A vida e o lifestyle de ‘Bernie’ Ecclestone, um cafeicultor no Brasil

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Marcelo Melo_Guettyimages

Bernie Ecclestone e sua esposa Fabiana em uma corrida de Stock Car e Fórmula4, no Brasil, em maio deste ano

A temporada de Fórmula 1 de 2022 terminou em 20 de novembro, com o formidável piloto da Red Bull, Max Verstappen, conquistando o campeonato de pilotos. Mas foi no Grande Prêmio do Brasil, no dia 13 de novembro, em São Paulo, que se deu o grande momento para observar o que faz o mais efervescente e tradicional ícone “ F1 Supremo”, Bernard Charles “Bernie” Ecclestone, que aos vigorosos 92 anos participou da corrida e de sua preparação, juntamente com a esposa brasileira, Fabiana Flosi Ecclestone, vice-presidente da FIA (Fédération Internationale de l’Automobile) e embaixadora para a América do Sul.

Que o “senhor” Ecclestone tenha levado uma vida longa e colorida, mesmo dentro dos limites do que poderia ser classificado de um bilionário comum, a atual condição de não-mortal “aposentado”, é um fato. Mas, no caso de Ecclestone, a definição desse estágio tranquilo da vida nonagenária é simplesmente diferente dos demais.

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Em comparação com 2016-2017, quando o Ecclestone vendeu suas ações da Delta Topco para a Liberty Media – sendo a Delta Topco a empresa mãe na estrutura Ecclestone que controlava a Fórmula 1 – hoje ele já não figura com tanta regularidade nas manchetes do esporte em todo o mundo. Portanto, seu 2022 foi compreensivelmente mais tranquilo do que o último trimestre de reinado como “F1 Supremo”. Mas isso não significa que sua vida tenha sido menos corrida.

Certamente, a formidável Sra. Flosi Ecclestone foi a grande personagem nesta fase de sua vida. Por causa da pandemia nos últimos dois anos, o casal recuou nas aparições sociais, como muitos fizeram, e foram para as suas propriedades rurais. No caso, Sr. e Sra. Ecclestone passaram boa parte dos últimos dois anos em sua lavoura de café, de 202 hectares, a fazenda Ycatu – que pode ser traduzido como “fazenda de Água Abundante” – assim chamada por causa das muitas nascentes de água mineral aos pés da serra da Cantareira.

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Plantação de café na fazenda Ycatu, em, Amparo , no interior paulista

Foi um movimento natural a restauração de uma antiga plantação de café na zona rural do município de Amparo. Boa parte do estado de São Paulo, ao qual pertence a fazenda Ycatu dos Ecclestones, é um tradicional bastião do café brasileiro do século XIX, justamente conhecido por sua bebida sedosa e de baixa acidez.

A economia cafeeira impulsionou a potência multicultural de São Paulo — a cidade e o estado — que conhecemos hoje, atraindo imigrantes de todo o mundo. Como aconteceu com muitos setores da agricultura, o café brasileiro sofreu uma queda durante a Grande Depressão e, em 1930, muitas plantações no estado foram literalmente extintas. Foi o caso de Amparo e seu distrito, onde os Ecclestone compraram a fazenda Ycatu, em 2012.

Não sendo aquele tipo de gente que fica de braços cruzados, o Sr. e a Sra. Ecclestone passaram a investir pesadamente na restauração da área de cultivo da fazenda, e em equipamentos de última geração para a secagem e processamento do grão. Além de ser um local privilegiado, onde o casal se abrigou durante a pandemia, esses dois anos na fazenda deram aos Ecclestones a oportunidade de aprimorar sua produção e comercialização do café. Os Ecclestones têm comercializado com muito sucesso sua marca “Celebrity Coffee” há uma década.

Na verdade, a marca conquistou prêmios regionais e nacionais e goza de grande popularidade em São Paulo, no mercado de bebidas premium, e também em  outras regiões do país. O sucesso levou a fazenda de Ecclestone a se tornar um dos principais produtores, resgatando a produção local de café artesanal em toda a região.

A fazenda Ecclestone, em Amparo, fica a apenas 140 km de helicóptero da capital paulista – os helicópteros são o meio de transporte preferido de Ecclestone, dado as condições das estradas no Brasil – daí a presença do ex-“F1 Supremo” no Grande Prêmio de São Paulo da Fórmula 1.

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Colhedor de café na fazenda Ycatu mostra peneira de grãos maduros

Uma vez motorhead, sempre motorhead, seria o motivo óbvio da aparição. Mas, no caso especial de Ecclestone, ele foi piloto na década de 1950, dono e construtor de equipe na década de 1980 e um arquiteto fundamental do próprio esporte, pois basicamente inventou o licenciamento da televisão – que, nos últimos 40 anos, catapultou o road show internacional a uma popularidade sem precedentes. Está codificado tão profundamente em seu DNA, que um evento de F1, ocorrendo em qualquer lugar do globo,  mas sem Ecclestone pelo menos realizando um sobrevoo no paddock, seria quase impensável há alguns anos. Mas o fato é que o magnata vendeu sua cria. Hoje, suas aparições são apenas ocasionais, assumindo um certo aspecto de “leão no inverno”.

Mesmo assim, se não gosta de algum detalhe, pode ou não valer-se de sua marca registrada de filho-de-pescador-que-se-fez-na-vida, para entrar em ação. De qualquer modo, sua intervenção deve ser vista de um ponto peculiar e lida por meio desse filtro. É um fato óbvio, mas muda a perspectiva: ele não mais ocupa posto de “F1 Supremo”.

Mas é claro que seu poder não o abandonou. No final de junho – com a temporada de F1 em andamento – o Sr. Ecclestone deu uma entrevista na televisão para o popularíssimo programa matinal, Good Morning Britain, no qual afirmou que Vladimir Putin era uma pessoa de “classe” e que entregou exatamente o que prometeu quando a Fórmula 1 foi para a Rússia, sob a supervisão de Ecclestone, em 2014. Com seu jeito caracteristicamente rabugento, Ecclestone disse “eu ainda levaria um tiro por ele. Eu preferia que não doesse, mas levaria um tiro mesmo assim, porque ele é uma pessoa de classe”.

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Processo afinado de torrefação é o caminho para manter as qualidades do grão

O contragolpe foi global, instantâneo e severo. Embora mal se pudesse argumentar que a declaração era um discurso extemporâneo e envelhecido de Ecclestone, e que ele também havia apontado que Putin cometeu um erro, não houve perdão pelo ocorrido. Pelo contrário, o episódio apenas colocou mais luzes sobre o que Ecclestone havia declarado – sua enorme falta de reconhecimento da realidade diária da guerra ucraniana. De sua parte, a Fórmula 1 procurou se distanciar imediatamente de seu emérito.

O ícone do automobilismo, o piloto campeão Lewis Hamilton, afirmou: “Não precisamos mais disso, ouvir de alguém que acredita na guerra, no deslocamento e na morte de pessoas, e apoiar [Putin] está além de mim.” Uma semana depois, Ecclestone apresentou um pedido de desculpas e o assunto desapareceu do círculo de notícias.

Mas, deixando de lado as incursões extemporâneas em debates geopolíticos acalorados, talvez a prova final da aposentadoria sem aposentadoria de Ecclestone seja o fato de que o Celebrity Coffee, agora, é um fornecedor da Fórmula 1.  O café é vendido nas cafeterias das pistas de corridas do mundo inteiro.

* Guy Martin é colaborador da Forbes EUA e escritor. Também colabora com Esquire, Town and Country, Garden and Gun, Conde Nast Traveler, Men’s Journal, US Racing, The New Yorker, entre outras publicações e plataformas.

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