“Para mim, nada muda”, foi a frase que a Carol me falou, depois de me contar que talvez ela se mudasse para Portugal, onde seu marido havia recebido uma oferta de trabalho. “Como não? Muda tudo”. Foi minha resposta imediata, reativa, contrariada.
Fazia quase um ano que ela havia chegado ao Atelier e mais intensamente à minha vida. Sua presença mudou o jogo, foi (e continua sendo) um divisor de águas. Em alguns meses, ela já tinha entendido tudo e ido além. Criado processos que eu mesma não acompanhei, proposto soluções melhores do que as que eu havia pensado, sempre com entusiasmo, encantamento e emoção (emoção mesmo, não foram duas nem três vezes que ela chorou ao fecharmos uma proposta ou simplesmente contemplando um momento de trabalho). O Atelier e eu não queríamos — nem poderíamos — perder a Carol.
E quando ela falou “Portugal”, eu sabia que isso significava que a gente não passaria mais tardes (pelo menos não nos próximos meses) inteiras juntas, sentadas no chão do escritório, debatendo, criando, empreendendo. Ela não poderia me acompanhar nos cafés de prospecção — objetivo que a aproximou de nós.
Para aplacar o tsunami de emoções que aquela notícia — e a minha dramática interpretação dela — havia me causado, adotei o modo prática. Comecei a tentar traçar estratégias e pensar em quem poderia ocupar seu lugar se ela realmente partisse.
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Tentei, mas não consegui. Não sabia nem por onde começar a estratégia e ninguém chegava à sua altura. Lembrei aleatoriamente de uma pessoa que eu não via há um bom tempo, que não tinha a mesma experiência e perfil, mas que por algum motivo pensei que poderia gostar da ideia.
Fomos jantar. Comecei a conversa sondando: “Qual seu sonho de trabalho?”. Quem sabe ela responde exatamente o que encaixa com o que temos no Atelier, ingenuamente desejei. “Poder trabalhar de qualquer lugar do mundo”. Aquela resposta me pareceria cômica se não tivesse soado trágica. Era tudo o que eu não queria ouvir.
Desmontei. Ela não era a pessoa que eu procurava. Contei, então, a história da Carol e o dilema no qual eu me encontrava. “Você não precisa de uma pessoa para o lugar dela”, afirmou. “Como não?”, me indignei. “Não precisa. Porque você já tem a Carol”.
A partir daí, ela foi, com amor e firmeza, abrindo minha mente a marteladas. Me mostrando que era só minha rigidez que me impedia de ver o óbvio. Os argumentos eram sólidos e me deixaram sem defesa.
Eu não vivo dizendo que o Atelier é um meio para a realização das pessoas que dão vida a ele? E que cada um tem um sonho de vida? Não sou eu que falo de liberdade e adaptabilidade como valores inegociáveis? Sei bem que 90% do nosso trabalho pode ser feito de qualquer lugar.
Era hora de provar que tudo aquilo era verdade além da minha zona de conforto. Ou tudo o que eu falo só vale se os sonhos dos outros coincidirem com os meus?
Alguns dias depois, lá estava eu, num café da manhã, diante da Carol, com o coração disparado e o tímido constrangimento de quem admite que se equivocou: “Podemos voltar para a parte do ‘nada muda’?”.
Para minha alegria, ela abriu os braços e disse “claro que sim!”. Nos emocionamos, como de costume e voltamos a fazer planos — eu me sentindo um pouco maior do que dias atrás, porque fui obrigada a crescer para continuar aquela conversa.
Faz uma semana que a Carol mudou para Portugal sem data para voltar. Eu senti saudades todos os dias até aqui, mas sei que estamos juntas, como sempre. Mais do que nunca. E até que é gostoso sentir saudades.
Obrigada, Carol, por ter confiado no Atelier, por ter acreditado nas minhas palavras e por ter levado a gente com você.
Ariane Abdallah é jornalista, autora do livro “De um gole só – a história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo” e fundadora do Atelier de Conteúdo, empresa especializada na produção de livros, artigos e estudos de cultura organizacional.
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