A pesquisadora Mariangela Hungria da Cunha, 64 anos, um dos nomes mais venerados da pesquisa brasileira e quadro da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), mais uma vez receberá um prêmio, desta feita o Prêmio Fundação Bunge 2022 na categoria “Vida e Obra”, no dia 10 de novembro, em São Paulo. Mais uma vez, a segunda neste ano, a mulher que ajudou a mudar a agricultura do Brasil será chamada ao palco para reverências.
Mas nem sempre foi assim. “Eu fiquei grávida no segundo ano de faculdade, depois tive uma filha especial. E todo mundo falava para mim: ‘sua vida acabou, vai ser muito difícil’.” O prêmio criado em 1955 pela multinacional norte-americana está na 66ª edição. Mariangela também está na “Lista Forbes 100 Mulheres Poderosas do Agro”.
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Na unidade da Embrapa Soja, em Londrina (PR) desde 1991, ela responde pelo lançamento de mais de 20 tecnologias para a agricultura. Sua principal linha de pesquisa faz parte do complexo estudo de fixação de nitrogênio no solo, por meio do cultivo da soja, técnica que atualmente leva o Brasil a economizar pelo menos US$ 40 bilhões, por ano, na compra de fertilizante.
“Considerando o preço do fertilizante nitrogenado no mercado, neste ano, que está absurdamente caro – quase US$ 2,5 por quilo de nitrogênio que a gente não aplicando na soja –, a economia vai ficar acima de US$ 40 bilhões”, diz Mariangela. “Isso não veio de um dia para o outro. Foram 50 anos, 60 anos de pesquisa para chegarmos até aqui.”
Entre a gravidez de uma filha especial, hoje com 44 anos – ela tem duas filhas, Carolina e Marcela –, e as atuais pesquisas sobre micro-organismos para a recuperação de pastagens degradadas, atual linha de pesquisa da cientista brasileira, o mérito de Mariangela foi nunca desistir dos sonhos, segundo ela mesma. “Gosto do tema desde criança, quando nem se falava em sustentabilidade”.
Mariangela conta que foi na universidade que viu nascer seu interesse por microrganismos substituindo fertilizantes químicos. “Na época, o que me falavam era que aquilo não tinha futuro, que não havia nada a fazer e que seria melhor ir para fertilizantes químicos. Eu pensava assim: não, eu tenho que ir pelo meu coração. Eu amo microrganismos e quero isso para mim”.
A determinação transformou seu currículo em um manifesto do poder da ciência pensada no longo prazo, um desafio atual para o Brasil. De acordo com a revista Pesquisa Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), a redução do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações no período 2012 a 2021 foi da ordem de 84% — de R$ 11,5 bilhões para R$ 1,8 bilhão, em valores atualizados pela inflação. Isso mostra que a pesquisa no Brasil é movida pela resiliência.
“Foi desafiador, porque no começo o que eu estudava era visto como ‘sexo dos anjos’, e que aquilo nunca faria parte de uma agricultura produtiva. Por isso é importante a gente realmente seguir aquilo que acredita e eu sempre acreditei”, afirma Mariangela.
Hoje, a cientista brasileira tem três pós-doutorado: Cornell University, University of California em Davis, ambos nos EUA, e um na Universidade de Sevilla, na Espanha. A extensão de seus estudos compõe uma lista de difícil compreensão para leigos da ciência, mas fácil de entender ligando os pontos à produção sustentável de alimentos.
Além da fixação biológica do nitrogênio, que é seu carro chefe nas pesquisas, ela pesquisa biodiversidade microbiana, taxonomia e filogenia de procariotos, ecologia microbiana, microbiologia do solo, bactérias promotoras do crescimento de plantas, fisiologia de plantas, produção de inoculantes, tecnologias de inoculação, coleções de culturas de microrganismos e bioindicadores de qualidade do solo. Mariangela é dona de cerca de 500 artigos científicos, livros, capítulos de livros e publicações técnicas.
“Hoje temos a liderança mundial de uso de microrganismos na agricultura também graças aos mentores que eu tive e que me proporcionaram estudar com isso”, afirma. “Há muita riqueza de microrganismos aqui e a gente pode investir muito em bioeconomia. No nosso caso, microbioeconomia.” Vale registrar que a palavra microbieconomia ainda não existe nos dicionários, por ora.
Mariangela já orientou cerca de 100 alunos de mestrado e doutorado, mas para ela não basta. Hoje, entre seus planos está a mentoria de mais mulheres para a ciência. “Não temos que deixar de ser mulher e mãe para sermos profissionais competentes”, afirma. “Tenho certeza que nesta próxima década as minhas palavras de ordem para elas serão agricultura regenerativa, objetivos de desenvolvimento sustentável e economia circular via descarbonização”.
Palanque para sua voz ela já tem, basta ser ouvida ainda com mais ressonância. Mariângela participa do comitê coordenador de projetos da Fundação Bill & Melinda Gates, em projetos da África e Human Capacity Building, foi listada em 2019 e 2021 entre os cientistas mais influentes do mundo pela universidade de Stanford e também no ano passado, em novembro, entrou para a TWAS (Academia Mundial de Ciências na tradução do inglês), organização internacional criada em 1983 na cidade de Trieste, Itália. (2022). “Guardem isso: temos de produzir mais com cada vez menos. E menos significa ser eficiente no uso da terra, no uso da água, no uso da energia e no uso do insumo”, diz Mariangela.
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