Em setembro, o bitcoin (BTC) esteve brevemente “descorrelacionado” de ações de tecnologia. O índice Nasdaq caiu 12%, mas a criptomoeda ficou firme (pelo menos até a semana passada).
O que está acontecendo? Seu palpite é tão bom quanto o meu porque, ao contrário de outros ativos, o bitcoin não tem muito valor de referência. Ele não serve como moeda (ou meio de troca). Não podemos comprar nada, ou quase nada, com ele sem usar uma moeda fiduciária, aquelas que você usa no dia-a-dia.
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E apesar de suas cotações oscilarem como as das ações de tecnologia, também podemos comparar. Ao contrário de uma ação, o bitcoin não gera lucros nem paga dividendos. Então, o que é o bitcoin e como podemos colocar uma etiqueta de preço nesse ativo?
Um conto de fadas descentralizado
Uma moeda descentralizada é uma bela ideia democrática, e você pode discutir indefinidamente porque ela é melhor que as moedas fiduciárias. Mas a dura verdade é que nenhum governo, por mais democrático que seja, abrirá mão de controlar sua moeda.
Não é preciso olhar muito para trás para ver do que eles são capazes. Pense no ouro. É a moeda mais antiga do mundo e é usada até hoje. Mesmo depois que as moedas fiduciárias o substituíram, é um dos ativos de reserva vitais dos bancos centrais e, de longe, a classe de ativos alternativos mais popular.
E, no entanto, sempre que o ouro ameaçou tirar o poder do governo de controlar o dinheiro, os legisladores rapidamente intervieram.
Um bom exemplo são os EUA durante a Grande Depressão. Em 1931, o país enfrentava a pior crise financeira da história. Mas, ao contrário de hoje, as mãos do Fed estavam atadas. O banco central americano não podia imprimir todos os dólares necessários para sustentar a economia porque a moeda estava ligada ao ouro.
Franklin Roosevelt aprovou a Ordem Executiva 6102, mais tarde apelidada de “Grande Confisco”, que forçou os americanos a entregar seu ouro a taxas bem abaixo do mercado. Isso permitiu que o Fed imprimisse mais dólares para apoiar a economia e reforçar a taxa de câmbio. Mais tarde, o dólar foi novamente atrelado ao ouro a um preço 50% mais alto.
E os EUA não estão sozinhos. Nas décadas de 1950 e 1960, a Austrália e o Reino Unido realizaram “confiscos” de ouro semelhantes para impedir o declínio de suas moedas.
Sem risco político
Politicamente, proibir o bitcoin agora seria um passeio no parque em comparação com os problemas do Grande Confisco e das outras medidas que os governos tomaram no passado. Então temos que ser realistas. A menos que haja alguma mudança política que destrua a ordem mundial como a conhecemos, as chances do bitcoin como moeda são muito pequenas. Se crescer demais para competir com o dinheiro, os legisladores vão comê-lo vivo.
No entanto, o fato de o bitcoin não poder se tornar uma moeda não significa que ele não tem valor. O bitcoin não compete com o dinheiro, ele concorre com o “seguro” contra as moedas fiduciárias.
Do ponto de vista ideológico e de investimentos, o bitcoin é mais uma commodity do que uma moeda. Mais precisamente o ouro, uma das commodities mais caras e “inúteis” do mundo.
Ao contrário de outras commodities como ferro, cobre e petróleo, o ouro tem uso limitado. Por exemplo, 3 mil toneladas de ouro foram desenterradas e vendidas no ano passado. E desse montante, apenas 35% foi para eletrônicos e joias. O resto foi derretido em barras e moedas e guardado em cofres.
O ouro também não tem valor legal. Você não pode entrar na Pizza Hut, deixar cair uma lasca de ouro no balcão e esperar receber uma fatia de pizza em troca. E, no entanto, os bancos centrais detêm 34 mil toneladas do metal em suas reservas. Investidores institucionais e individuais contam com cerca de US$ 2,7 trilhões em ouro. E a cada ano, as explorações de ouro continuam crescendo e crescendo.
No formato, o bitcoin é provavelmente a coisa mais distante do ouro que você pode imaginar. Mas como classes de ativos, os dois são muito parecidos. Assim como o ouro, o bitcoin tem pouca utilidade. Seu suprimento é limitado – não por natureza, mas por design. E seu valor depende puramente da oferta e da demanda, e não da política monetária.
O bitcoin pode substituir o ouro?
O ouro tem uma trajetória impressionante como reserva de valor. Ele vem defendendo as pessoas da inflação por mais de 5 mil anos. Uma regra é que uma onça (31,1 gramas) de ouro vale o mesmo que um bom terno (se você duvida, tente conferir).
O problema é que, para ser usado como reserva de valor, o ouro é caro para se armazenar e se negociar, e muito pouco ilíquido. Além disso, segurar lascas de metal em um cofre hoje em dia é um pouco arcaico.
É aqui que entra o bitcoin. Tecnicamente, ele em tudo para substituir o ouro como uma reserva de valor mais conveniente.
Sim, é digital, mas é minerado em um sistema desenhado para torná-lo escasso. Ele é armazenado no blockchain, o que permite a qualquer pessoa usá-lo ou produzi-lo, sem supervisão centralizada como o ouro. E sua “política monetária”, que é amplamente deflacionária, é ditada pelas pessoas que a utilizam.
Portanto, a pergunta que os investidores de criptomoedas devem fazer não é “O bitcoin vai substituir o dólar?” mas sim “A criptomoeda convencerá os investidores institucionais a trocar seu ouro por bitcoin como parte de sua alocação de 5% no portfólio?”
Nova reserva de valor?
O bitcoin está amadurecendo para se tornar uma reserva de valor? Ele percorreu um longo caminho e merece crédito. Alguns anos atrás ele era ridicularizado como dinheiro fictício de nerds pelos investidores institucionais. Warren Buffett notoriamente o chamou de “veneno de rato ao quadrado”.
Porém, durante a pandemia provocada pelo coronavírus, os investidores começaram a reconhecer o bitcoin como uma alternativa legítima às classes de ativos tradicionais, e que merece um lugar no portfólio.
Claro que temos que ter cuidado ao tirar conclusões precipitadas de tais movimentos. Por um lado, a adoção de criptomoedas tornou-se um truque de marketing, que gera muita mídia gratuita e pode atrair uma multidão de clientes aficionados por criptomoedas.
E ainda temos que ser cuidadosos com a adoção do bitcoin pelo mercado financeiro, já que os bancos que montam produtos financeiros (o “sell side”) não investe nem ganha dinheiro com a valorização dos ativos. Eles são formadores de mercado que lucram com corretagem e taxas de administração. Tudo o que importa é o volume. Se houver demanda por um ativo, eles farão tudo o que estiver ao seu alcance para satisfazê-la.
O que dizem os preços?
Outra maneira de representar a opinião do mercado sobre o bitcoin é observar suas correlações. Até o Covid, os preços não tinham direção definida. Era uma coisa estranha e nerd que muitas pessoas não entenderam, e a criptografia do blockchain não se correlacionou com nada.
Então veio a pandemia e o bitcoin encontrou sua nova “identidade”. De repente, sua tecnologia se tornou algo mais conhecido, e seus preços começaram a acompanhar os movimentos da Nasdaq.
Essa correlação cresceu constantemente durante a pandemia e chegou a 0,8 em 2020, em uma métrica onda 1 quer dizer ativos que se movem em perfeita sincronia. Poucas classes de ativos e setores têm uma correlação tão forte.
O que significa que o mercado não comprou bitcoin por sua promessa original. Não era uma proteção contra a desvalorização fiduciária ou o fim das finanças tradicionais. Em vez disso, era um investimento altamente especulativo e de risco.
De fato, a maior alta do bitcoin ocorreu no fim de 2020, apenas quando os dólares do Fed desencadearam um boom especulativo e ficou claro que havia muito dinheiro a ser ganho com apostas arriscadas. Compare isso com o ouro, que já atingiu o pico de US$ 2 mil por onça em julho.
Mas agora, pelo menos brevemente, o bitcoin seguiu seu próprio caminho. É claro que essa “independência” em relação às ações durou apenas um mês. Ela deixou de existir nesta semana, quando o bitcoin afundou com as ações após a divulgação de uma inflação mais alta do que o esperado. Portanto, é muito cedo para tirar conclusões precipitadas.
Trilhões investidos
Só por curiosidade, o que aconteceria se o bitcoin se mostrasse como uma reserva de valor convencional?
Estimou-se que os investimentos privados em ouro (excluindo as reservas do banco central) totalizaram mais de US$ 2,3 trilhões no ano passado. Se o bitcoin capturasse apenas metade desse “mercado de reserva de valor”, ele sozinho quadruplicaria seu valor de mercado.
Se o bitcoin não é muito mais do que uma reserva de valor, ou seja, ele não serve como meio de troca nem tem qualquer aplicação além disso, então isso invalida sua eventual superioridade digital em relação ao ouro. E, nesse caso, o ouro precisa ser substituído por um ativo digital que fica “em um cofre” de qualquer maneira?
Não estou dizendo não, mas seria interessante dar uma olhada pragmática no bitcoin e no ouro como reservas de valor de diferentes pontos de vista – incluindo economia, sustentabilidade e ética. Mas isso fica para outro dia.
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O post Será que o bitcoin finalmente achou sua identidade? apareceu primeiro em Forbes Brasil.