Gastronomia e literatura: uma combinação de sabor

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Não são poucos os autores que incluem a gastronomia em suas histórias, apresentando-a como um lugar de memória, sedução e poder. As conquistas humanas e as guerras, narradas pela literatura universal, sempre foram regadas por excelentes refeições com as quais reis e imperadores brindavam seus hóspedes e seus heróis.

Este tema faz parte da literatura brasileira desde o descobrimento: a carta de Pero Vaz de Caminha para El-Rei de Portugal, escrita em 1500, fala de um solo muito rico e de uma variedade inesgotável de fauna e flora. Caminha também se inspirou pelas cores e odores da terra recém-descoberta: “…derradeiro de abril, comemos logo, quase pela manhã. […] Os hóspedes sentaram-no cada um em sua cadeira. E de tudo quanto lhes deram, comeram mui bem, especialmente lacão cozido frio, e arroz […]”.

A literatura sempre define o ato de comer como um prazer. Autores do romantismo brasileiro criaram inúmeras cenas ligadas à mesa. No período modernista, essa tendência permaneceu, principalmente com os escritores José Américo de Almeida e José Lins do Rego, que descreviam os hábitos à mesa e a cultura da cana-de-açúcar com maestria. Mas poucos escritores brasileiros descreveram tão intensamente o cheiro e o gosto do Brasil como o baiano Jorge Amado. Ele criou inúmeras histórias com cenas do cotidiano do povo baiano como se fossem feitas numa tela por um pintor talentoso. Quem não se encantou com o romance Dona Flor e seus Dois Maridos, que mostra a arte da culinária e da sedução como poucos? Além de incluir aventuras gastronômicas em seus livros, escritores tinham seus restaurantes e cafés preferidos, que podem ser visitados até hoje pelos aficionados por turismo gastronômico. Fernando Pessoa frequentava o Café Martinho da Arcada, que existe no mesmo endereço da fundação em 1778. O poeta e escritor promovia tertúlias com amigos, mas, principalmente, escrevia lá. Dizem que ele chegava cedo, almoçava, tomava um café e ficava até o final da tarde, sempre na mesma mesa, que hoje leva seu nome.

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Em Paris, encontramos um verdadeiro point de artistas, jornalistas e intelectuais como Jean de La Fontaine, Jean-Jacques Rousseau, Honoré de Balzac e Victor Hugo: o café Le Procope. O local era frequentado até por Napoleão Bonaparte, que costumava deixar lá seu chapéu como garantia de pagamento da conta. No Le Procope, se destaca a mesa que era ocupada por Voltaire, um dos maiores filósofos iluministas da história.

Outro endereço gastronômico emblemático é o restaurante Botin, em Madri, que seguiu os passos do chef
francês Jean Botin, que se estabeleceu na capital espanhola em 1620 para trabalhar na corte. Em 1725, um de seus sobrinhos abriu uma pequena pousada, que aquecia os alimentos levados pelos visitantes num forno a lenha que, aliás, funciona até hoje. O Botin é reconhecido pelo Guiness Book como o restaurante mais antigo do mundo. Entre os intelectuais que costumavam fazer lá suas refeições está o escritor Ernest Hemingway, que cita o local no livro Morte à Tarde.

Carla Bolla é restauratrice do La Tambouille, em São Paulo.

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Artigo publicado na edição 101 da revista Forbes, em setembro de 2022.

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