aos 84 anos.
Antes da carreira automotiva, Ramis teve uma trajetória profissional que pode ser considerada, no mínimo, eclética.
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Aos 19 anos foi estudar anatomia na Escola de Medicina e virou fotógrafo de procedimentos médicos. Íntimo da câmera e do corpo humano, foi convidado por antropólogos suíços para documentar uma expedição no Xingu.
Dali pulou para a TV Tupi ser cenógrafo, o que o levou à cenografia da Companhia Vera Cruz (baluarte das produções audiovisuais nos anos 1950). Também consta em seu currículo diretor de arte de agências de publicidade.
Uma vida que daria um livro rendeu raras páginas nos jornais. Uma delas foi na edição de 12 de maio de 1964 da Folha de S. Paulo, quando Ramis conquistou o “Concurso Presidente”, promovido pela Indústria Brasileira de Automóveis Presidente (IBAP). Da gincana sairia a versão sedã do Democrata, cuja missão era ser o primeiro carro totalmente projetado e construído em larga escala no Brasil, o que nunca chegou a ser – consta que existem hoje apenas duas unidades montadas.
No Salão do Automóvel do mesmo ano, a Willys Overland do Brasil apresentava o Capeta, esportivo que se colocaria acima do Interlagos. Projetado pelo conterrâneo Rigoberto Soler, teve os traços finais de Ramis.
Contudo, criação mais notória do espanhol foi o Willys Itamaraty Executivo, a única limusine nacional e uma das poucas no mundo originais de fábrica. Já era chefe de estilo da marca, supervisionando o trabalho de outros gênios da indústria automotiva, como Márcio Piancastelli, amplamente reconhecido como autor das linhas do Volkswagen Brasília.
E talvez venha daí tal anonimato: Ramis foi autor ou co-autor de carros ora perdidos na história, ora raros: da limusine construíram 25 unidades, quase sempre destinadas a órgãos governamentais; o Capeta nunca foi adiante, tendo restado dele apenas o protótipo, hoje esquecido em um museu de portas fechadas em Brasília; e o sedã da IBAP – como ela própria – também ficou apenas nos planos de seus idealizadores.
De acordo com Vignoli, autor do livro Aero-Willys: o carro que marcou época (Editora Alaúde, 2011), Ramis ainda desenhou um trator para a empresa Valmet, um buggy e em algum nível se envolveu com o projeto do Brasinca Uirapuru. “O tempo foi passando e só essas reportagens esparsas conservavam sua história. O próprio livro sobre o Aero-Willys tem apenas uma menção. Do desenho da limusine nem uma palavra, pois isso só veio ao meu conhecimento muitos anos depois por recorte de jornal enviado por um amigo. A partir daí iniciamos uma verdadeira caçada para encontrá-lo, e não foi nada fácil”, explica.
Contrariando o destino da maioria dos desenhistas automotivos, Ramis não fincou sua carreira ali. Em 1972 foi contratado para o departamento de criação da Embraer, de quem o espanhol já era próximo: o logo da fabricante de aviões fundada em 1969 é dele. E o interior do modelo Bandeirante também.
Escultor de tantos automóveis, Ramis viveu seu pior revés dentro de um deles: em 1985, um acidente na Rodovia Dutra o debilitou severamente. Abandonou as pranchetas, mas não arte. Se converteu em artista plástico e, sem movimentos na mão direita, passou a pintar com a esquerda.
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