2023 será um ano desafiador para o varejo de alimentos e CPG (sigla em inglês para indústria de bens de consumo), mas o que mais há de novo? Quase 3 anos depois de uma ressaca induzida pela pandemia de Covid19, a indústria de alimentos continua passando por enormes mudanças, evoluções e correções.
Uma nação inflacionada
A inflação dos preços dos alimentos (CPI – Consumer Price Index) ainda está acima de 10%, a mais alta em décadas nos EUA. Em 2020, a Covid-19 paralisou vastas áreas da economia. O comércio então recomeçou com padrões de consumo radicalmente diferentes, que continuam até hoje.
Cadeias de suprimentos frágeis e just in time foram construídas para uma previsibilidade favorável ao financeiro e simplesmente não conseguiam lidar com a nova realidade. Os eventos climáticos extremos que afetam as colheitas, a gripe aviária causando o abate de aves e a invasão russa da Ucrânia se acumularam. A especulação desenfreada por ferrovias, transporte marítimo, fertilizantes, comércio de grãos, processamento de carne, manufatura e conglomerados de varejo contribuiu com mais de 50% dos aumentos de preços, ao mesmo tempo em que alinha as carteiras dos acionistas.
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O Federal Reserve elevou as taxas de juros 7 vezes em 2022 e prometeu aumentos adicionais em 2023, com base em suposições desatualizadas de que os trabalhadores norte-americanos têm muito poder aquisitivo e poupança. A pergunta é: você enfrentaria um incêndio florestal? A política monetária visa estabilizar os preços e os mercados de trabalho, mas, até agora, não há muita estabilidade, apenas várias consequências.
Onde está o dinheiro?
O que isso significa para as empresas emergentes de alimentos? O dinheiro continuará caro e os investidores hesitarão ainda mais em lançar recursos para a inovação alimentar. Nas eternas palavras de Wu-Tang Clan – que fariam Karl Marx corar de inveja materialista – “o dinheiro comanda tudo ao meu redor”.
Sobreviver a 2023 significa priorizar o fluxo de caixa e estancar o sangramento que, até recentemente, era incentivado pelos investidores em nome do crescimento rápido. O capital para o crescimento não será impossível de obter. Mas não será mais fácil, principalmente com mais capital “abutre” buscando carniça fresca e “rodadas para baixo” se tornando mais comuns no financiamento.
Os desafios com esta nova realidade são diversos. Mais aumentos de gastos comerciais serão implementados por grandes fabricantes que sofreram aumentos de preços e têm excesso de estoque por causa da menor demanda do consumidor. Os clientes estão comprando menos, após 18 meses de aumentos de custos repassados.
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O crescimento em dólar das vendas no varejo está superando o crescimento por venda unitária, que apresentou um ciclo negativo em muitas empresas. Os varejistas estão reagindo, pressionando mais as marcas próprias e exigindo taxas de alocação mais altas para obter mais receita dos fornecedores.
Pagar para jogar sempre beneficia economias de escala. E, apesar das mais de 80.000 vagas de emprego na indústria de alimentos nos EUA, as recentes demissões no Walmart, Pepsico, Misfits/Imperfect Foods, Motif Foodworks, Go Puff, DoorDash, General Mills, Coca-Cola, Beyond Meat e Impossible Foods sinalizam que uma “recessão de crescimento” já começou a afetar a indústria alimentícia.
Mas John Foraker, CEO da Once Upon A Farm e ex-CEO da Annie’s, está otimista em relação ao que pode ocorrer no ano. “Existem poucas evidências de que o interesse do consumidor por opções de alimentos mais limpos e saudáveis tenha diminuído significativamente no ano passado. Todos os varejistas com quem conversei em 2022 estão ávidos por inovação e novidade. Em suma, a demanda do consumidor por alimentos e bebidas premium, posicionados no bem-estar, continua muito forte, tanto online quanto no varejo, e os varejistas estão ávidos por isso”.
Roleta regulatória acionada
Apesar de o USDA (Departamento de Agricultura dos EUA) ser historicamente um servo do agronegócio, a escassez, as mortes e as doenças causadas pela Covid19 forçaram a agência a adotar uma abordagem mais diversificada e pluralista para os programas da indústria de alimentos.
O financiamento recente do USDA para biotecnologia, processamento de carne, transição para a agricultura orgânica e centros regionais de alimentos começará a impactar o mercado mais amplo. As partes interessadas começaram a conectar esses subsídios ao desenvolvimento do mercado, cadeias de suprimentos e P&D (pesquisa e desenvolvimento). E o USDA Farm Bill (lei das políticas agrícolas, revisada a cada cinco anos) está para aprovação em 2023.
Uma coalizão de defensores de alimentos, ONGs e empresas está pressionando por mudanças ambiciosas nas políticas agrícolas e alimentares. Isso inclui padrões de compra de alimentos saudáveis na aquisição federal desses alimentos, financiamento de agricultura regenerativa e programas ampliados de nutrição e assistência alimentar.
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A insegurança alimentar continuará desenfreada, a menos que medidas efetivas de combate à pobreza, como o Child Tax Credit (programa de redução de impostos para quem tem filhos até 17 anos), sejam renovadas. O CTC cortou a pobreza pela metade e reduziu a insegurança alimentar em mais de 25%. Em relação ao SNAP (Programa de Assistência Nutricional Suplementar, do inglês), 41 milhões de destinatários geram mais de 15% do total de vendas por meio de supermercados, quase 9 vezes o volume de todos os alimentos distribuídos pelos bancos de alimentos. Mesmo assim, o Escritório de Responsabilidade do Governo analisou recentemente os cálculos de financiamento do USDA SNAP como mais insignificante do que “econômicos”.
A agência FDA (Food and Drug Administration) estará sob um forte escrutínio, depois de lidar mal com uma crise nacional de fórmulas infantis. Foram expostas imensas questões organizacionais levadas pela agência. E as recentes decisões da FDA confundiram a indústria alimentícia. A FDA adotou uma abordagem dura para os consumíveis de CBD (canabidiol).
Enquanto isso, eles, aparentemente, estavam promovendo OGMs (Organismos Geneticamente Modificados, ou transgênicos), apesar de uma estrutura de rotulagem de “alimentos de bioengenharia” profundamente falha que isenta a maioria dos produtos que contêm OGMs. Várias partes interessadas da indústria de alimentos estão pedindo reformas, incluindo a fusão das responsabilidades de abastecimento de alimentos da FDA com o USDA.
Um Conselho Nacional de Relações Trabalhistas mais bem financiado e fortalecido significa que as empresas de alimentos devem se certificar de que estão familiarizadas e em conformidade com as leis trabalhistas. Enquanto os salários reais continuam a cair em relação à inflação, a recente onda de organização sindical galvanizou mais de 71% do público que apoia o trabalho organizado.
E por que não? Os sindicatos, consistentemente, significam melhores salários, condições de trabalho mais seguras e melhores benefícios. Embora menos de 8% dos funcionários do setor privado sejam sindicalizados, mais de 70% das iniciativas sindicais recentes foram bem-sucedidas. Os funcionários da Amazon, Trader Joe’s, Mom’s Organic Market e New Seasons ganharam votos de sindicalização, apesar das caras campanhas de evasão sindical para convencê-los do contrário.
As recentes vitórias contratuais de sindicatos, como UFCW (United Food and Commercial Workers International Union), BCTGM (Bakery, Confectionery, Tobacco Workers and Grain Millers International Union) e RWDSU (Retail, Wholesale and Department Store Union), resultaram em aumentos significativos de salários e benefícios que são inveja para o restante da indústria.
Ou as empresas de alimentos devem seguir o exemplo da Starbucks? A gigante do café demitiu 170 funcionários, fechou lojas e incorreu em 50 reclamações do NLRB (National Labor Relations Board) e mais de 1.000 registros de práticas trabalhistas injustas em uma tentativa brutal de impedir a sindicalização. Isso é um venti latte (considerada a mais confusa medida de copos da empresa) ou apenas uma vingança?
O foco renovado no bem-estar dos funcionários também é uma oportunidade para cumprir os compromissos ESG corporativos. As empresas podem apoiar os funcionários, renunciando a reuniões com público cativo, reconhecendo voluntariamente os sindicatos quando os funcionários escolhem essa opção e negociando de boa fé. Enquanto isso, os empregadores terão que aumentar a remuneração, benefícios e estratégias de retenção para mais de 8 milhões de trabalhadores, à medida que mais estados aumentaram os salários mínimos em 1º de janeiro.
E os trabalhadores da indústria de alimentos podem se beneficiar do financiamento autorizado pela Lei Bipartidária. Essa lei autoriza mais de US$ 50 milhões (R$ 255 milhões na cotação atual) para incentivar e apoiar parcerias de empreendimentos liderados por funcionários de empresas e trabalhadores. Esses empreendimentos normalmente significam melhor remuneração, benefícios, treinamento e retenção na indústria do alimento. Várias empresas de alimentos de alto perfil já são de propriedade de funcionários ou trabalhadores, incluindo Publix, Bob’s Red Mill, Equal Exchange e King Arthur Baking Company.
Tudo indica que a FTC (Federal Trade Commission) pode estar fazendo algum progresso na regulamentação de indústrias fortemente concentradas. Uma FTC mais forte pode ser útil para marcas emergentes e varejistas independentes. Não é fácil competir e negociar com empresas oligopolistas de carnes, lanches e bebidas que dominam as cadeias de suprimentos, o espaço nas prateleiras e o compartilhamento da carteira do cliente. Embora a fusão Kroger-Albertsons e o drama de dividendos de investidores de US$ 4 bilhões (R$ 20,4 bilhões) tenham atraído a maior atenção antitruste de supermercados, a aplicação das Leis Sherman e Robinson-Patman poderia refazer o varejo de alimentos e o cenário do CPG nos EUA.
Incessante batalha pela técnica
A ROC (Certificação Orgânica Regenerativa), que utiliza a certificação orgânica do USDA, continuará a emergir da briga de rubricas regenerativas. A ROC tem uma estrutura clara e forte apoio de colaboradores da indústria, incluindo varejistas e marcas. A ROC também está enraizada na certificação orgânica. Tem mais em comum com estruturas “orgânicas profundas” como a Demeter Biodynamic e a Real Organic Project, organismos de certificação, do que muitas das promessas de agricultura regenerativa corporativa.
A ROC vem construindo uma rede de produtores que fornecem uma entusiástica lista de marcas associadas com culturas e ingredientes agroecológicos e perenes. No entanto, o preço continuará sendo uma preocupação para os consumidores cansados da inflação, de modo que a penetração no mercado será limitada pela acessibilidade. E a falta de inclusão de trabalhadores da alimentação na governança e supervisão também pode limitar o potencial transformador.
A próxima geração de tecnologia de alimentos transgênicos, ou biologia sintética, também ganhará maior visibilidade no mercado. Isso inclui carne cultivada, que foi recentemente aprovada pelo FDA, bem como laticínios, óleos e proteínas microbianas (também conhecidas como “fermentação de precisão”), que são produzidas por microrganismos geneticamente modificados.
A administração Biden impulsionou o setor com uma Ordem Executiva que exige financiamento federal para P&D e entrada no mercado. As reivindicações ambientais relativas à agricultura industrializada atrairão os consumidores mais jovens, ecologicamente conscientes e conhecedores de tecnologia. No entanto, a corrida para o mercado ofuscou uma “corrida para a missão” e permanecem questões sobre propriedade, patentes, preços, escalabilidade, resíduos e riscos biológicos, incluindo as recentes divulgações públicas:
Os efeitos totais da implantação ou liberação de nossos organismos e materiais geneticamente modificados em ambientes não controlados podem ser desconhecidos… Tal implantação ou liberação… pode impactar o meio ambiente ou a comunidade em geral… Trabalhamos com materiais biológicos e químicos que podem ser perigosos para humanos, animais, ou saúde e segurança das plantas ou meio ambiente… Nossas operações produzem resíduos biológicos e perigosos.
E, finalmente, onde estão os alimentos processados à base de plantas? Embora a categoria continue a diminuir no curto prazo, à medida que os varejistas racionalizam sortimentos superestimados e de baixo desempenho, eles ainda têm um futuro brilhante. Fungos (ok, tecnicamente não são plantas), aveia, legumes e ingredientes adjacentes ajudarão a aumentar a popularidade da categoria e a participação no mercado.
Várias empresas estão desenvolvendo cadeias de valor muito transparentes e regenerativas com fazendas familiares para garantir o fornecimento de ingredientes e criar produtos melhores. Essa previsão pode catapultar essas marcas para a liderança da categoria e ajudar a fomentar um novo foco “climatário” ou “climavore” para empresas de alimentos.
Sim, 2023 promete ser mais um ano turbulento para a indústria alimentícia. Mas todo mundo tem de comer, e a maioria das pessoas depende do setor com fins lucrativos para obter a grande maioria de suas calorias. E considerando uma Câmara dos Deputados controlada pelos Republicanos (partido de pensamento político conservador ou liberal conservador), 2023, definitivamente, não será um ano chato no supermercado.
* Errol Schweizer é colaborador da Forbes EUA. Trabalha com varejo, CPG e política alimentar há 25 anos. Atua como membro de conselho, consultor e mentor de mais de 20 empresas.
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