Eu e você temos sonhos na vida – conhecer lugares, construir uma família, viver aventuras, atingir metas e conquistar posições. Porém, precisamos mesmo de um sonho para definir nosso destino profissional? Lendo muitos artigos de negócios e liderança, sinto uma pressão pelo sonho, com a típica frase: “Corra atrás do seu sonho”. Claro que, se existe o sonho, correr atrás dele deve ser prioridade, mas será que um jovem já tem maturidade para definir seu sonho, seu destino? Será que não estamos fechando portas para possibilidades quando exigimos isso? Nesse meu primeiro artigo aqui, quero dividir três grandes lições que aprendi em uma trajetória sinuosa para “chegar lá”, e realizar mais do que jamais sonhei.
Tudo começou com números. Esses conceitos abstratos que aterrorizam alguns foram uma das minhas primeiras paixões. Desde o primário, fui um dos melhores alunos de matemática. O jornaleiro do lado de casa me chamava de “ministro da economia”, e minha tia de Tio Patinhas (não porque tivesse dinheiro, mas porque cuidava muito bem do pouco que tinha). No ginásio, ajudava colegas com suas economias. Acabei entrando na Faculdade de Matemática. Seria um professor, sempre adorei ensinar o que aprendo, mas saí antes de terminar e entrei em Engenharia de Produção. Seria um engenheiro, queria trabalhar numa fábrica, apareceu então a oportunidade de entrar em uma grande multinacional de bens de consumo pela qual me apaixonei, mas a vaga era em vendas. Agora seria um vendedor, contudo, me tornei CEO.
Essa equação toda faz sentido? Sonhei em algum momento ser CEO? Nem de perto! O que sei é que o sonho foi se construindo aos poucos, fui colecionando parcelas, e curti muito o resultado da soma. Logo eu, que prezava que a menor distância entre dois pontos é uma reta, uni meu presente com o futuro através de linhas curvas improváveis. Como um matemático transformou sua paixão por números em paixão por pessoas? Que lições tiro desse processo?
A primeira lição é do autoconhecimento. Capacidade de reflexão, observação da sua própria satisfação. Depois de dois anos cursando Matemática, percebi que queria trabalhar com algo mais prático, voltado para a execução. Tive que encontrar coragem para pivotar meu caminho, criar o inconformismo, e preencher algo que eu via como incompleto. Na Engenharia, adorei focar na resolução de problemas e ser desafiado a me virar para chegar em soluções. Observei também que a mesma vocação de professor para ensinar poderia ser aplicada para treinar e desenvolver profissionais.
A segunda lição é paixão. Vontade de dar o meu melhor em tudo. Eu nunca pensei em trabalhar em vendas, mas queria muito entrar na empresa que estou até hoje. Quando me ofereceram vendas, dei o meu melhor. Quis ser o melhor matemático, que virou engenheiro, que se tornou vendedor. Fiz com tanta vontade, que se transformou em uma paixão. Eu me apaixonei por vendas e não quis mais sair. E essa oportunidade me deu tantos horizontes. Liderar equipes cada vez maiores e mais diversas. Construir parcerias indispensáveis com clientes. Descobri o poder da inteligência emocional para compreender o ponto de vista de cada um, e ver se minha empresa estava construindo algo que entregasse o que de fato precisavam.
Finalmente, a terceira lição é a curiosidade. Vontade de aprender sempre, aproveitar oportunidades, e com isso, ir aos poucos adquirindo habilidades. Às vezes até sem planejar tão minunciosamente, hoje vejo que, durante o percurso, eu estava me aprimorando e absorvendo ferramentas que seriam imprescindíveis para liderar. A Matemática trouxe a capacidade analítica, o conhecimento de algoritmos, o método para estimar; a Engenharia me deu pragmatismo, capacidade de resolução de problemas, me provocou a fazer mais com menos. Vendas me desenvolveu em comunicação, habilidade de gerenciar conflitos, e ensinou empatia. O potencial professor, que queria ensinar alunos, se transformou num líder que direciona, ajuda e desenvolve talentos.
Nesses mais de 30 anos entre faculdade e trabalho, esses três fatores se multiplicaram e resultaram em um produto, ou sonho, impensado. Com autoconhecimento, paixão e curiosidade, pude somar habilidades que me permitiram chegar a posições de liderança, multiplicando minha paixão por números em paixão por pessoas.
No meu caminho até aqui, vejo que a vida é a soma de números, contas, frações e equações que muitas vezes podem não ser tão exatas e evidentes no primeiro momento, mas que geram resultados excepcionais em nossas histórias. Para isso, é fundamental estar sempre aberto a experiências, e atento ao longo da vida para as oportunidades que nos são oferecidas, ao mesmo tempo adquirindo habilidades, e vendo onde essa multiplicação pode nos levar.
Sonhando acordado, de olhos bem abertos, podemos encontrar uma realidade melhor que nosso sonho mais louco.
*André Felicíssimo, presidente da P&G Brasil
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