São 6h em ponto. O Sol termina de nascer, e o tempo é bem mais ameno do que se imagina para a região em que estamos: o Cerrado, mais especificamente a Pousada Trijunção, uma das únicas hospedagens de alto padrão no bioma. Assim como à noite, no comecinho da manhã as temperaturas baixam, e é nesse clima gostoso que vestimos os casacos e saímos a pé.
Todos levam binóculos para ver em detalhes os pássaros dos arredores. Eles voam com rapidez e, quando damos sorte, pousam nos galhos retorcidos. Entre os pontinhos coloridos que avistamos estão bacurau, arara, joão-bobo, ambu preto e tico tico — apenas algumas das 860 espécies identificadas no bioma.
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A trilha sonora, até então tomada pelo canto dos passarinhos, é interrompida por um som muito particular, um meio termo entre latido e rugido. Todos sabem o que isso significa: um lobo-guará está por perto. Apertamos o passo em direção ao aulido (como é chamada a vocalização do animal) para encontrá-lo antes de perdê-lo de vista.
O medo de desperdiçar a chance vem da noite anterior, na qual tivemos uma tentativa “frustrada” de safári. A experiência, na verdade, é totalmente imprevisível. “Tudo pode acontecer”, enfatizam as biólogas do Onçafari, projeto de conservação da biodiversidade que protege onças pintadas do Pantanal há 11 anos. Hoje, se expandiu para o Cerrado e trabalha junto à Trijunção pelos lobos-guará – espécie ameaçada de extinção, com uma população de menos de 17 mil animais no mundo.
Superterritorialistas, os lobos-guará podem andar quase 50 km por dia, entre as 18h e 7h, quando o clima é mais fresco. Vivem a maior parte do tempo sozinhos, com encontros apenas para procriar. Por isso, saímos de carro às 18h para buscar um dos cinco lobos adultos que habitam livremente a propriedade, cada um em áreas diferentes.
Nas duas horas de passeio, chegamos bem perto do sinal emitido pelo colar com GPS de Nhorinhá – que, assim como no sertão dominado por homens de “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, é a única fêmea entre os que ocupam a região. Mas, mesmo com os equipamentos, ela nos dá um belo drible e anda camuflada pelos arbustos. Faz parte do jogo.
Diferentemente do passeio noturno, a manhã seguinte seria apenas com os pássaros. O Cerrado, no entanto, nos reservava mais: Nhorinhá estava por ali, quase em sua hora de dormir. A imprevisibilidade é, sem dúvidas, uma das belezas do safári. Os dias são ditados em harmonia com a natureza, no tempo dos animais e do Sol, não no nosso.
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Corremos em direção ao aulido e lá está ela, com as pernas longas, os pêlos vermelho-alaranjados e o característico branco na ponta do rabo, andando tranquilamente pela estrada de terra. Todos seguem em silêncio os passos de Nhorinhá, que desfila a menos de dez metros de nós. Mais visível que isso, impossível.
Nos mantemos quietos para não assustá-la, sem tentar qualquer interação. A habituação do animal — isto é, quando ele segue seus comportamentos característicos na natureza, mesmo com a presença humana por perto — é um dos princípios da Trijunção e do Onçafari.
Nhorinhá é o exemplo máximo desse trabalho, que demanda tempo e paciência. Perto de um grupo de dez pessoas a pé, todas eufóricas com sua presença, ela anda sem pestanejar. Temos o privilégio de acompanhá-la por cerca de 15 minutos, antes de ela se camuflar novamente na grama alta.
IMERSÃO NO CERRADO
Esse é só um gostinho do que é se hospedar na Pousada Trijunção. Criada em 2018 para fomentar o turismo sustentável no bioma, a hospedagem de luxo de apenas sete suítes fica “no meio do nada”: dentro de uma propriedade de 33 mil hectares (também com fazenda e um criadouro de animais) no marco da divisa entre os estados da Bahia, Goiás e Minas Gerais. Daí o nome Trijunção.
O que começou como uma tentativa de colocar o Cerrado no mapa dos turistas internacionais, ao lado da Amazônia e do Pantanal, tem atraído o interesse de cada vez mais brasileiros, especialmente depois da pandemia. Quatro anos atrás, gringos representavam cerca de 95% dos hóspedes, mas hoje vêm se equilibrado meio a meio com o público nacional, conta o gerente João Soares.
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Chegar não é tarefa das mais rápidas. As opções são cinco horas de estrada desde Brasília ou 50 minutos da capital em um avião de pequeno porte, serviço que o hotel oferece. Mas é impossível dizer que o tempo gasto (ou melhor, investido) não vale a pena.
A experiência é uma imersão no Cerrado, não só porque sua imensidão nos cerca em todas as manifestações possíveis – savana, campo, floresta e veredas –, mas porque os dias na Trijunção são uma grande aula guiada sobre o segundo maior bioma do país, gravemente ameaçado depois da exterminação de 47% sua da mata nativa.
Ele está por todo lugar, dos materiais dos móveis às artes da decoração da pousada, além dos animais, como preás e saguis, que te dão bom dia e boa noite.
AS ATRAÇÕES DA NATUREZA
O grande foco da Trijunção é o avistamento dos animais selvagens, especialmente com os safáris dos lobos-guará de 4×4. Ainda assim, em todos os outros passeios, os olhares atentos dos guias – todos biólogos – estão sempre na estrada para mostrar outras surpresas pelo caminho.
Voltamos de viagem tendo avistado veados campeiros, emas, cachorros do mato, cascavéis, antas e jabutis, além de uma infinidade de aves (incluindo as lindas araras vermelhas e a jacurutu, a maior coruja das Américas). Alguns poucos sortudos ainda podem cruzar com onças-pardas, que raramente dão as caras por ali.
Em uma das noites, o jacaré-anão, o menor do mundo, é a atração principal. Pegamos um barco para procurar o animal, que se espreita nas margens da Lagoa das Araras, e dois deles aparecem. Mas a maior sorte foi ver o céu impressionantemente iluminado de estrelas, atravessado por uma nítida mancha da galáxia. Difícil descrever e impossível registrar em câmera a mesma maravilha a olho nu.
A Lagoa também é famosa pelo alvorecer, que desfila tons multicoloridos e é cenário para um café da manhã especial no deck. Para não correr o risco de perder o show, é preciso acordar às quatro da manhã.
A uma hora da pousada, fica o Parque Nacional Grande Sertão Veredas, uma homenagem ao icônico romance de Guimarães Rosa. A grande atração dos seus 230 mil hectares de conservação são as veredas, oásis do sertão, cercadas por grandes árvores como os buritis. As lagoas cristalinas possibilitam banhos seguidos de piqueniques no parque.
ATENÇÃO AOS DETALHES
Na Trijunção, o luxo está nos detalhes. Claro que a cama king-size com lençóis Trousseau, a piscina com vista e o spa com ofurô e massagem enchem os olhos. Mas são os pequenos cuidados que fazem toda a diferença, desde as mantas e bolsas de água quente nos safáris aos docinhos com ingredientes locais deixados no quarto antes de dormir.
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A gastronomia, inclusive, é outro grande destaque. Com sistema all inclusive, o cardápio carrega influências dos três estados: carne seca, aipim, pequi, dendê, castanha de baru e goiabada são alguns dos ingredientes que aparecem pelos pratos. Uma das noites até conta com um jantar especial, com direito à costela no fogo de chão e cancioneiro ao vivo.
Já as frutas típicas do Cerrado, como o buriti, cupuaçu e tamarindo, aparecem in natura e em forma de sorvetes, sucos, drinks (prove o mojito de cajá) e geleias. Por lá, também não deixe de experimentar o suco feito com o fruto da juçara, a “versão sertaneja” do açaí.
Os dias isolados na quietude do Cerrado se fazem completos com a equipe de funcionários. Impossível voltar para a casa sem ter gravado na memória os nomes dos biólogos Vini, Rayanne, Thaís, Bella, João, Pedro e Marisa, apaixonados por apresentar todos os detalhes do bioma, de sua fauna e flora.
É o conhecimento e serviço personalizado dessas pessoas que fazem a grande experiência da Pousada Trijunção acontecer. A exclusividade também faz parte, pelas apenas sete suítes disponíveis – com diárias a partir de R$ 2.500 para duas pessoas.
Com o lema de “espalhar a palavra do Cerrado”, a pousada faz perceber que só verdadeiramente se conhece a beleza do bioma quem o vê de perto. E quando o faz, aí se tem a certeza de que Guimarães Rosa tinha razão: o sertão é mesmo do tamanho do mundo.
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