O Reservado, de preço em torno de R$ 40, continua a ser o vinho da Concha y Toro mais vendido no Brasil, com 18 milhões de garrafas ao ano. Mas a empresa chilena – maior exportadora de vinhos da América Latina e terceira maior produtora do mundo em volume – agora aposta mesmo é no potencial brasileiro para o consumo de rótulos premium, a partir de R$ 150.
O plano de levar o país do quarto para o primeiro lugar no segmento faz parte de uma guinada da companhia em direção aos produtos de alto valor agregado. Essa estratégia, por sua vez, acompanha um movimento maior de mercado. “Houve uma mudança radical no consumidor, que hoje tende a comprar vinhos de preço mais alto”, diz a vice-presidente de Imagem Corporativa da holding Concha y Toro, Isabel Guilisasti.
Ela esteve recentemente em São Paulo para lançar duas safras da denominação de origem Puente Alto, conhecida pela excelência em cabernet sauvignon: Don Melchor 2019 (R$ 1.350) e Marques de Casa Concha Heritage 2020 (R$ 619).
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Segundo Isabel, a recente transformação do cenário da indústria vinícola tem a ver com o aumento do consumo da bebida em casa em períodos de lockdown. No conforto do lar, as pessoas se permitiram experimentar produtos de qualidade mais elevada – o que, na opinião da vice-presidente, é um caminho de difícil volta. “Creio que o mundo se premiunizou durante a pandemia”, diz. “Em 2021, o fechamento de ano da companhia foi excepcional, e teve a ver com isso.”
Em números: as vendas do portfólio premium representavam 36% do faturamento em 2017 e passaram para 49,2% em 2021; em volume, foram de 23% para 32,9% no mesmo período. Já o faturamento da holding chegou a US$ 1,09 bilhões em 2021, 50% acima do pré-pandemia. Sediado em Santiago, hoje o grupo possui 12.313 hectares de vinhedos no Chile, na Argentina e nos Estados Unidos e é formado pelas vinícolas Concha y Toro, Don Melchor, Cono Sur, Viña Maipo, Bonterra Organic Estates (ex-Fetzer, dos Estados Unidos) e Trivento (Argentina) e pela joint venture Almaviva (50% Concha y Toro, 50% Baron Philippe de Rothschild).
Em sua passagem por São Paulo, Isabel conversou com a Forbes sobre o desafio de manter o padrão de consumo conquistado nos últimos anos. Também comentou sobre compromissos de sustentabilidade assumidos pela empresa, que anunciou a meta de reduzir suas emissões totais de CO2 em 35% até 2025 (em comparação com 2017) e zerá-las até 2050.
Falou ainda sobre gestão familiar e contribuições da sua geração ao negócio (ela é filha de Eduardo Guilisasti, que na década de 1950 tornou-se presidente e principal acionista Viña Concha y Toro, e irmã do atual CEO da empresa). Confira:
Como é trabalhar em um negócio em que sua família atua há décadas?
Estamos vinculados ao mundo do vinho toda a minha vida. Estudei arte e, em algum momento, me baixou essa curiosidade pelo vinho, por tudo que meu pai havia feito e no que se estava trabalhando. Era um tema recorrente em nossa família. Então estudei marketing e, há 25 anos, comecei a trabalhar em Cono Sur.
Em 2000 assumi o marketing de Concha y Toro, dos vinhos finos, de alta gama, e no ano de 2020 assumi como VP de vinho fino não só de Concha y Toro, mas também das outras filiais. Somos sete irmãos, e todos temos profissões diferentes, então não competimos.
Um irmão, agrônomo, morreu em 2014. Eduardo é engenheiro e está a cargo da gerência geral da Viña Concha y Toro e de todas as filiais. Rafael trabalha em Emiliana, que é uma vinícola diferente, orientada 100% para a agricultura orgânica. Pablo trabalha na frutícola (Greenvic). Eu estou no mundo do marketing. E minhas duas irmãs (Sara e Josefina), uma trabalha na área da fundação de nosso pai e a mais nova estuda arte. Nos complementamos, não temos grandes diferenças e todos empurramos a companhia, temos paixão, iniciativa, conversamos muito e respeitamos a opinião do outro.
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O que a sua geração implementou de mudanças e o que conservou?
Com meu pai, o maior impulso na empresa esteve relacionado ao fato de que ele acreditava que o Chile tinha condições inigualáveis para produzir vinhos e distribuir globalmente. Sua trajetória esteve focada em comprar mais hectares e consolidar-se como uma vinícola capaz de produzir um volume maior para abastecer outros mercados. Somos um país pequeno, com consumo interno pequeno, portanto tínhamos que nos abrir para o mundo – é diferente quando se é produtor de vinho na Argentina, na Califórnia, em outros países em que o mercado é mais forte.
Meu irmão, Eduardo, quando assume a gerência geral, tem uma vocação bastante global e de exportação. Vem uma etapa de consolidação de Concha y Toro no mercado externo. Esse é seu grande aporte. Hoje estamos presentes em mais de 130 países e temos escritórios comerciais no Reino Unido, no Canadá, no México, no Brasil, em Cingapura, nos países nórdicos, nos Estados Unidos (13 ao todo).
Do ponto de vista de marketing, estamos focados em ter um portfólio de marcas mais limitado e desenvolver diferentes experiências através delas, colocando o consumidor como eixo central. Muitas vinícolas (e nós também, anos atrás) têm uma estratégia de produzir vinhos e marcas a partir de um olhar como empresa produtiva mais do que como empresa orientada ao consumidor. Eu diria que essa é a grande mudança na nossa geração: o consumidor assumiu um papel muito relevante na estratégia da companhia.
Quando mudou o portfólio de vinhos, o que se buscou?
Essa grande mudança na definição do nosso portfólio foi desenvolvida cinco anos atrás, em 2017, quando definimos uma forte orientação ao consumidor e o desenvolvimento de marcas premium. Pegamos todas as marcas de Casillero del Diablo para cima como as mais relevantes para focarmos. Assim começa o que definimos como premiunização da companhia. Não deixamos de lado as outras, porque seguem sendo produzidos vinhos como Reservado, mas nosso foco se concentra nos vinhos mais premium.
E como evoluiu e ssa premiunização? Como era cinco anos atrás e como está agora o faturamento das marcas premium da Concha y Toro?
Ela tem sido bastante bem-sucedida em termos de revenue da companhia. Em 2017, o portfólio de vinhos premium representava 36%; em 2021, foi para 49,2%. Em termos de volume, foi de 23% para 32.9%. Isso tem a ver não só com desafios da empresa. Acompanhamos o consumidor. Hoje em dia, ele tende a comprar vinhos de preço mais alto.
A pandemia, apesar de ter sido nefasta, ajudou os vinhos premium. Houve muito consumo doméstico, e isso foi uma mudança radical. Porque, quando se vai a restaurantes, eles colocam uma margem no preço. Em casa, o consumidor teve acesso a vinhos de alta qualidade por um preço mais baixo. E, quando o paladar se acostuma, é difícil voltar atrás. Acontece com todas as coisas. Creio que o mundo se premiunizou durante a pandemia.
Como se comportou o mercado brasileiro em relação à premiunização e ao consumo doméstico?
Esse mesmo fenômeno aconteceu no Brasil. No evento de lançamento da denominação de origem Puente Alto (em agosto, em São Paulo), tivemos a oportunidade de conversar com gente da indústria que tem lojas de vinho e há essa mesma opinião de que, durante a pandemia, cresceu o consumo de vinhos e cresceu o consumo de vinhos premium. Agora, no ano 2022, quando se abrem as portas e as pessoas se atrevem a sair mais, outros tipos de consumo, de festa, de cerveja, também crescem fortemente. Temos o desafio de manter nos próximos anos o que conquistamos.
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Há uma relação entre investir em sustentabilidade e premiunização? O consumidor também busca um vinho que tenha sustentabilidade entre seus valores?
Temos um programa de sustentabilidade desde 2012. Nos concentramos em manejo de água, de resíduos, de florestas nativas e também na conservação. Do ponto de vista agrícola, temos plano de trabalhar práticas regenerativas no que se refere à fauna e ao solo. Fomos certificados como Empresa B, o que significa que temos compromisso com o meio ambiente e também com o social. Em 2014, criamos um centro de investigações e inovação da companhia, dedicado a pensar a vinícola do futuro. Há, por exemplo, um plano piloto de como reduzir a maior quantidade de água através de implementações de irrigação.
Outro pilar importante é que temos um patrimônio histórico nos vinhedos e nos preocupamos em conservá-lo e protegê-lo: os cabernet sauvignon pré-filoxera (praga que devastou plantações no século 19). Ainda temos esse material genético, o reproduzimos e o compartilhamos. Tudo o que herdamos como patrimônio, conservamos e buscamos projetar ao futuro. A nível de consumidor, ele cada vez mais busca empresas que tenham um propósito muito claro. E nisso é importante a coerência. Ou o consumidor te castiga.
Reportagem publicada na edição 100, lançada em agosto de 2022.
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