O que Bruce Lee tem a ver com quiet quitting (e com você)?

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“Seja sem forma, sem contorno, como a água.”

Nos minutos iniciais de “Be Water”, documentário que retrata a breve carreira do mestre das artes marciais, Shannon Lee resume em poucas palavras a filosofia do pai: “Ele apenas acreditava em si mesmo profundamente, sabia que tinha algo para compartilhar que valia a pena. E ele sabia o quanto estava disposto a trabalhar por isso”.

E Bruce Lee trabalhou, com extrema dedicação, em uma jornada pessoal pela disseminação das artes marciais e da cultura chinesa pelo mundo. Seu empenho, entretanto, não se traduziu no sucesso cinematográfico imaginado por Lee ao desembarcar em Los Angeles.

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Lee precisou se adequar ao padrão da indústria americana, conquistando os papéis coadjuvantes que cabiam aos atores não-brancos. Rejeitado em LA, voltou à terra dos pais, Hong Kong, onde protagonizou quatro longas de sucesso que o elevaram à categoria de estrela internacional. Sua morte prematura, aos 32 anos, impulsionou as artes marciais como um fenômeno global, um reconhecimento tardio a Bruce Lee, que se tornaria um ícone da cultura pop no século 20.

Além de ter criado uma ponte entre oriente e ocidente, e transformado a maneira como asiáticos eram retratados no cinema, Lee deixou como legado sua maneira de enxergar o mundo. Seus pensamentos são cada vez mais atuais, entre eles, a importância de se adaptar às diferentes realidades com as quais convivemos, sem estar preso a uma só mentalidade.

Dessa filosofia, surgiu seu ensinamento mais famoso, que dá nome ao documentário: Esvazie sua mente. Seja sem forma, sem contorno, como a água.

Se você coloca água em um copo, ela se torna o copo. Você coloca água em uma garrafa, ela se torna a garrafa. (…) Seja água, meu amigo.

“Trabalhe duro, descanse pouco”?

Tudo isso posto, a história do documentário me fez pensar na atual tendência do quiet quitting que, definitivamente, Lee não conheceu.

Trabalhe duro. Descanse pouco. Agradeça por ter um emprego. Tenha orgulho em dizer que ficou no escritório mais que o necessário. Repita até ser promovido.

Foi com este mantra que eu e uma geração inteira crescemos, como uma fórmula certa para o sucesso. Ou, no caso de muitos, para um burnout, muito antes de ouvirmos essa palavra pela primeira vez. Como contraponto, nas últimas semanas um termo ganhou notoriedade, o quiet quitting. Do TikTok para as páginas do The New York Times. A ideia por trás da “demissão silenciosa” poderia ser resumida em uma frase: você não é o seu trabalho. Um verdadeiro escândalo para alguns, uma realidade para outros.

Não posso negar que ter trabalhado muito, no mínimo 10h por dia, me ajudou a chegar à minha posição atual. Desde pequena, ouvia a história de que meu pai só conseguiu abrir o tão sonhado negócio próprio porque minha mãe pôde sustentar a casa sozinha por quase dois anos. Ele havia largado o emprego no setor de crédito e cobrança na Metalúrgica Mormano enquanto ela conseguia pagar as contas em dia sendo funcionária pública da Câmara Municipal de São Paulo.

Para minha família, trabalho significava progresso, ascensão social, garantia de cursar uma boa faculdade. Cresci enxergando as recompensas proporcionadas por um emprego, que iam além da questão financeira. Estavam relacionadas à realização pessoal. Era o que fazia minha mãe sair para trabalhar enquanto meu pai se dedicava ao negócio 14h por dia, 6 dias por semana. Sem questionamentos ou hesitações. Ter um propósito claro por trás foi e continua sendo um motivador para a minha família. E é o que me faz amar o que faço.

Aqui é importante um recorte. Estamos falando de uma família branca de classe média em São Paulo. Tenho plena consciência do privilégio e das portas que nos foram abertas por conta dessa realidade. Para a maioria da população, temas como propósito ou legado precisam antes dar lugar às necessidades mais básicas e emergenciais.

Na minha jornada, me lembro do passo inicial como se fosse hoje. Sharon Weissman Beting, ex-chefe, amiga e mentora, me ligou para contar que eu havia passado na entrevista, e que começaria a trabalhar imediatamente na icônica agência W/Brasil. Chorei até secar a última lágrima.

Chegava todos os dias às 7h30 para as aulas de inglês e só voltava para casa quando não havia mais nada pendente, lá pelas 20h, feliz por ter o privilégio de aprender com os melhores.

Exagero? Certamente, mas segundo a psicoterapeuta belga Esther Perel, não espere subir degraus na sua carreira se você não estiver disposto a ir além. Isso vale tanto para gerentes de bancos quanto para astros de Hollywood.

Quiet quitting não é só da geração Z

À primeira vista, o quiet quitting parece uma rebeldia de jovens que vieram questionar os valores “sagrados” de uma sociedade. A questão é que pesquisas recentes mostram que ela vai além. Na onda da Great Resignation (Grande Demissão), altos executivos americanos também estão deixando seus empregos, fugindo do alto estresse, pressão e esgotamento.

A questão é: o que é uma vida de sucesso? Você realmente precisa amar o que faz?
E mais: você precisa almejar o cargo mais alto de uma empresa? Para quê?

Cada vez mais gente acha que não. E é nesse momento que entra a água.

Precisaremos de flexibilidade e transparência para aterrissar em um bom lugar para todos. Juntos, também poderemos responder aos questionamentos sobre a tendência.

Descompromisso ou imposição de limites?
O que é inegociável para mim?
Fenômeno geracional ou uma nova forma de enxergar o trabalho?
Onde propósitos e sentimentos não-reconhecidos entram nessa história?

Precisaremos ser como a água para que possamos nos conectar com as novas gerações. Um processo, como a de uma mentoria reversa, baseada na escuta, em que os mais novos possam compartilhar suas visões de mundo, é necessário. Seja a respeito de novos comportamentos, ferramentas e tecnologias, seja ressignificando antigas (e talvez obsoletas) relações de trabalho.

O segredo, como diria Bruce Lee: “Adapte-se. Seja água.”

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