Ao receber o convite para assumir o cargo de country manager da Philips no Brasil, a primeira reação de Patricia Frossard foi de surpresa. “Eu até olhei para trás para ver se era comigo mesmo que estavam falando”, diz a executiva, que, naquele momento, só conseguiu focar nas suas fraquezas. “Eu não pensei naquilo em que eu era forte. Só pensei que não entendia das áreas financeira e comercial.”
Advogada de formação, Patricia não havia projetado uma carreira fora desse universo. Mas tinha boa comunicação com todos os níveis da empresa, algo que ela emprestou do direito, e era uma pessoa neutra em um momento de unificação de negócios. E foi isso que a levou ao cargo mais alto. “A empresa precisava de alguém que fizesse conexões. A minha fortaleza era o relacionamento com as pessoas, então eu usei isso para correr atrás daquilo que eu não tinha.”
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Antes de aceitar a proposta, Patricia levou o assunto para casa e avaliou se estava disposta a sair de sua área de formação, onde já tinha uma carreira, para assumir o cargo mais alto da empresa no país – e conciliar o trabalho com o cuidado dos filhos, de 8 e 16 anos à época, e a vida pessoal. “Pensei em tudo isso e voltei com as minhas condições.”
Primeiro, pediu o acompanhamento de um coach durante seu primeiro ano no cargo. Segundo, queria continuar fazendo coisas de que não abre mão: academia três vezes por semana e compromisso com o filho às quintas à tarde, por exemplo. Terceiro: “se não der certo, posso voltar para a posição em que eu estava?”
As condições foram aceitas e a deixaram mais segura para se tornar a primeira mulher a ser country manager da Philips no Brasil. “Sou a primeira, mas não quero ser a última. Essa é uma frase da Fabia Tetteroo-Bueno, nossa líder da América Latina que também é brasileira.”
Sorte e coragem são parte da jornada
A sorte, segundo Patricia, também faz parte da sua jornada, assim como a coragem de aceitar as oportunidades. “A minha carreira estava projetada para ser dentro da área jurídica, e quando alguém te dá um cutucão e abre um leque de oportunidades, você precisa ter coragem de tomar a decisão.”
A executiva entrou como estagiária na PepsiCo, onde passou 13 anos, sempre na área jurídica. “Achei que minha carreira tinha dado uma estagnada. E queria ver como eu era fora da empresa.”
Na Philips, assumiu uma área no departamento jurídico do Brasil. “A partir daí, aconteceram grandes coincidências”, conta. Com um ano de empresa, seu chefe saiu e ela assumiu a cadeira de líder de compliance e jurídico. Dois anos depois, a líder da América Latina migrou para uma posição nos Estados Unidos e ela assumiu. E, em 2019, o country manager da empresa à época também saiu, e Patricia foi chamada para o cargo. “Criar raízes na empresa é muito importante para ter credibilidade e consistência e conquistar posições maiores.”
Flexibilidade traz mais mulheres para liderança
Hoje, a executiva trabalha para puxar outras mulheres e mostrar que é possível equilibrar a liderança corporativa com os interesses pessoais. “Eu já ofereci posições que as mulheres recusaram. Uma delas me falou ‘eu não quero porque eu gosto muito de ser mãe’”.
Ela se sentiu mal e, ao voltar para casa, perguntou aos filhos se estava sendo presente. “Muitas vezes a gente se autoboicota. E meu papel é mostrar para as outras mulheres que elas podem conquistar papéis maiores.”
Patricia faz isso defendendo qualidade de vida e flexibilidade no trabalho. “Na pandemia, a gente ganhou uma flexibilidade que não existia. E hoje eu acredito que as mulheres estão vendo a posição de liderança com mais possibilidade.”
Aos 44 anos, a maior líder da empresa trabalha até nove horas por dia, não deixa pendências para o fim de semana, faz academia, prepara a lancheira do filho – apesar de ter ajuda para isso – e não abre mão de fazer o jantar às quartas-feiras, por exemplo, um programa que ela mesma criou para quebrar “o pior dia da semana”. “A gente não pode deixar a felicidade para depois.”
Ela também tira férias e deixa claro que não deve ser incomodada nesse período, a menos que se trate de uma emergência. “Eu tiro a minha imagem executiva e coloco uma escrito ‘on vacation’. Eu brinco que se você me ligar nas minhas férias, eu vou ligar nas suas.”
Patricia casou aos 20 anos e teve a primeira filha no início da carreira, aos 25. 8 anos depois, quando teve o segundo, já em uma fase mais sênior, não conseguiu ficar longe do trabalho por tanto tempo e voltou da licença com quatro meses. “Eu tive um pouco de insegurança, mas depois entendi que era uma coisa minha.”
A executiva entende que quando se trata de maternidade, não existe momento certo ou errado. Mas, no seu caso, engravidar antes de começar a crescer na carreira foi mais positivo. “Eu queria muito ser mãe e não ia deixar de ter filhos por causa da minha carreira.”
Hoje, ela percebe que o mundo corporativo vem mudando e as mulheres têm mais espaço para tomar essas e outras decisões. “Eu não quero ter que falar sobre esse assunto daqui alguns anos. Eu quero que seja uma coisa muito natural.”
Turning point da carreira
“Foi sair da PepsiCo e ir para a Philips. Eu acho que me abriu uma visão de que eu posso ser uma pessoa vitoriosa em outros lugares também. Porque quando você está em um lugar que você se sente confortável você pensa que é assim por causa da empresa, e não é isso, é você. Você é capaz de fazer coisas diferentes em ambientes que te deem oportunidade para isso.”
Quem me ajudou
“Todo mundo que passa pela nossa vida nos ajuda a ser quem a gente é e chegar aonde a gente chegou. Uma ex-chefe que eu tive na PepsiCo, a Erica Barbagalo, foi a primeira pessoa que passou que me deu reconhecimento. Depois, na Philips, eu tive o Henk de Jong, CEO América Latina quando eu cheguei na empresa, que apostou bastante no meu trabalho. Depois o David Reveco, que foi quem me deu a oportunidade do cargo de líder do Brasil. E hoje eu tenho muito apoio da minha CEO, a Fabia Tetteroo-Bueno, uma brasileira que também fala muito sobre deixar um legado de mulheres.”
O que ainda quero fazer
“Eu sempre falo que você tem que estar preparada para a sua sorte. Não dá para contar só com isso, mas eu acho que a sorte faz parte da minha jornada também. As coisas foram acontecendo sem muito planejamento, foram acontecendo grandes coincidências. E eu falo que eu quero me aposentar e morar na Itália, mas não tem nada planejado. Eu acho que eu estou tão envolvida no meu momento atual que eu não parei para pensar no meu futuro. Ainda pode acontecer tanta coisa, no mundo da tecnologia todo dia você acorda desatualizado. Eu estou deixando a vida me levar, contente e curtindo o momento atual, tanto do lado pessoal quanto profissional. E acredito muito que a gente não pode deixar a felicidade para depois, todos os dias você tem que viver um pouquinho da sua felicidade.”
Causas que abraço
“Não dá para sair das mulheres porque eu sou esse exemplo, mas eu principalmente gostaria de conseguir dar oportunidade para as pessoas de baixa renda, e consequentemente a gente acaba tocando na questão das cores. Eu estou com um programa atualmente de trazer diversidade de cores para dentro da empresa. A gente tem que olhar para dentro e ver a mesma coisa que a gente vê na rua. Hoje eu ainda não vejo, mas é um objetivo que eu estou puxando. E o meu principal foco hoje de programa é para pessoas pessoas de baixa renda. Porque mesmo que essas pessoas não fiquem para sempre na Philips, a gente tem uma função social de preparar para o mercado.”
Minha formação
Direito na Unip e especialização no Mackenzie
A cada quinzena, a seção Minha Jornada traz as histórias de vida e carreira de profissionais inspiradoras.
O post “Quando a sorte chegar, esteja bem preparada”, diz a CEO da Philips apareceu primeiro em Forbes Brasil.