A agricultora Veridiana Costacurta, 52 anos, sempre acreditou na conservação e preservação do meio ambiente. É de sua família a fazenda Morro Azul, no município de Jardinópolis, a 17 quilômetros de Ribeirão Preto (SP), uma área de 213 hectares, dos quais 135 hectares são de mata nativa, o equivalente a 63,3% da propriedade. A área preservada é três vezes o que a lei determina para o estado: 20% como reserva legal.
Há cinco anos, a fazenda montou um plano de ecoturismo, abrindo a porteira para visitas a três cachoeiras, das quatro existentes, e para trilhas. “É nossa forma de mostrar que progresso e preservação ambiental podem andar juntos”, diz a agricultora, que é formada em turismo. Outra parte da propriedade segue com o cultivo de cana-de-açúcar. A região de Ribeirão Preto, que compreende 19 municípios, dedica à cana cerca de 350 mil hectares, de acordo com o EDR (Escritório de Desenvolvimento Rural de Ribeirão).
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E é aí que começa o desafio. Como cuidar das áreas nativas para que elas sejam preservadas e, se possível, gerem renda ao produtor. Isso porque a preservação ambiental, que é proteger em toda propriedade a reserva legal e a App (áreas de preservação permanente), além das áreas extras como ocorre na fazenda Morro Azul, exige esforços financeiros. Não por acaso, empresas e consultorias dedicadas a esse mercado vêm se estruturando no país.
“O mercado de preservação ambiental vem ganhando força em todo o mundo e o Brasil tem se mostrado preparado”, diz o engenheiro agrônomo José Augusto Sousa Júnior, fundador e CEO da Mata Nativa Br, que faz consultoria e assessoria desde o final dos anos 1990 em meio ambiente, mineração, urbanismo e resíduos sólidos. “É o setor do agronegócio se mostrando preparado para produzir de forma sustentável, gerando renda, através dos trabalhos de manutenção e melhoria das áreas ambientais das propriedades rurais.”
A tarefa não é pequena. Segundo a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), os produtores rurais preservam 218 milhões de hectares no interior de seus imóveis, área equivalente à superfície de dez países da Europa. No caso da fazenda Morro Azul, a agricultora Veridiana conta que além de cuidar das áreas nas quais pode tirar alguma renda, um dos desafios é a possibilidade de incêndios, que são comuns na região. “Ano passado quase fomos atingidos. O que nos salvou foi a própria umidade da mata preservada”, afirma.
A filha da agricultora Veridiana, que também está na administração da propriedade, Thaís Costacurta, 27 anos, formada em cinema e comunicação social, diz que mesmo assim está cada vez mais atenta às possibilidades de apoio para manter a mata nativa, “sua flora, com espécies da mata atlântica, e fauna, com animais como tamanduás, onça parda, macaco prego e capivara”, afirma. “Bem como espécies que chegaram na fazenda refugiadas: caso do tuiuiú, natural do Pantanal, e o lobo guará, do Cerrado brasileiro.”
Thaís fala da possibilidade de rentabilizar a propriedade também com a venda de créditos de carbono e com o PSA (Pagamento por Serviços Ambientais). O mercado de carbono movimentou globalmente cerca de US$ 2 bilhões no ano passado, a maior parte de projetos do mercado voluntário que é aquele não regulamentado pelos governos. No Brasil, em maio, foi publicado um decreto que estabelece procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e instituiu o Sinare (Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa).
Já o PSA foi instituído em janeiro de 2021, com o objetivo de levar benefícios ambientais à sociedade por meio da manutenção, recuperação e melhoria de áreas de vegetação florestal. Este é um mercado embrionário no farol dos produtores rurais, que podem comercializar, por exemplo, as CRAs (Cotas de Reserva Ambiental). Elas são usadas para compor áreas de reservas legais de propriedades que não possuem o mínimo de vegetação nativa que, por lei, variam de 20% a 80% do total da propriedade, a depender a região. No bioma Amazônia, por exemplo, vale o máximo.
Preservação da natureza precisa de recursos
Um exemplo promovido pela Mata Nativa Br foi a doação da fazenda Ribeirão da Serra ao governo do estado de São Paulo. A fazenda passou a fazer parte do Parque Estadual Carlos Botelho, no município de Sete Barras (SP), a 460 quilômetros de Jardinópolis, onde está a fazenda da agricultora Veridiana, totalmente dentro do bioma Mata Atlântica. Em troca, a Mata Nativa Br recebeu o equivalente em Cotas de Reserva Legal que podem ser negociadas com agropecuaristas para a composição de suas áreas de Reserva Legal. Esse é o tipo de renda que ajuda na gestão dos custos das propriedades.
“Assim, Veridiana e Thais, além de proprietários rurais de áreas em todos os biomas nacionais, começam a encontrar formas de preservar tendo acesso ao capital proveniente de empresas que querem mostrar ao seu público consumidor que fazem muito mais que apenas a neutralização do carbono”, afirma Sousa Junior.
Ainda que embrionário, o mercado de PSA no Brasil começa a se estruturar para atrair um capital que não é pequeno. No mês passado, um estudo apresentado pelo Boston Consulting Group, intitulado “Brazil Climate Report 2022: Seizing Brazil’s Climate Potential”, durante o Brazil Climate Summit, em Nova York, apontou que o país pode atrair até US$ 3 trilhões em investimentos para meio ambiente até 2050. Enquanto o estudo também afirma que descarbonizar a economia mundial, para se atingir uma transição de zero-carbono, serão necessários investimentos globais de até US$ 150 trilhões em três décadas, ou até US$ 5 trilhões por ano até 2050.
“Já possuímos diversas vantagens em recursos naturais, agora é importante que investidores ajudem a destravar todo o potencial do país”, diz Arthur Ramos, diretor executivo e sócio do BCG. “As oportunidades calcadas nos pilares de carbono, energia, agricultura e bens industriais sustentáveis reforçam ainda mais o Brasil como uma potência “verde” global.” No caso da agropecuária, o estudo aponta que o país pode ser líder em reflorestamento.
Os chamados estão por toda parte. Vai dos grandes projetos em sistemas integrados, como a ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta) que já está implantada em 17 milhões de hectares, área quase duas vezes o tamanho de Portugal, mas ainda é pouco e se espera pelos menos o dobro dessa área, às pequenas ações. O mais recente edital da Fundação SOS Mata Atlântica, por exemplo, propõe a criação de RPPNs (Reservas Particulares do Patrimônio Natural) no território do Mosaico da Bocaina, região que se estende do sul do estado do Rio de Janeiro ao litoral norte do estado de São Paulo.
A área é um conjunto de 18 UCs (Unidades de Conservação), cinco terras indígenas e quatro territórios quilombolas. As RPPNs ajudam na manutenção do bioma como única categoria de UC criada e mantida por proprietários particulares, sem recursos do governo. Na prática, o proprietário decide transformar sua terra ou parte dela em uma reserva, assumindo o compromisso perpétuo com a conservação da natureza. Na Mata Atlântica, as RRPNs somam 1.280 reservas e protegem cerca de 235 mil hectares. Nos últimos 35 anos, a Fundação SOS Mata Atlântica pavimentou o apoio de cerca de 500 UCs públicas e privadas, com investimentos da ordem de R$ 15 milhões.
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