Aline Bortoli, 36 anos, é a mais velha do grupo de quatro mulheres herdeiras do Grupo Bom Futuro, um dos maiores empreendimentos agropecuários do país. São 583 mil hectares em Mato Grosso, para soja, milho, algodão, gado de corte e piscicultura, ainda tocados por seus fundadores, sendo essa primeira geração formada por Eraí Maggi Scheffer – que é visto no setor do agronegócio como a figura público do grupo – mais os irmãos Elusmar Maggi Scheffer, Fernando Maggi Scheffer e o cunhado José “Zeca” Maria Bortoli, marido de Marina Scheffer. O grupo, que nasceu em Rondonópolis (MT), completou 40 anos em junho.
Aline faz parte do grupo de 13 herdeiros que um dia poderão tocar o negócio da família, incluindo a presidência executiva da Bom Futuro. Inquieta, a administradora de empresas que também se formou em comunicação social, com ênfase em marketing pela Universidade de Cuiabá – e que chegou a apresentar na TV local um programa sobre juventude e agenda cultural –, faz parte de uma geração de sucessores dispostos ao estudo e à aprendizagem, muito diferente de seus pais e tios em que o avanço do negócio se dava pelos acertos e erros na base da intuição.
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Não por acaso, ela é uma das fundadoras do Farmun, instituto que organiza vivências em fazendas para o público de fora do agro, e também é sócia da Natter, empresa de soluções sustentáveis para fazendas. Foi ela, também, que incentivou a segunda geração da família a começar as conversas sobre sucessão familiar e, ao lado dos pais e tios, mostrou a importância para a continuidade do negócio.
Mas sua proximidade com o agronegócio nem foi um vôo em céu azul de brigadeiro. Aline conta que na época de criança se sentia entediada no ambiente da fazenda, porque “lá ainda era um lugar com pouca estrutura”. Ela sonhava mesmo era com a cidade e suas possibilidades. A Forbes conversou com Aline sobre a sua história de retorno à fazenda, os desafios que a fizeram chegar até aqui e como ela enxerga o futuro do negócio. Confira:
Forbes: Conte mais sobre essa história de tédio na fazenda?
Aline Bortoli: Passei a maioria dos finais de semana da minha infância na fazenda, quando ela ainda era um lugar com pouca estrutura. Para mim era sofrido, porque as opções da cidade eram mais interessantes. Meu pai também não forçava e me deixou bem livre para escolher o caminho. Acho que ele sabia que escolher a fazenda tinha que ser algo espontâneo, que viesse de dentro.
F: Quando o ambiente de fazenda começou a fazer sentido?
AB: Via meu pai e minha mãe trabalhando bastante, mas quando era criança eu não tinha tarefas ligadas à fazenda. Mas, à medida que fui crescendo e me desenvolvendo, a fazenda passou a ser algo interessante, justamente quando comecei a participar das tarefas e me sentir útil. Quando você pode ajudar, a coisa muda de figura.
F: Como a formação em comunicação te ajuda hoje?
AB: Logo que saí da faculdade, em 2007, por ter estudado publicidade, passei a pensar naquela antiga premissa, que hoje não vale mais, de que o agro não precisa de marketing porque não comercializa diretamente para o mercado. Mas na fazenda começamos a implantar a visão do endomarketing. Acredito que mesmo para uma empresa com 4.000 funcionários, número daquela época, o clima organizacional precisava ser tão importante quanto se relacionar com o mercado externo. Então, ajudei a estabelecer a comunicação interna da fazenda. A sensação de ser útil para a empresa fez toda a diferença. Às vezes, a gente não sabe necessariamente o que vai fazer, mas tudo aquilo que é útil, acaba tendo um valor diferente. O estabelecimento do setor de marketing como um todo também criou um canal importante na Bom Futuro, principalmente com os stakeholders.
F: Como seus pais e tios têm incentivado os possíveis sucessores da Bom Futuro?
AB: A maioria incentivou a segunda geração propondo que cada um tomasse conta de uma fazenda própria. Não necessariamente uma fazenda comprada, mas uma fazenda que poderia ser arrendada. Porque fazendo a gestão geral de uma fazenda, mesmo que pequena e sem risco de um grande tropeço, a gente tem a oportunidade de aprender todo o processo de gestão. Eu, por exemplo, se tivesse começado na Bom Futuro em uma área que não fosse marketing, encontraria tudo pronto e super departamentalizado. Isso não dá espaço para aprender sobre o todo, a não ser que fosse para um programa de trainee, mas na época isso não era praticado na Bom Futuro. Foi isso que aconteceu comigo, com o meu marido, irmão e primos. Cada um foi tocar e tomar o risco de uma unidade de produção específica.
F: Como começaram as conversas sobre sucessão, um tema considerado sensível em muitas famílias?
AB: Nossa família é grande e a convivência é quase de irmãos entre os primos. Então, isso ajudou bastante no início das conversas. E não é sucessão para agora, porque os nossos pais ainda são relativamente jovens. Eles estão na média dos 60 anos e nós na média dos 30 e poucos anos. Mas a gente sentiu a necessidade da segunda geração iniciar as conversas sobre sucessão. Participei ativamente do início do processo por ser a prima mais velha. Comecei a frequentar eventos, aprender com as outras famílias e trazer consultores externos para trabalhar o assunto sem achar que a gente estava ‘matando’ nossos pais. Começamos a falar sobre holding e protocolo familiar, que foi muito legal porque conseguimos dar um passo e amadurecer.
F: Como surgiu a Natter?
AB: A Natter é fruto dessas iniciativas da segunda geração se dedicar à agricultura, de experimentar um negócio próprio. A empresa começou com o meu irmão, Rafael Bortoli, e depois me tornei sócia. Isso nos permitiu imprimir as nossas próprias características no negócio. Por exemplo, meu irmão, que é formado em agronomia e estuda muito sobre agricultura regenerativa, tem um pouco mais de liberdade de testar e colocar suas ideias em prática. A partir dessa experiência e tudo que aprendemos com nosso pai, nasceu uma outra empresa, a Ambios, que é uma fábrica de fertilizantes organominerais à base de vísceras de peixe. Então, olhando para a sustentabilidade, que é um conceito forte nessa nova geração, a gente fundou uma empresa para aproveitar o que antigamente era um passivo ambiental em algo bom para as lavouras. Isso está nos ajudando a avançar com muito mais rapidez na agricultura regenerativa.
F: Esse negócio é integrado de alguma forma à Bom Futuro?
AB: Ele não é integrado, mas é óbvio que a gente aprende demais e pode usar esse aprendizado nas nossas tarefas da Bom Futuro. Também seria uma estupidez da nossa parte negar muito do conhecimento que a gente adquire Bom Futuro e que aplicamos nos nossos negócios paralelos. Porque a pressão para dar certo também é muito grande, considerando que temos uma empresa de peso como inspiração. O desafio dos negócios da segunda geração é justamente a comparação com a Bom Futuro. Ela é uma coisa boa para nos espelhar, porque passa muita credibilidade, mas ao mesmo tempo não temos a experiência de 40 anos. Por isso precisamos de tempo para amadurecer e nos fortalecermos porque embora tenhamos como espelho uma grande empresa, administramos fazendas menores. Então, nesse momento, encontrar o timing de investimento e crescimento está sendo muito importante no processo de aprendizagem.
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