“Nosso negócio é vender carros em escala. Não vejo como poderíamos explorar o segmento de clássicos”, rebate o presidente de uma montadora com mais de 120 anos ao ser questionado por que um mercado de R$ 32 bilhões é ignorado no Brasil.
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Não surpreende a declaração do executivo, que sintetiza o pensamento genérico das fabricantes de automóveis de apenas olhar para o futuro eletrificado. Em outras palavras, aquele carro fabricado em 1982 deu sua contribuição financeira quando foi vendido lá em 1982 e por mais alguns anos de visita à concessionária para revisões e reposições de peças; agora não há mais o que tirar dele.
A Volkswagen é exceção.
Dois dias depois da entrevista que abre este texto, a empresa alemã inaugurou sua segunda garagem de carros antigos na fábrica da Anchieta. É verdade que Renault e Fiat têm alguns carros guardados, mas estão anos-luz atrás do que a concorrente fez.
Uma das relíquias ali é um Golf GTI VR6, precisamente o número 1 de 99 dessa safra especial que desembarcou por aqui em 2003 e serviu como carro de teste do departamento de Imprensa, posteriormente incorporado ao acervo da empresa.
Se aquele hatch prata de duas portas, câmbio manual e 200 cavalos está ali, é porque um grupo de engenheiros achou que seria uma boa ideia pegar o recém-lançado Golf e transformá-lo em um esportivo prático, versátil e acessível. Eram mais do que funcionários da Volkswagen, também entusiastas da marca que dedicavam momentos de folga para desenvolver secretamente o “hot hatch” mais bem-sucedido do planeta, revelado no Salão de Frankfurt de 1975.
Pois foi mais ou menos assim que aproximadamente 100 veículos foram sendo preservados – quando não resgatados. “Isso é um trabalho e 20 anos de dedicação e amor”, resume Reginaldo Nunes, cuja função na Volkswagen é supervisionar a engenharia de novos produtos. Revitalizar e guardar velhos produtos é missão de vida.
Em um espaço de 1.430 m² na Ala 5 da fábrica, a Garagem VW – Parte II reúne na estreia 36 modelos, divididos entre os temas “Clássicos da Anchieta”, “Autolatina”, “Compactos Premium” e “Esportividade”, além de um corner só para a Kombi.
Momentaneamente, alguns carros que já estavam na Garagem I (aberta em 2019 com 22 veículos), como a última Kombi produzida no Brasil (uma Standard branca de dezembro de 2013), um Santana EX 1991 usado para testes de homologação e o Fusca conversível de 1997 feito especialmente para celebrar a segunda e definitiva despedida do modelo, foram parar na Garagem II.
Outros inéditos, como a famosa Parati EDP, um Fox Wagon (a Parati dos americanos), a Kombi 50 Anos 00/50 e o Up! customizado para o Bubble Gun Treffen de 2015 estão na Garagem I. Mas essa configuração pode mudar – as denominações Garagem I e Garagem II determinam os espaços, não o conteúdo.
Revelado só agora, o Fox 2005 que demarcou os 15 milhões de veículos produzidos pela Volkswagen do Brasil está guardado neste momento na Garagem I. Curiosidade: sobre o capô pintado com as cores da bandeira do País, os autógrafos de Luís Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin, então presidente e governador paulista, ironicamente antecipando a dupla que se formaria 17 anos depois.
Gol Last Editon
O evento de inauguração da Garagem II também serviu de palco para o lançamento do Gol Last Edition, marcando a despedida do hatch que em maio completaria 43 anos. Vendido por R$ 95.990, o modelo traz diferenciais estéticos (grande sacada o logotipo no formato da roda “orbital”, popularizada na primeira geração do Gol GTi, na coluna C) externos e internos e é limitado a 1000 unidades – a VW guardou o milésimo.
Tal como aconteceu com a Kombi Last Edition – cuja unidade exposta agora na Garagem II é a 56/1200 –, o Gol seguirá em produção mesmo depois de lançada uma versão especial de enceramento. O que significa que provavelmente teremos o último Gol produzido, convencional, provavelmente branco ou prata, também preservado.
E, ao contrário daquele executivo, a VW tem o mercado brasileiro de clássicos no radar. Em algum momento no futuro, o acervo de modelos históricos pode virar uma unidade de negócios – quem sabe como vitrine para a expedição de certificados de originalidade para proprietários de antigos da marca.
O certo é que a preservação seguirá. Dos cerca de 100 veículos do acervo, apenas 58 (22 da Garagem I e 36 da Garagem II) estão expostos. Há pelo menos mais 42.
“Cumprimos nossa missão de concretizar esse projeto, mas não vamos parar por aqui. Agora é batalhar pela Garagem III”, avisa André Drigo, Gerente Executivo de Desenvolvimento do Produto na VW do Brasil – e o cara que teve a coragem de pedir dinheiro para salvar o que para muitos são apenas carros velhos.
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