Crise dos fertilizantes na UE está se tornando uma crise alimentar

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Preços dos alimentos estão em alta e sem perspectivas de baixa, porque falta insumos para produzi-los

O Barclays afirma que a UE (União Europeia) está caminhando para uma “profunda recessão”. O Goldman Sachs chama a situação na Europa de “terrível”.  Por isso, o FTSE Europe (índice de ações europeias) caminha para se tornar um ativo em dificuldades. Seu problema mais recente: a escassez de fertilizantes.

A Europa está em crise há dois anos, sem colocar na conta a Grande Recessão pós-2008 e o Brexit – a saída do Reino Unido da União Europeia. A mais recente crise é bem conhecida: a energia. A outra crise é a do alimento e os insumos necessários para cultivá-lo, muitos dos quais são derivados de petróleo e gás, ou requerem insumos calóricos maciços para a produção. Essas crises se devem a falhas políticas e à guerra russa com a Ucrânia. Está aí a mais recente de uma linha de “realizações” da UE na capacidade de atirar no próprio pé.

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Em 25 de agosto, a Yara International, na Noruega, disse que cortará a produção de fertilizantes à base de nitrogênio diante da disparada dos preços do gás natural, pressionando mais a inflação dos alimentos em uma região destruída pelos altos preços das commodities.

Outras empresas de fertilizantes na Europa estão interrompendo temporariamente as operações por causa dos altos custos de insumos – principalmente gás natural. O cenário está piorando porque Gazprom não está mais enviando gás via Nord Stream, o gasoduto Rússia-Alemanha que era uma das principais fontes de gás natural importado para a Europa Ocidental. Esta é a punição de Putin à Europa por apoiar a Ucrânia.

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Mapa do Nord Stream2, no parque industrial de Lubmin, programado para entrar em operação no final de 2019

No entanto, os preços do gás natural caíram recentemente, à medida que os especuladores saíram de cena, após enormes altas nos preços este ano. O levantamento da proibição do fracking pelo Reino Unido e as conversas sobre um retorno à energia nuclear também ajudaram a baixar os preços. Mas preços do gás natural terão que continuar caindo. Eles ainda estão acima de US$ 100 (cerca de R$ 540) por megawatt-hora em relação a junho.

Esse impacto está sendo sentido no negócio de fertilizantes, que está encolhendo nos últimos tempos. As empresas Grupa Azoty e a PKN Orlen [do setor químico da Polônia] anunciaram planos para parar de produzir fertilizantes à base de nitrogênio, em agosto, junto com a Yara. A CF Fertilizers, do Reino Unido, parou de produzir fertilizantes em setembro de 2021, citando custos de insumos associados a combustíveis fósseis.

Um editorial de 6 de setembro, na Newsweek, cravou a sentença: a crise energética da Europa está se transformando em uma crise alimentar.

Cerca de 70% do custo de produção de fertilizantes estão no preço do gás natural. A Europa precisa que esses preços continuem a cair.

De acordo com o CRU Group, uma empresa de inteligência de negócios especializada em commodities, os produtores de fertilizantes na UE estão perdendo cerca de US$ 2.000 (R$ 10.800) para cada tonelada de amônia que colocam no mercado. (A amônia, feita de um átomo de nitrogênio e três átomos de hidrogênio, é um componente chave na fabricação de fertilizantes.) Mesmo assim, no início de 2021, uma tonelada de amônia custava aos agricultores da Europa Ocidental cerca de US$ 250 (R$ 1.350) por tonelada. Esse mesmo fertilizante, hoje, está sendo vendido por cerca de US$ 1.250 (R$ 6.750) por tonelada.

Rússia bloqueada em quase todos os sentidos

A Rússia foi bloqueada do mercado, mas os preços mais altos obtidos por seus produtos – como fertilizantes – significam que as empresas estão resistindo às sanções, por enquanto.

A Rússia é responsável por cerca de 10% da produção global e 20% do comércio internacional de fertilizantes. Um acordo das Nações Unidas, no início de setembro, para desbloquear carregamentos de fertilizantes e grãos ucranianos e russos nos portos do Mar Negro foi o maior avanço da guerra até agora. Mas o governo da Rússia disse que o acordo não era suficiente. A medida não foi suficiente para remover restrições e gargalos mais profundos ao longo da cadeia de suprimentos.

Não há proibições diretas aos fertilizantes russos, mas há sanções indiretas – como sanções a donos de empresas, executivos de negócios dessas companhias, finanças, maquinário, peças de reposição e sanções logísticas sobre remessas por via marítima e ferroviária através dos países bálticos.

A Rússia havia retaliado a Europa em março por sanções, interrompendo temporariamente as exportações de fertilizantes. Eles mudaram de tom quando ficou claro que clientes em outros países, que podem ser compradores desse fertilizante via Europa, estariam em grandes apuros – na África, por exemplo.

A Rússia já havia colocado restrições às suas exportações de alguns fertilizantes no passado. Eles fizeram isso em novembro de 2021, para reforçar o suprimento aos agricultores locais. O mercado de fertilizantes não sinalizou uma crise, porque não havia ameaça de os preços do gás natural darem errado. Isso terminou quando a guerra eclodiu na Ucrânia, em fevereiro.

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Fertilizantes estão entre os principais insumos para aumentar a produtividade das lavouras

Desde então, houve vários desvios de fertilizantes e matérias-primas russos necessários para sua produção, especialmente na Letônia, Lituânia e Estônia. Esses três países bálticos estão em uma Guerra Fria com a Rússia nos últimos 10 anos. O trânsito ferroviário por esses países, bem como o transbordo por seus portos, é restrito. Esta é uma das principais rotas para o fornecimento de fertilizante russo para a Europa. Por exemplo, 80.000 toneladas de fertilizantes estão presos no porto da Estônia e representam uma enorme ameaça para a comunidade local.

A Rússia carece de terminais portuários para contornar essas restrições. A cadeia de abastecimento foi criada para distribuição através dos países bálticos e não pode ser alterada facilmente. A Rússia também tem capacidade de exportação limitada.

Em 10 de agosto deste ano, a comissão de comércio da União Europeia publicou uma atualização sobre as sanções russas. O FAQ atualizado incluiu regras relacionadas ao transporte de certas cargas da Rússia, incluindo carvão e outros combustíveis fósseis sólidos, bem como fertilizantes. O documento informa às seguradoras e companhias de navegação que as proibições de empresas que atendem às exportações de alguns fertilizantes se aplicam a remessas para qualquer lugar do mundo.

Essas sanções se estendem ao financiamento e seguro por empresas da UE, independentemente da origem da empresa que realiza a transferência – o que significa que uma empresa com sede na Europa, que compra matérias-primas na Rússia, enfrentaria o risco de sanções. Isso coloca os fertilizantes russos em uma espécie de purgatório, com acesso às rotas marítimas, um pesadelo de conformidade. O grão ucraniano só agora está saindo do país e encontrando seu caminho para a Europa.

As maiores empresas russas de fertilizantes – nenhuma delas sancionada – também estão paralisadas financeiramente para realizar operações comerciais porque suas contas bancárias na Europa foram congeladas. Em alguns casos, os bancos europeus aceitam pagamentos com relutância, com medo de serem atingidos por multas de sanções. Deixado com uma capacidade restrita de realizar transações financeiras, o comércio de fertilizantes da Rússia se torna um cavalo de três patas mancando em direção a um mercado agrícola europeu que ainda quer alcançar à linha de chegada.

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Em alguns casos, sanções pessoais a indivíduos vinculados a empresas tornam os negócios inviáveis ou menos atraentes para os importadores. Vladimir Rashevskiy renunciou ao cargo de CEO do EuroChem Group em 15 de março de 2022, após sanções impostas pela UE.

O fundador da empresa, Andrey Melnichenko, também foi sancionado. A atitude oficial da Suíça, em relação à empresa com base nas sanções desses dois indivíduos, era de que se ela viesse a falir não haveria nada a fazer.

“A EuroChem, como empresa suíça, está legalmente obrigada a cumprir a lei suíça, incluindo sanções”, disse a Secretaria de Estado de Assuntos Econômicos da Suíça à Reuters, em junho. “Cabe à Eurochem tomar as medidas necessárias dentro do sistema jurídico suíço para permitir que a empresa continue a existir.”

Samir Brikho, presidente da EuroChem, disse sobre a política de sanções: “Observamos os anúncios da Comissão Europeia nos últimos dias, mas ainda não experimentamos nenhum grau de proteção e vemos uma desconexão entre os objetivos da UE e a realidade”.

A EuroChem não está sozinha. A Uralkali, uma das maiores produtoras de potássio do mundo, também está livre de sanções, mas seu acionista majoritário, o bilionário Dmitry Mazepin, um conhecido fã da Fórmula 1, não está. Ele cedeu o controle da empresa em março, reduzindo sua participação para 48%.

O CEO da PhosAgro, Andrey Guryev, teve que fazer a mesma coisa. Ele também é sancionado. Em 20 de agosto de 2022, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, anunciou que as Nações Unidas estavam trabalhando com os Estados Unidos e a União Europeia para superar os obstáculos aos fertilizantes russos que chegam aos mercados mundiais.

“Há um certo número de obstáculos e dificuldades que precisam ser superados em relação ao transporte, ao seguro e ao financiamento. Obter mais alimentos e fertilizantes da Ucrânia e da Rússia é crucial para acalmar ainda mais os mercados de commodities e baixar os preços para os consumidores”, disse Guterres.

As maiores empresas da Rússia estão preocupadas que executivos sancionados, mesmo aqueles que renunciaram aos seus cargos ou renunciaram à participação societária, tornarão as coisas mais difíceis para fazerem negócios com a Europa.

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, disse em 6 de setembro que estava conversando com as Nações Unidas sobre as questões de alimentos e fertilizantes, mas lhe falta credibilidade como defensor da guerra na Ucrânia.

“Continuamos a trabalhar com vários obstáculos dentro dos regimes de sanções existentes para facilitar a exportação de grãos e fertilizantes russos”, disse o porta-voz da ONU, Stephane Dujarric, no início deste mês.

No mês passado, a agência de notícias Interfax citou o ministro do Comércio russo, Denis Manturov, dizendo que as exportações de fertilizantes caíram 7% no primeiro semestre do ano.

Mas, graças aos preços mais altos, as empresas russas estão indo bem. Esses preços estão fora dos limites para os investidores dos EUA. A PhosAgro, que costumava negociar na Bolsa de Valores de Londres e viu o preço de suas ações cair de uma alta de GBP23,64, em 16 de fevereiro, para 0,05 libras, disse em sua divulgação de resultados de 18 de agosto que a receita do primeiro semestre de 2022 aumentou 90,9%, totalizando RUB 336,5 bilhões (US$ 4,4 bilhões ou R$ 23,75 bilhões). As vendas de fertilizantes aumentaram 10,2% no ano, para quase 5,7 milhões de toneladas.

No entanto, isso não representa ganho de dinheiro para a máquina de guerra de Putin. As receitas das vendas de fertilizantes representam um décimo de um por cento do orçamento russo. Sancionar os produtores de fertilizantes, enquanto a Europa e o mundo estão famintos por fertilizantes, faz tanto sentido quanto dar um tiro no próprio pé.

* Kenneth Rapoza é colaborador da Forbes EUA e escreve sobre tendências de negócios globais e investimentos, principalmente em mercados emergentes. Por cinco anos foi funcionário da Dow Jones/WSJ no Brasil. É analista com foco na China, na Coalition for a Prosperous America.

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