Os olhos podem revelar muito sobre o coração

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Digital Vision/Getty Images

Muitas doenças podem ser identificadas através dos olhos

Coração e olhos, como todo outro órgão do corpo, são essenciais à vida e são particularmente reverenciados pelo ser humano. Nas artes é quase ocioso lembrar o quanto poetas, pintores, músicos, escultores e outros apelam a conexões que vão de um órgão ao outro. Na medicina, antes que se compreendesse o papel do cérebro, era no coração que civilizações antigas viam o centro do pensamento, da memória, da moral e das emoções. Os olhos, por sua vez, receberam grande atenção de egípcios, chineses, indianos e, mais tarde, dos gregos – Hipócrates, Aristóteles e outros fizeram grandes avanços em sua descrição anatômica. Pelos olhos se pode detectar um bom número de doenças – e um novo estudo fez avançar o quanto mais os olhos podem revelar sobre o coração.

O estudo, publicado no periódico científico British Journal of Ophthalmology, verificou se seria possível melhorar o cálculo de risco de uma pessoa sofrer acidente vascular cerebral, infarto do miocárdio (IM) e mortalidade circulatória ao aplicar recursos de IA (inteligência artificial) no exame dos olhos. Isso foi feito aplicando a IA num procedimento com o pouco simpático nome de vasculometria retiniana – que é a análise de imagem de vasos sanguíneos da retina.

Leia mais: O caminho melodioso até um cérebro saudável na velhice

Foram analisadas imagens de cerca de 95 mil participantes, de tinham de 40 a 69 anos de idade quando as imagens foram capturadas; destes, pouco mais de 88 mil constavam do UK Biobank (banco de dados ligado ao sistema público de saúde britânico) e outras 7 mil da EPIC (Investigação Prospectiva Europeia sobre Câncer e Nutrição , na sigla em inglês). A avaliação dos pesquisadores é que esse novo método oferece resultados igualmente eficientes aos mais tradicionais – com um ganho: não se fazem necessárias coleta de sangue ou medida de pressão arterial.

Alguém poderia dizer que se trata de um ganho apenas incremental – o que quer dizer que seriam avanços pequenos. Mas a ciência avança por meio desses passos incrementais. É justo dizer que grandes passos, que transformam um campo ou outro da ciência, não são “programáveis”, por assim dizer. Na maior parte das vezes, pequenos avanços vão ampliando o alcance de uma determinada peça do conhecimento, e isso contribui para que se chegue a algum desenvolvimento mais substancial. Deixaremos o debate acerca da filosofia da ciência para os especialistas – mas uma recomendação de leitura aqui é possível: “A Estrutura das Revoluções Científicas”, do físico e filósofo Thomas Kuhn – essencial para entender melhor o universo da ciência hoje.

Voltando ao campo da medicina, o estudo exemplifica mais uma aplicação dos recursos da IA nos cuidados com a saúde. Teríamos avançado nessa direção mesmo sem a pandemia – mas esta aconteceu, e acelerou a aplicação de uma série de ferramentas digitais ao setor de saúde (a telemedicina sendo só a mais evidente). Exames menos invasivos podem vir a ter um efeito tranquilizador sobre as pessoas, o que estimularia justamente aquilo que vai ser o eixo central do cuidado com a saúde no futuro: a prevenção.

É claro que a prevenção não pode esperar até que seja possível  fazer uma longa série de exames por métodos não invasivos. Mas estes tendem a se tornar mais comuns à medida em que a saúde digital se tornar mais difundida. E mesmo avanços não necessariamente atrelados ao universo digital podem surgir – como o método chamado de “biópsia líquida”, desenvolvido por cientistas da cientistas da UFU (Universidade Federal de Uberlândia) para ajudar a diagnosticar o câncer de mama através de biomarcadores no sangue.

A investigação científica vai cuidar de ampliar o alcance das novas tecnologias em formas mais abrangentes e precisas de diagnóstico. E a prevenção poderá encontrar um caminho cada vez mais favorável para se tornar a regra. A conexão entre os olhos e o coração se mostra mais real do que a poesia poderia supor, afinal. Parafraseando o multitalentoso inglês G. K. Chesterton, há uma estrada que vai dos olhos ao coração que não passa pelo intelecto – e a inteligência artificial descobriu como circular por ela e nos trazer informações preciosas sobre nossa saúde.

Claudio Lottenberg é mestre e doutor em oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp). É presidente do conselho do Hospital Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde.

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