Tamara Klink e os aprendizados de se cruzar um oceano sozinha

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A velejadora, arquiteta e autora Tamara Klink a bordo do Sardinha, seu barco de apenas oito metros, em que cruzou o Atlântico

“Eu tinha medo praticamente o tempo todo.” Foi o que a velejadora Tamara Klink, que está na lista Forbes Under30 de 2021, contou sobre o papel do medo na sua travessia solitária do Atlântico realizada no ano passado. Também escritora e formada em arquitetura, ela foi a brasileira mais jovem a fazer tal viagem sozinha em um veleiro. Antes dela, a velejadora Izabel Pimentel – na qual Tamara conta que se inspira – foi a primeira brasileira a atravessar o Atlântico nas mesmas condições em 2006.

Filha do velejador Amyr Klink e da fotógrafa Marina Bandeira, essa não foi a primeira vez que Tamara Klink se aventurou sozinha. Em 2020, foi da Noruega para a França, onde morava na época, com o seu recém-comprado barco – batizado de Sardinha por causa dos seus oito metros de tamanho. Navegando novos mares, ela publicou três livros nos últimos dois anos e, na última segunda-feira (21), lançou uma coleção de roupas em parceria com a marca Ida, de Bento Guida, filho da fundadora da marca Le Lis Blanc.

André Ligeiro

Tamara Klink no evento de lançamento da sua coleção com a Ida na última segunda-feira (21)

A Forbes conversou com Tamara para descobrir como ela conduz sua carreira. Confira aqui a entrevista:

Forbes: Você acredita que a sua experiência velejando como mulher é diferente da de um homem?

Tamara Klink: Acho que as diferenças estão nessas barreiras culturais e sociais que a gente deixa em terra, uma vez que a gente ganha o azul e se afasta da terra. Sendo mulher ou homem, sendo jovem ou velha, o mar vai responder do mesmo jeito, que é com indiferença. Então, para ele, pouco importa quem nós somos. O que muda é aquilo que nos faz singulares – o nosso percurso, o nosso jeito de pensar e a nossa maneira de fazer escolhas. No mar, a gente está muito mais no lugar das limitações humanas, que é conhecer os limites do nosso corpo, da nossa cabeça, do nosso sono e da nossa emoção do que dos limites sociais e culturais relacionados.

F: Como foi para você velejar sozinha?

TK: Quando velejei, eu estava só no barco, mas eu não estava solitária no projeto. Mas, a experiência de estar solitária no barco era, muitas vezes, desafiadora, porque eu não tinha em quem pôr a culpa quando eu tomava uma decisão ruim ou quando eu me via em face de um imprevisto. Eu sabia que se eu não me levantasse a cada 20 minutos para olhar ao redor e me garantir de que não havia nenhum navio, ninguém faria isso por mim e que, se eu caísse do barco, ninguém daria minha volta no mar pra me buscar. Então, essa experiência de lidar com as consequências das nossas escolhas era muito mais evidente nesse caso. Sartre define liberdade como “saber lidar com as consequências das coisas que a gente faz” – é por isso que, estando só no barco, eu me sentia livre.

F: Como você lidou com as suas escolhas velejando sozinha?

TK: Muitas vezes lidei muito mal e, muitas vezes, lidei muito bem. Quando eu entrava embaixo de uma nuvem escura de chuva com ventos fortes e inconstantes eu tinha raiva, tentava encontrar o culpado disso e o que o culpado que encontrava era eu mesma. Em outros momentos, eu lidei bem pensando “que bom que eu estou só e, assim, não tenho medo de errar, não tenho medo de frustrar e não tenho medo de decepcionar outras pessoas”. Esses são sentimentos que, muitas vezes, nos impedem de tomar escolhas ou de assumir riscos.

F: Você teve medo nessa jornada?

TK: As poucas vezes em que o medo não esteve lá foi quando o perigo não estava mais presente. Então, quando a percepção do risco era menor, eu me expunha mais – justamente nos dias de calmaria, nos dias de mar liso e nos dias de sol. Dificilmente nos dias de chuvas fortes e de ondas cruzadas eu fazia isso. Nesses dias eu tinha medo e, por isso, me protegia mais.

F: Quais lições você aprendeu nesse processo que você daria para outras pessoas?

TK: Uma lição importante dessa viagem foi a de não me privar de tentar, porque eu nunca tive as condições ideais [para a viagem]. Eu não saí com o melhor barco do mundo – o meu barco nem era feito para a viagem que eu estava fazendo –, com a melhor preparação possível e nem com os melhores equipamentos. Fui com os melhores que eu pude me dar e que me permitiram, pelo menos, me dar a chance de começar. Eu sei que o meu barco foi tolerante aos meus muitos erros de iniciante. Isso não foi algo que escolhi, foi algo que eu aprendi me dando a chance de partir.

F: A blusa que você está vestindo, e que faz parte da sua nova coleção, tem a palavra “coragem” bordada nela. O que essa palavra significa para você?

TK: Para mim, a coragem é o reconhecimento que a gente dá por um caminho que a gente já fez. Eu não acredito que seja possível sentir coragem no momento presente. Não me lembro de momento algum no qual eu tenha me dito: “Agora me sinto corajosa”. Eu sinto medo o tempo todo e, quando eu olho para trás e vejo o caminho percorrido, eu consigo reconhecer que algumas decisões foram corajosas. São as decisões de dias em que eu sabia que estava correndo riscos altos e, nem por isso, eu fiquei no porto. É uma palavra muito contagiante,  que desperta sentimentos e desejos múltiplos nas pessoas – os quais, muitas vezes, são desejos de liberdade e de se dar a chance de tentar.

F: Quais são seus planos futuros de viagem?

TK: Por enquanto são secretos, mas já estou com o próximo projeto em andamento. Ele tem a ver com ir para lugares onde eu nunca estive e experimentar sensações que eu nunca senti. Tudo isso com um Sardinha 2.

F: Você já publicou três livros e, agora, lança uma coleção de roupas. Você tem planos para expandir sua carreira para além do velejar?

TK: A construção de relatos é algo natural e, para mim, obrigatório, porque eu sinto que eu tenho um privilégio muito grande de poder estar em um meio no qual poucas pessoas costumam estar. Posso viver experiências que trazem à tona, de maneira muito concreta, assuntos diversos como a tomada de riscos e vejo muito claramente qual é o meu objetivo, consigo marcá-lo numa carta [náutica]. Isso me dá a chance, talvez, de colocar em poucas palavras mundos inteiros – o que agora é são roupas, livros, palavras e outros objetos que possam vir dessas vivências. Gosto dessa ideia de explorar e navegar nesses mares diferentes que também me trazem medo e para mim também são experiências do desconhecido.

F: Além do seu pai, que também veleja, quais são as suas outras inspirações?

TK: Posso citar uma inglesa velejadora que se chama Ellen MacArthur. No Brasil, a gente tem uma velejadora chamada Izabel Pimentel. Outra pessoa que eu admiro muito é a Maya Gabeira, surfista de ondas gigantes – ela está sempre na naquele meio [marítimo] sem barcos, o que mais me dá medo. Outras pessoas que me inspiram são os professores com os quais eu tive a chance de estudar na escola e na universidade e que me deram lições que eu uso muito. Também tem a minha avó. Eu sempre penso que, com a idade que eu comprei o barco, ela já estava casada e tinha filhos, e nenhuma travessia pode ser mais longa, dura e solitária do que essa de ser mãe.

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