Como aluna de escolas públicas de Chicago em 1980, Mellody Hobson tinha vergonha do dente torto que se projetava quando ela sorria. Simplesmente não se encaixava no futuro que ela imaginava para si mesma.
Ela perguntou aos amigos que usavam aparelho nos dentes o nome do seu ortodontista e, sem que sua mãe soubesse, marcou uma consulta, caminhando da escola para o consultório. Ele disse que ela teria que usar aparelho durante anos e que custaria US$ 2.500 (R$ 12.756) – uma quantia de dinheiro monumental para sua mãe, que estava criando ela e seus cinco irmãos em uma casa onde o dinheiro era tão escasso que a eletricidade era cortada periodicamente por causa de contas não pagas. Mas não importava. Aquele dente ia ser consertado: Hobson e o ortodontista concordaram com um plano de pagamento de cerca de US$ 50 (R$ 255) por mês.
Na oitava série, determinada a ir para uma das melhores escolas particulares de ensino médio de Chicago, ela perguntou aos amigos onde eles estavam se candidatando, ligou para as escolas e combinou de visitá-las com sua mãe, e acabou conseguindo uma bolsa de estudos.
Um projeto para criar oportunidades
Em 2020, em meio aos protestos do caso George Floyd em todo o país, o CEO do JPMorgan Chase, Jamie Dimon, queria ajudar empreendedores negros. Ele ligou para Hobson, então membro do conselho do JPMorgan, na esperança de aproveitar essa mesma força de vontade. “Eu disse: ‘Precisamos de um esforço de investimento sustentável – com fins lucrativos – para investir em empresas minoritárias’ ”, lembra Dimon. Ele disse a ela que queria o envolvimento da Ariel Investments, onde Hobson é co-CEO e presidente, e depois listou outras empresas pertencentes a minorias como parceiros em potencial.
A ideia era esta: a Ariel formaria um fundo de private equity para investir em empresas de médio porte e fornecer capital – e, mais importante, contatos – necessário para vender para grandes corporações que queriam diversificar suas cadeias de suprimentos. Dimon concordou na hora. “Quando as pessoas falam sobre empresas fundadas por pessoas negras, elas falam sobre acesso ao capital”, diz Hobson. “Mas acesso a clientes pode ser mais importante.”
Atualmente, apenas 2% dos gastos corporativos vão para fornecedores pertencentes a grupos minorizados.
Há outro aspecto importante nessa estratégia. Empresários negros abrem muitos negócios, mas poucos crescem o suficiente para se tornarem fornecedores das grandes empresas do mundo. Das 500 ou mais empresas privadas nos EUA com mais de US$ 1 bilhão (R$ 5,10 bilhões) por ano em vendas, apenas cinco têm pessoas negras como proprietários.
O Projeto Black visa ultrapassar essa barreira adquirindo empresas com vendas de US$ 100 milhões (R$ 510 milhões) a US$ 1 bilhão (R$ 5,10 bilhões) e, se ainda não forem administradas por uma minoria, instalando executivos negros e latinos para gerenciá-las. Essas empresas devem, então, estar bem posicionadas para adquirir companhias menores pertencentes a minorias sub-representadas e crescer em posições competitivas – satisfazendo as necessidades da cadeia de suprimentos e as metas de diversidade das grandes empresas ao mesmo tempo.
Em 1º de fevereiro, a Ariel fechou seu primeiro fundo do Projeto Black com US$ 1,45 bilhão (R$ 7,39 bilhões) em compromissos com empresas como Merck, Salesforce, Walmart, entre outras, e do ex-CEO da Microsoft Steve Ballmer, que investiu US$ 200 milhões (R$ 1 bilhão). Isso além dos US$ 200 milhões (R$ 1 bilhão) do JPMorgan em 2021 para dar o pontapé inicial.
Esses US$ 1,45 bilhão (R$ 7,39 bilhões) são mais de cinco vezes o tamanho médio do fundo de private equity inicial e trazem ativos sob gestão da Ariel, incluindo seus fundos e contas gerenciadas separadamente, acima de US$ 16 bilhões (R$ 81,63 bilhões).
A Forbes calcula uma participação de quase 40% de Hobson no que é o mais antigo negócio de investimento fundado por um negro do país, em 1983. O negócio vale US$ 100 milhões (R$ 510 milhões). John W. Rogers Jr., o fundador, presidente e co-CEO, possui 34%.
A mulher mais bem relacionada de Wall Street
A ascensão de Hobson na Ariel foi tudo menos lenta. O fundador Rogers a contratou assim que ela saiu de Princeton e a avisou, quando ela tinha apenas 25 anos, que planejava torná-la presidente quando ela tivesse 30 anos. “Sempre que você tem uma estrela, quer que ela veja uma carreira”, diz Rogers, que viu Hobson como uma promessa quando ela estava no último ano do ensino médio e ele estava recrutando estudantes de Chicago para Princeton.
Ela era a mais nova dos seis filhos de Dorothy Ashley – seu irmão mais velho é mais de duas décadas mais velho que ela. A infância de Hobson foi marcada por vários despejos e desligamentos de serviços públicos.“Me sentia extremamente insegura”, diz Hobson, que se tornou uma poderosa defensora da educação financeira. “Acabei sabendo muito mais sobre a vida do que qualquer criança deveria saber. Eu sabia quanto era o nosso aluguel, sabia quando nossa conta de telefone estava atrasada.”
Hobson foi aceita em Harvard e Princeton e estava em Harvard até comparecer a um jantar de recrutamento em Princeton. O investidor de risco Richard Missner sentou-se ao lado dela e declarou que pretendia mudar sua escolha de faculdade e sua vida. Ele começou a ligar para ela todos os dias, convidando Hobson para um café da manhã com um de seus colegas de classe de Princeton – o então senador americano e ex-astro do New York Knicks, Bill Bradley –, sentando-a ao lado do convidado de honra.
“Mellody me impressionou profundamente”, diz Bradley. “Ela está onde está hoje por causa dos valores, sua incrível disciplina e um nível de energia positiva que faz as pessoas quererem estar perto dela.” Hobson escolheu Princeton, e uma amizade duradoura nasceu.
Quando Bradley concorreu à indicação presidencial em 2000, Hobson foi uma arrecadadora de fundos, impressionando outro apoiador de Bradley: o bilionário do Starbucks Howard Schultz. Hobson ingressou no conselho da Starbucks em 2005 e tornou-se presidente não-executiva em 2021, sendo a única mulher negra atualmente à frente de um conselho de uma empresa do S&P 500, índice das maiores empresas dos EUA.
“A forma como ela se comporta está impregnada de inteligência emocional”, diz Schultz. “Mellody está sempre presente. Ela não faz pose. Ela se sente tão à vontade com um barista quanto com qualquer pessoa importante que você possa mencionar.”
Schultz apresentou Hobson ao CEO da DreamWorks Animation, Jeffrey Katzenberg, que por sua vez a recrutou para seu conselho. Hobson tornou-se presidente do conselho da DreamWorks em 2012 e em 2016 negociou sua venda por US$ 3,8 bilhões (R$ 19,38 bilhões) – um prêmio de 50% sobre o preço das ações antes que as negociações se tornassem públicas – com o CEO da Comcast, Brian Roberts, um negociador famoso por sua dureza. “Ela nunca havia comprado ou vendido uma empresa antes, mas você pensaria que ela fez isso a vida toda”, diz Katzenberg.
Casamento com o produtor George Lucas
Ela conheceu o criador de “Star Wars” George Lucas em uma conferência de negócios em Aspen, no Colorado, em 2006. Em seu primeiro encontro, falaram sobre seu compromisso de promover acesso educacional. Quando ela se casou com o produtor bilionário em 2013, na Califórnia, Bradley a levou até o altar.
É um padrão para toda a vida: um amigo ou parceiro de negócios fica impressionado com Hobson e a apresenta a outro, que repete o processo. Ela conheceu o campeão da Fórmula 1, Lewis Hamilton, em 2007, por meio de Lucas, um entusiasta das corridas. Ela agora chama o piloto britânico de “irmão mais novo” e o incluiu no novo grupo de propriedade do Denver Broncos (Hobson possui 5,5%), liderado pelo bilionário herdeiro do Walmart, Rob Walton.
A ex-COO da Meta, Sheryl Sandberg, e Hobson se uniram quando ambas eram conselheiras do Starbucks. Hobson esteve ao lado dela, diz Sandberg, quando seu marido morreu repentinamente de um problema cardíaco em 2015. A grande tenista Serena Williams conheceu Hobson por meio de uma amiga em comum, a cantora vencedora do Grammy Alicia Keys. “Nós nos demos totalmente bem. Admirei o que ela estava falando”, diz Williams. “Agora, é tão engraçado. Não me lembro de nada do que ela disse – só me lembro de estar totalmente apaixonada pela forma como ela falava com autoridade. Para mim, é sempre tão emocionante ver alguém como ela, naquela posição, tão confiante em ter aquela calma quando entra em uma sala.”
100 mil empregos
O projeto Black fez seu primeiro investimento no ano passado, adquirindo 52,5% de uma empresa por um valor de US$ 1,3 bilhão (R$ 6,63 bilhões). A empresa de duas décadas, com US$ 837 milhões (R$ 4,2 bilhões) em vendas no ano encerrado em setembro de 2021, é líder em serviços para surdos e deficientes auditivos – fornecendo tudo, desde legendas de chamadas telefônicas até intérpretes de linguagem de sinais.
Em menos de 12 meses, a empresa passou de uma pessoa negra para 13 negros e latinos no C-Level e diretoria. Agora está adicionando serviços em espanhol e concordou em adquirir 70% da CQ Fluency, uma empresa construída por uma mulher que emigrou do Brasil. Com receita anual de US$ 45 milhões (R$ 229 milhões), a CQ fornece serviços de tradução para seguradoras de saúde, incluindo Cigna, Aetna e UnitedHealth Group.
Nos próximos três a cinco anos, o Projeto Black planeja comprar e expandir empresas de forma semelhante em seis a dez outras áreas onde vê espaço para crescimento, com base em suas conversas com empresas maiores. Está olhando para serviços financeiros e profissionais, assistência médica, tecnologia, manufatura e logística. “Não queremos ser fornecedores de serviços de zeladoria”, enfatiza Leslie Brun, CEO da Ariel Alternatives. “Queremos estar no centro da economia e fornecer serviços de valor agregado.”
Na próxima década, eles preveem, suas atividades levarão as empresas do S&P 500 a gastar US$ 8 bilhões (R$ 40,81 milhões) a US$ 10 bilhões (R$ 51 milhões) adicionais com fornecedores negros e latinos, criando 100 mil empregos para pessoas sub-representadas. Mas isso é apenas o começo. Algumas grandes corporações estão falando em aumentar as compras de fornecedores administrados por minorias dos atuais 2% para 10% ou até 15%. Isso pode se traduzir em uma oportunidade de trilhões de dólares. A tese, diz Steve Ballmer, é que “existe um mercado inexplorado” que “não apenas beneficiará a comunidade, mas também gerará grandes retornos para nós como investidores”.
Além dos números, isso é em parte um jogo projetado para combinar capital e pessoas – o que é, em essência, um dos superpoderes de Hobson. “Recebemos pessoas que vêm até nós e dizem: ‘Se você comprasse um negócio um dia, talvez eu pudesse administrá-lo’”. Ela contrasta isso com o que há muito ouve das grandes empresas. “Muitas vezes, especialmente nos EUA, eles dizem que não conseguem identificar talentos [sub-representados]”, diz Hobson. “Nós os vemos como amigos, como empreendedores e como líderes empresariais.”
O post A mulher negra mais influente de Wall Street apareceu primeiro em Forbes Brasil.