Brasil recebe primeira Indicação Geográfica de vinhos tropicais

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Uvas específicas para vinhos do Vale do Rio São Francisco foram introduzidos na região nos anos 1970

Nesta semana, o dia 1º de novembro marcou um feito histórico para a vitivinicultura do país. O INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) reconheceu a primeira IP (Indicação de Procedência) de vinhos tropicais,a primeira do mundo, baseada em requisitos equivalentes aos da União Europeia. A indicação foi concedida ao Vale do São Francisco, uma demanda do Vinhovasf (Instituto do Vinho do Vale do São Francisco), instituição privada, sem fins lucrativos, que congrega os viticultores e vinícolas da região produtora de vinhos.

“Este é um momento histórico e muito esperado pelos vitivinicultores da região, em especial aqueles estabelecidos no Vale do Submédio São Francisco, nos municípios pernambucanos de Petrolina, Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista, além de Casa Nova e Curaçá, na Bahia”, afirma José Gualberto de Freitas Almeida, presidente do Vinhovasf e da Valexport (Associação dos produtores e exportadores de hortigranjeiros e derivados do Vale do São Francisco).

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O executivo diz que era um projeto desde 2002, quando o Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul, ganhou sua indicação. Vale registrar que há duas modalidades de IG (Indicação Geográfica): a Indicação de Precedência (IP)e Denominação de Origem (DO). O pedido ao INPE foi feito em 2020, depois de uma longa história iniciada nos anos 1960, quando a irrigação permitiu os primeiros plantios de videiras no Vale do São Francisco, na Bahia e Pernambuco, no eixo Petrolina-Juazeiro. Nos anos 1970, se deu o início do cultivo de variedades viníferas em projetos que envolveram enólogos e investimentos externos à região.

Estão dentro da região demarcada pela indicação para os vinhos fino e nobre, espumante natural e vinho moscatel espumante, as vinícolas Adega Bianchetti Tedesco (Bianchetti), Vinícola Vinum Sancti Benedictus (VSB), Vinícola Terranova (Miolo), Vinícola Terroir do São Francisco (Garziera), Vinícola do Vale do São Francisco (Botticelli), Vinícola Mandacarú (Cereus jamacaru), Vitivinícola Quintas de São Braz (São Braz) e Vitivinícola Santa Maria/Global Wines (Rio Sol).

Ivanira Falcade_Embrapa

Vinhedos da vitivinícola Santa Maria, que pertence à Global Wines, dona da marca Rio Sol

O projeto que culminou na indicação conto com a parceria de duas unidades da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), a Semiárido, em Petrolina (PE), e Uva e Vinho, em Bento Gonçalves (RS). Para Maria Auxiliadora Coêlho de Lima, chefe-geral da Embrapa Semiárido, a particularidade da produção de uvas para vinho em clima semiárido tropical e sob um manejo diferenciado, amparado pelo uso da irrigação resulta em produtos originais e que agregam conhecimentos referenciais e tecnologias inovadoras desenvolvidas para as várias etapas da cadeia de produção assim como para a vinificação.

“O reconhecimento dessas características, por meio de uma indicação geográfica, traz oportunidades de atingir novos espaços de mercado e valoriza o trabalho dos vários segmentos, instituições e setores que assumiram o compromisso desafiador de viabilizar a vitivinicultura no Semiárido brasileiro”, afirma Maria Auxiliadora.
A previsão é que os primeiros vinhos com a IP estarão no mercado a partir de 2023, depois de passarem pelas análises exigidas e pelas sessões de avaliação sensorial às cegas, etapas fundamentais para que o vinho possa receber o selo.

Para o pesquisador Giuliano Elias Pereira, da Embrapa Uva e Vinho, a indicação geográfica “é uma grande conquista para a vitivinicultura brasileira, que só foi possível a partir da parceria realizada entre instituições de pesquisa, ensino e setor produtivo”. Ele liderou ao longo de cinco anos, entre 2013 e 2018, um projeto de pesquisa no valor de R$ 1 milhão, que envolveu mais de 40 pessoas de várias instituições, entre pesquisadores, professores, técnicos e estudantes, para entender a vitivinicultura do Semiárido nordestino e aprimorar a qualidade dos vinhos da região. “Juntos, trabalhamos desde a caracterização do Vale do São Francisco e de seus produtos, fatores fundamentais para a estruturação da Indicação”, afirma Pereira.

Outro pesquisador da Embrapa, Jorge Tonietto, que desenvolve projetos de estruturação de Indicações Geográficas (IGs) de vinhos brasileiros desde os anos 1990, explica que esta IG tem como diferencial das demais sua localização geográfica em zona tropical e ser baseada em requisitos equivalentes aos da União Europeia: área delimitada, produção da uva na área, tipos de vinhos, tipos de uvas autorizadas, produtividade controlada, padrões enológicos definidos, elaboração na região, qualidade analítica e sensorial diferencial para os vinhos.

Segundo explica Ivanira Falcade, pesquisadora aposentada da Universidade de Caxias do Sul, responsável pela delimitação da área, a Indicação do Vale do São Francisco protege vinhos originais, oriundos de uma região com uma particular geografia no contexto mundial. “A região apresenta uma paisagem vitícola emblemática, com os vinhedos irrigados pelas águas do São Francisco, com a caatinga e suas cactáceas no entorno, ou os morros testemunhos de formações geológicas pretéritas, que se destacam na planície, entre outros aspectos relacionados à cultura regional”, explica a pesquisadora.

Segundo o pesquisador da área de enologia da Embrapa Uva e Vinho, Mauro Zanus, a diversidade de tipos de uvas é enorme na região, permitindo encontrar variedades adaptadas a diferentes condições de clima, solo e biomas. “A elaboração de vinhos e espumantes de qualidade no semiárido tropical do Brasil, com cor, aroma e paladar equilibrados, é uma conquista da pesquisa científica e de produtores rurais abertos à inovação, com seus riscos e desafios”.

Segundo ele, a IP Vale do São Francisco, além de promover a melhoria dos vinhos, pelo atendimento de rigorosos controles da produção de uvas e de vinificação, emprestará imagem e reputação ao vinho do Brasil, dando maior visibilidade da diversidade de sabores alcançados nas diferentes áreas geográficas produtoras.

O que esperar dos vinhos tropicais na taça

Os vinhos tropicais do Vale do São Francisco são, na sua maioria, jovens, frescos, aromáticos, frutados e florais, e estão disponíveis ao consumidor em qualquer época do ano. Mas também são produzidos vinhos de guarda e mesmo vinhos nobres, com colheitas de uvas em períodos específicos do ano. Em função do clima quente ao longo do ano, é possível a produção de uvas e vinhos de janeiro a dezembro, com duas podas e duas safras anuais, com possibilidades de colheitas escalonadas ao longo do ano nas diferentes parcelas de vinhedos. O carro-chefe da produção são os espumantes, com aproximadamente três milhões de litros por ano, seguidos dos vinhos tranquilos, com produção de cerca 1,5 milhão de litros anuais.

Os tipos de produtos autorizados na IP são os vinhos tranquilos brancos, tintos e rosés e vinhos espumantes brancos e rosés (bruts, demi-secs e moscatéis), elaborados com 100 % de uvas produzidas na área geográfica delimitada.
Foram autorizadas, para fins de elaboração dos vinhos, 23 cultivares de uvas Vitis vinifera L., indicadas pelos próprios produtores, pela adaptação e desempenho na região.

As variedades autorizadas para a elaboração dos vinhos comerciais na IP VSF são: brancas – Arinto, Chardonnay, Chenin Blanc, Fernão Pires, Moscato Canelli, Moscato Itália, Sauvignon Blanc, Verdejo e Viognier; tintas – Alicante Bouschet, Aragonês, Barbera, Cabernet Sauvignon, Egiodola, Grenache, Malbec, Merlot, Petit Verdot, Ruby Cabernet, Syrah, Tannat, Tempranillo e Touriga Nacional.

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