Na semana passada, durante a Consumer Electronics Show, a Fiat inaugurou sua primeira loja no Metaverso, cuja missão é recriar a sensação de um showroom dentro de casa. Em pleno território das truculentas picapes e dos imensos jipões V8, o embaixador dessa polêmica plataforma virtual era a antítese “dimensional” e “energética” do que Detroit produziu por décadas: um pequenino Cinquecento elétrico – ali também para tentar, de novo, emplacar a marca italiana nos Estados Unidos.
Haja vista sua trajetória, não poderia ser outro o modelo a conduzir a transformação matricial da Fiat e desbravar qualquer território inexplorado. Para entender a estatura moral do Cinquecento – ou simplesmente 500 – é preciso reviver sua história.
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A Fiat cortejava modelos populares desde 1912, quando apresentou o Tipo Zero. Mas foi só em 1936 que se plantou de vez no território dos modelos urbanos com o 500, imediatamente apelidado de “Topolino”, alcunha do Mickey Mouse na Itália. A relação está numa suposta semelhança entre o rato e o formato do carro.
Menor automóvel do mundo com seus 3,2 metros de comprimento, transportava duas pessoas mais 50 quilos de bagagem. O motor, de 569 cm3 e quatro cilindros, gerava 13 cv e levava o pequeno Fiat até os 85 km/h. Era o bastante naqueles tempos, e ainda fazia 16 km/l. Economia era tudo, pois o 500 foi o primeiro automóvel de muita gente.
Era um carro moderno. O radiador ia atrás do motor, baixando e inclinando a frente e assim abandonando o estilo quadrado do antecessor Balilla; as janelas laterais, deslizantes, permitiam portas côncavas e ampliavam o espaço interno; os freios eram hidráulicos e a suspensão dianteira, independente; enquanto a maioria tinha câmbio de três marchas, o do Topolino era de quatro velocidades. O único luxo era um teto de lona que podia ser aberto.
Se despediu em janeiro de 1955, após mais de 500 mil unidades produzidas.
Lançado em 4 de julho de 1957 como substituto do 500 “Topolino”, o Nuova 500 consolidou o crescimento industrial da Itália e se associou à aceleração econômica do país no pós-guerra – tal como o Volkswagen Fusca na Alemanha e o Citroën 2CV e o Renault 4CV na França.
Contudo, levou um tempo até conquistar os italianos, relembra o Heritage, departamento de preservação histórica da marca: “o sucesso não foi imediato, talvez porque o 600 estava vendendo muito bem. Mas, alguns ajustes nos acessórios e na lista de preços estimularam as vendas deste utilitário urbano para todos”.
Também teve o engenheiro Dante Giacosa como mentor, mas era ainda menor, com 3 metros de comprimento. Como o Fusca, tinha motor traseiro refrigerado a ar, mas, no seu caso, um bicilíndrico de 479 cm3 e 13 cv. Os primeiros tinham portas do tipo “suicidas” (que se abrem no sentido contrário ao convencional).
Em 18 anos, foram 3.893.294 exemplares fabricados. Um deles foi parar no Museum of Modern Art, em Nova York, que justifica assim a presença do carrinho em seu acervo:
“O humilde Fiat 500 incorpora muitos dos princípios que orientaram o design moderno de meados do século: sua aparência expressa claramente sua função, o uso lógico e econômico dos materiais e tinha um preço modesto e, portanto, amplamente acessível. O desenvolvimento de carros baratos e confiáveis como esse no período do pós-guerra foi fundamental para unir as nações anteriormente díspares da Europa e promover a liberdade de movimento em todo o continente”, explica o MoMA.
Mais longevo dos 500 desta fase foi a peruinha Giardiniera, indo de 1960 a 1977, dois anos depois do hatch ser substituído pelo menos popular 126.
Subversivo e elétrico
Esse mesmo 126 passou o bastão para um novo Cinquecento. Que dos anteriores sequer manteve o modo de escrever o nome, agora por extenso.
Desenhado por Giorgetto Giugiaro, carregou a proposta urbana, mas abordada por outro conceito naquele início dos anos 1990: motor (agora refrigerado a água) e tração foram transferidos para a dianteira.
E para ratificar a veia subversiva, não era feito na Itália, mas sim em Tychy, na Polônia, depois que a Fiat arrematou a planta da Fabryka Samochodów Osobowych, ou FSO, fabricante estabelecida no fim dos anos 1940 pelo partido comunista polonês.
Houve nessa fase um Cinquecento elétrico, o Elettra. Mas, como o modelo que desembarcou por aqui em 2015, não passara de puro experimentalismo.
Um novo 500 começou a ser desenhado em 2002, ano não muito tranquilo para a Fiat: 9,4% de queda nas vendas e prejuízo de 4,3 bilhões de euros. Daí a grande pressão sobre o designer Roberto Giolito, cuja missão era traduzir os conceitos do Nuova 500 para o novo milênio.
Do conceito Trepiúno nasceu o 500, revelado no Salão de Genebra de 2007. VW New Beetle e Mini Cooper já vestiam a moda retrô, e agora era a vez do modelo da Fiat.
Mirando também o público feminino, oferecia mais de 500 mil combinações entre cores externas, acabamentos internos, rodas e detalhes de personalização. Sem falar nas versões especiais, que iam da Gucci à Barbie, passando pela Ferrari.
Não por acaso a Fiat escolheu o dia 4 de julho para o lançamento, exatos 50 anos após dezenas de Nuova 500 saírem enfileirados da fábrica rumo ao centro de Turim, onde encontrariam milhares de potenciais consumidores. Na festa do novo 500, vários foram espalhados por praças da Itália, com barracas de comida, jogos e música.
Os primeiros 60 mil exemplares do novo 500 – eleito Carro Europeu do Ano em 2008 – se esgotaram em três semanas.
Importado da Polônia com motor 1.4 16V de 100 cv e câmbio manual de seis marchas, o 500 chegou ao Brasil partindo de R$ 62.870. Logo virou referência no então efervescente mercado de “carros de imagem”. Faziam parte desse clube modelos como Mini Cooper, VW New Beetle, Chrysler PT Cruiser e Smart Fortwo.
O 500 C estreou no Salão de São Paulo de 2012, importado do México. Isento do imposto de importação, custava R$ 57.900 e era o conversível mais barato do Brasil.
“Embora ofereça um porta-malas minúsculo (153 litros) e seu banco traseiro seja ilustrativo, o compacto é prático no dia a dia. Não só pelo tamanho, mas por ter uma capota que, fechada, deixa o Cabrio parecendo qualquer outro 500. O acionamento também torna o procedimento menos pirotécnico, sem lâminas do teto se sobrepondo e atraindo a olhares de espanto, admiração e inveja. No uso diário as coisas ficam mais simples, menos arrogantes”, disse um certo repórter depois de uma semana de convivência com o 500 C.
Portanto, se o 500 de outrora viabilizou a mobilidade de uma grande parcela da população que nunca tivera um automóvel na Itália, o 500 do Século XXI viabiliza a mobilidade limpa para uma grande parcela da população mundial que decidiu abandonar o carro a combustão.
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