eVTOLs: o mercado bilionário de “carros voadores” vem aí

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Foto: Eve Air Mobility/ Divulgação

Em setembro, a Eve iniciou suas simulações testes para as operações em eVTOLs em Chicago, nos Estados Unidos

Os roteiristas de ficção científica a partir dos anos 1950 imaginaram um futuro onde muitos dos problemas cotidianos estariam resolvidos. Robôs para trabalhos domésticos, casas inteligentes e carros voadores seriam as soluções. Algumas dessas ideias já chegaram e os veículos voadores podem começar a fazer parte da paisagem em breve, ainda que de maneira diferente da imaginada pelos roteiristas de ficção.

Sua denominação oficial é eVTOL (sigla em inglês para “decolagem e aterrissagem vertical elétrica”). Não são exatamente carros voadores, tampouco são helicópteros ou jatinhos de pequeno porte. São aeronaves que pousam e decolam com mecanismos similares aos dos drones. Atualmente, cerca de cem empresas desenvolvem protótipos de eVTOLs. Entre elas a Eve Air Mobility, uma subsidiária da brasileira Embraer.

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Mobilidade aérea urbana

Os estudos sobre “carros voadores” não são novidade. Já existiam protótipos para modelos similares desde os anos 1990. O que mudou nos últimos anos foi o avanço da tecnologia, que permitiu o desenvolvimento de melhores protótipos, e dos conceitos em volta da mobilidade aérea urbana (UAM, na sigla em inglês), que envolvem a criação de infraestrutura, integração de sistemas e modelo operacional para as aeronaves.

A Eve não atua somente no desenvolvimento das aeronaves, mas também trabalha com soluções para o conceito de UAM. No último ano, a subsidiária da Embraer realizou estudos por meio de operações simuladas no Rio de Janeiro, Miami, Londres e, neste mês, em Chicago, com o objetivo de dados sobre o ecossistema que precisa ser construído para os eVTOLs.

Dentre as informações obtidas estão possíveis localizações para os pontos de pouso e decolagem (chamados de vertiportos), melhores rotas, tempo de rota, controle do tráfego aéreo e impacto em outros modais de transporte, por exemplo.

Em relatório divulgado em abril deste ano, a Eve detalha o que projeta para esse mercado nos próximos anos: até 2035, a empresa estima que 23 mil eVTOLs devem estar operando em um mercado global de UAM avaliado em US$ 32 bilhões.

Para o curto prazo, a subsidiária da Embraer espera investimentos na ordem de US$ 2,5 bilhões destinados à infraestrutura de mobilidade aérea urbana. No longo prazo, o montante chega a US$ 500 bilhões.

Lucas Esteves, analista do Santander, assina um relatório sobre a Eve onde avalia que o mercado global de UAM pode chegar a US$ 102 bilhões em 2040, com possibilidade de dobrar na década seguinte.

Não são “carros voadores”

O eVTOL não é um carro voador. Ou seja, você não poderá apertar um botão e sair voando para evitar a avenida congestionada. São mais próximos de helicópteros, com locais específicos para pouso e decolagem e condução a cargo de profissionais especializados. Os eVTOLs podem ser comparados a um taxi, em que o passageiro contrata os serviços e o trabalho será feito por outra pessoa – ou por um robô.

Os eVTOLs surgem com a premissa de serem um transporte coletivo e acessível, 100% sustentáveis por serem movidos a bateria elétrica (com energia de fontes renováveis, no caso das aeronaves da Eve), com baixo ruído (baixo mesmo, similar ao de um chuvisco na janela) e um sistema de distribuição de sustentação entre vários rotores.

“Motores elétricos fazem o custo da operação do eVTOL ser pelo menos 80% mais barato. Helicópteros operam com turbinas e com combustível fóssil, ambos caríssimos. Além disso, o piloto é um especialista, o que encarece ainda mais a operação. Já os pilotos dos eVTOLs devem receber um treinamento próprio, mas para profissionais já certificados, e grande parte da operação é automatizada”, explica Fernando Martini Catalano, professor de Engenharia Aeronáutica da USP.

O eVTOL da Eve vai custar US$ 3 milhões. Hoje, a empresa possui mais de 2 mil aeronaves encomendadas por companhias ao redor do mundo. Neste mês, a United anunciou um investimento de US$ 15 milhões na Eve com um acordo de compra para 200 aeronaves. As primeiras entregas estão previstas para 2026.

Segundo a subsidiária da Embraer, uma viagem de eVTOL vai custar um sexto do valor que seria pago pelo mesmo trajeto em um helicóptero.

Na simulação feita no Rio de Janeiro no final de 2021, o percurso entre o aeroporto do Galeão e a Barra da Tijuca saiu por R$ 150,00 por pessoa e durou 15 minutos. De carro, a depender do trânsito, o tempo gasto no deslocamento seria, em média, de 1h30, e custaria entre R$ 180,00 e R$ 200,00 se feito por aplicativos de transporte.

“O grande lance do eVTOL é não ser um produto elitista e já nascer com a premissa de uma operação mais barata e com um olhar para a acessibilidade em todos os níveis de população. Num primeiro momento deve ser mais custoso porque é natural que seja assim, mas com tempo vai baratear, até porque a demanda e a quantidade de aeronaves em operação vai aumentar”, diz Catalano.

Segundo a Eve, até 2035, o Rio de Janeiro deve contar com 245 eVTOLs fazendo mais de 100 rotas diferentes. A empresa prevê já ter 37 vertiportos em operação e uma receita anual de US$ 220 milhões. Considerando o início das operações em 2026, em nove anos a Eve espera US$ 23 bilhões de receita somente no Rio de Janeiro.

No relatório do Santander, Lucas Esteves avalia que a taxa de crescimento anual composta (CAGR) das operações com eVTOL entre 2031 e 2040 será de 16% ao ano. Além de passageiros, o analista considera um cenário em que as aeronaves também serão utilizadas para transportar cargas.

“Estimamos que, até 2050, cerca de 80% do mercado total [do eVTOL] virá do transporte de passageiros, enquanto outros 17% virão do transporte de cargas. Atribuímos isso principalmente ao fato de que o transporte de passageiros e cargas será suportado pela necessidade global de melhorar a mobilidade urbana, com suas questões de tráfego, ruído e emissões poluentes, a preços competitivos”, diz o relatório.

Até 2035, o Rio de Janeiro deve contar com 245 eVTOLs fazendo mais de 100 rotas diferentes

Foto: Eve Air Mobility/ Divulgação

Até 2035, o Rio de Janeiro deve contar com 245 eVTOLs fazendo mais de 100 rotas diferentes

Ações do futuro

Em março deste ano, a Eve abriu capital na bolsa de valores de Nova York sob o ticker EVEX. Naquele momento, a subsidiária de mobilidade aérea urbana da Embraer foi avaliada em US$ 2,4 bilhões – praticamente o mesmo valor da fabricante de aeronaves: US$ 2,5 bilhões.

O preço da ação foi estipulado em US$ 10,00 para o IPO. Porém, logo na estreia as ações caíram 23,5%, a US$ 8,66. Desde então, chegaram à mínima de US$ 5,30 e hoje estão cotadas a US$ 7,71.

Para o Santander, a recomendação para as ações da Eve é de compra e o preço-alvo para 2023 é de US$ 10,50 – valor que representa uma valorização de 36% frente ao preço atual. Em relatório, os analistas avaliam que a empresa tem uma “história de alto retorno e alto risco”, quando considerada sua relação com a Embraer.

A visão favorável do banco para os negócios da Eve tem como base três fundamentos:

1) Oportunidade no mercado de mobilidade aérea urbana (UAM), com uma estimativa de mercado de US$ 102 bilhões até 2040 e espaço considerável para crescimento subsequente;

2) Empresas envolvidas com um histórico significativo no setor de aviação (desde a administração, diretoria e investidores), incluindo o conhecimento da Embraer em infraestrutura, propriedade intelectual e engenharia aeronáutica; e

3) Visão de retornos expressivos três vezes maior do que uma visão negativa para o setor.

Para essa “visão”, os analistas simularam cinco cenários diferentes para os principais fatores que envolvem a fase pré-operacional da Eve, como custos de desenvolvimento do eVTOL, demanda pelos “carros voadores”, números da operação até agora e investimentos.

No cenário mais positivo possível, o preço-alvo da ação da EVE chegaria a US$ 16 em 2023. Já no mais negativo, o valor cai para US$ 2,60.

“Acreditamos que o relacionamento da Eve com a Embraer é uma vantagem extremamente importante. A Embraer permitirá à Eve acesso à sua propriedade intelectual, suporte para certificação, acesso à sua infraestrutura global (incluindo o uso em baixa escala de instalações de fabricação) e à equipe de engenharia”, diz relatório do Santander.

Em entrevista à Forbes, André Stein, co-CEO da Eve, confirma a premissa dos analistas do Santander e afirma que isso é um diferencial competitivo que outras empresas que atuam no desenvolvimento de UAM não possuem.

“A vantagem de estarmos associados à Embraer é que não precisamos reinventar a roda. Temos acesso a toda a infraestrutura da empresa, que é uma das melhores do mundo. Além disso, temos profissionais experientes, tecnologia de ponta e estamos em linha com outras empresas mundiais e os principais reguladores do mercado”, diz Stein.

Segundo ele, a abertura de capital garantiu dinheiro suficiente para a Eve dar sequência ao projeto nos próximos anos e trabalhar com o prazo-meta de início das operações em 2026. Em março, o valor que entrou em caixa foi de US$ 512 milhões.

“Temos a expectativa de entrada de receita antes de precisar de mais caixa. Nossas receitas não começam só quando o eVTOL estiver em operação no ar. Trabalhamos com o serviço de suporte e controle do tráfego aéreo também”, diz o co-CEO.

A Eve faz parte de consórcios voltados ao desenvolvimento de UAM em outros países, como Austrália e Japão.

O que pode dar errado?

Para o professor de Engenharia Aeronáutica da USP, existem três principais gargalos que podem atrasar a entrega do eVTOL em 2026. O primeiro são as certificações pelas agências reguladoras de aviação, o segundo são os motores à propulsão elétrica e o terceiro, os testes de ruído das aeronaves.

Sobre o primeiro tópico, das legislações, Stein afirma que a Eve e os próprios órgãos governamentais estão engajados no projeto e trabalhando em conjunto para entregar as certificações a tempo.

Em entrevista à Forbes, Roberto Honorato, superintendente de Aeronavegabilidade da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), explicou que a Eve já entregou os primeiros estudos da aeronave para que a agência dê o seu parecer sobre os próximos passos regulatórios.

“Nenhum fabricante chega até nós e fala: fiz um avião, vê se está certo. O fabricante chega até nós com um conceito e estudamos essa base para dar um retorno com critérios de segurança e desenvolvimento. É nesta etapa que o eVTOL está”, diz Honorato.

Segundo o superintendente, a Anac está acompanhando de perto os testes e processos da Eve. Ele explica que não será criada uma regulamentação nova ou certificados novos. Isso seria um processo posterior, para quando o modelo de UAM já estiver em operação.

Honorato afirma que a Anac mantém estudos junto a agências reguladoras internacionais para entender como está o desenvolvimento das aeronaves fora do Brasil. Segundo ele, pela Eve ter o maior número de ordens de compra de eVTOL do mundo, existe essa preocupação de que a certificação da Anac tenha o maior critério possível nacional e internacionalmente.

“O eVTOL envolve novidades tecnológicas que precisamos aprofundar e entender. O motor elétrico é uma novidade e o uso de bateria como fonte de energia traz certa complexidade. A propulsão distribuída com controle por software também é uma questão. Então leva tempo e requer bastante estudo”, diz Honorato.

Os pontos observados pelo superintendente são o segundo gargalo apontado pelo professor Catalano. As baterias elétricas precisam ser de uma voltagem muito alta (800 volts – um carro elétrico, por exemplo, tem baterias de 400 volts), o que traz desafios em relação à recarga, proximidade dos pontos de aterrissagem e capacidade do voo.

Para Stein, isso não é um complicador. “Trabalhamos com tecnologias que já existem. Não é nada novo, não estamos esperando uma solução nova para fazer acontecer. Isso facilita as pesquisas e o andamento do projeto. É uma questão de adaptação.”

Por fim, há a questão dos ruídos. Por voarem em altitudes mais baixas, é importante que as aeronaves não gerem poluição sonora na cidade. “Se a expectativa é ter uma revoada de eVTOLs pela cidade, o ruído tem que ser muito baixo”, diz o professor Catalano.

A questão é tão relevante que a fabricante americana de eVTOLs Joby contou com o apoio da Nasa em seus testes de ruídos. Os resultados foram positivos: a uma altitude de 500 metros, a aeronave atingiu um nível de ruído quase equivalente ao silêncio (45,2 decibéis). Para as aeronaves da Eve, os testes e pesquisas estão sendo feitos na USP.

“Se ocorrer algum atraso, não deve passar de um ano. Está tudo bastante encaminhado. Na engenharia aeronáutica, estamos vivendo os anos dourados em termos de pesquisas e projetos. O eVTOL é o começo”, diz Catalano.

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