Qual é o verdadeiro custo da comida que vai para o prato?

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Método de precificar alimentos pode levar em conta impactos sociais e ambientais

O aumento dos preços no supermercado tem feito com que prestemos mais atenção ao custo dos alimentos e como os sistemas que parecem fora de nosso controle influenciam esses preços. Embora possa ser um desafio transmitir ou compreender o escopo do sistema alimentar mundial, uma organização está levando esse conceito às prateleiras dos supermercados, mostrando às pessoas o custo real de alguns itens nas prateleiras – desde a terra usada para cultivar produtos, até os produtores que o fornecem aquilo que as empresas levam às prateleiras – e conscientizando sobre a necessidade de reformas econômicas e agrícolas.

Muitas empresas de alimentos mantêm o foco em maximizar suas margens de lucro, mas algumas delas estão percebendo as implicações de suas ações e adotando práticas para proteger o futuro do planeta e das pessoas. Para ajudar essas empresas, Michel Scholte cofundou a True Price, uma organização com sede na Holanda, que visa reduzir a insegurança alimentar e moldar uma economia global considerada sustentável, por meio de um sistema de preços que incorpora o custo dos impactos sociais e ambientais negativos.

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“Nós nos perguntamos o que poderíamos fazer para trazer essa ideia às empresas comuns, consumidores regulares”, diz ele. “Não é um modelo econômico centralizado baseado em planos, mas é realmente um tipo de infraestrutura de informações. Com preço verdadeiro nos referimos ao preço de mercado mais os custos externos não pagos.”

Ao incluir os custos ambientais e sociais da produção de alimentos, a True Price visa tornar a alimentação saudável e sustentável mais acessível para as pessoas e lucrativa para as empresas. Scholte diz que o atual sistema de preços não reflete o verdadeiro valor dos alimentos, e mais de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo não podem pagar uma dieta saudável por causa dos altos preços dos alimentos.

Michel Scholte diz que a metodologia da True Price é aberta e pode ser livremente utilizada

Por meio de uma metodologia que incorpora os custos externos associados à produção, a True Price espera ajudar a aumentar a conscientização sobre as implicações dos negócios atuais e das práticas de mercado que geralmente recaem mais sobre os agricultores e trabalhadores do campo, bem como sobre a Terra que eles cuidam. “Os agricultores, às vezes, podem obter um bom preço, mas na maioria das vezes é um preço muito ruim”, diz ele, acrescentando que o sistema está configurado para “garantir que haja produção suficiente para que eles não possam sair da pobreza”.

Como parte de minha pesquisa sobre negócios orientados a propósitos, conversei com Scholte sobre as motivações por trás da True Price, como a organização transmite sua mensagem em parceria com outras e como continua a desenvolver e compartilhar metodologia de código aberto com um objetivo mais amplo para ajudar a promover a mudança dos sistemas globais. Confira:

Forbes: Por que decidiu começar a True Price?

Michel Scholte: Comecei com meu bom amigo e cofundador, Adrian de Groot Ruiz. Tivemos uma espécie de epifania, mas também uma lição que aprendemos quando éramos relativamente jovens. Eu estava tentando arrecadar dinheiro para comunidades em países africanos que sofrem com a falta de saneamento. Li o livro “The End of Poverty”, de Jeffrey Sachs, e vi aí uma saída racional.

Na faculdade estudei sociologia porque percebi que os sistemas econômicos financeiros realmente têm uma intenção não muito clara. Mantemos esses países com commodities, onde, às vezes, os agricultores conseguem um bom preço, mas geralmente não é o que ocorre. Garantimos que haja produção suficiente para que eles não consigam superar a pobreza.

Meu cofundador começou seu Ph.D., eu comecei meu bacharelado e nós entramos em uma sociedade de debates, mas também entramos em um think tank chamado Worldconnectors. Estávamos aconselhando ministros na Holanda para aumentar o orçamento governamental destinado à segurança alimentar na Corporação do Ministério do Desenvolvimento. Nas eleições holandesas de 2010, o clima político tornou-se mais nacionalista e, basicamente, não havia como propagar essas ideias.

Aí, nos perguntamos o que poderíamos fazer para trazer essa ideia às empresas comuns, aos consumidores regulares? Então, uma ideia atingiu esse grupo, como um raio, e foi basicamente o que hoje é a True Price. Se tivéssemos aquilo que imaginávamos ali, poderíamos resolver e legitimar um tipo mais amplo de esquema de comércio global.

Você pode ter preços justos de uma maneira, ou de uma maneira boa, respeitando o empreendedorismo. Você pode falir em uma verdadeira economia de preços, mas também pode ter muito sucesso. Ela permite que os indivíduos façam escolhas, encontrem inovações. Não é um modelo econômico centralizado baseado em planos, mas é realmente um tipo de infraestrutura de informações. É um espaço de vida seguro para empreendimentos corporativos e produção e consumo sustentáveis.

F: Estou curioso sobre a metodologia utilizada para determinar o preço real dos itens. Há muito debate em torno da precificação do carbono, com diferentes suposições, e esse é um cálculo muito mais direto do que os insumos sociais e trabalhistas que o True Price incorpora. Como desenvolveram essa metodologia ao longo do tempo?

MS: Trocando em miúdos, adotamos uma abordagem baseada em direitos, com base nas premissas-chave para que a vida humana seja possível com dignidade. Isso inclui ter uma casa, comida, acesso à água e ao sustento – você pode debater o que seria um salário digno para essas demandas – suficientes para cumprir esses requisitos básicos financeiramente. Isso inclui o meio ambiente, livre de toxinas que destroem sua saúde, livre de exposição e a possibilidade de se libertar de alimentos não saudáveis.

Consideramos muito importante que as pessoas tenham acesso a alimentos sustentáveis ​​e saudáveis. As pessoas vivem hoje nessas paisagens alimentares obesogênicas.

Também inclui estar livre de exploração. Usamos descrições detalhadas do que consideramos trabalho aceitável, bem como a saúde e a segurança do trabalho, e se alguém não seguir esses direitos estará infringindo-os. É incompreensível quanta escravidão ainda existe no mundo, assim como o trabalho infantil. Analisamos o custo para remediar esses danos – compensando, prevenindo, retribuindo.
Determinamos o valor no contexto da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. As empresas têm a responsabilidade de respeitar os direitos humanos, o que significa assumir responsabilidade adicional além do que esperar dos negócios, como de costume. Calculamos os custos para restaurar, compensar, prevenir e penalizar as violações dos direitos humanos.

F: Pode me dar um exemplo de um preço real para um produto? Uma poderia ser a Tony’s Chocolonely [marca de chocolate fundada em 2005 na Holanda], que tem ótimas práticas de direitos humanos e se destacou na indústria do chocolate. O que seria necessário para outras empresas elevarem seus padrões a um nível semelhante?

MS: A pobreza gera muitos problemas no mercado de cacau, onde as grandes empresas de chocolate compram a maior parte do cacau. Os preços são muitas vezes demasiado baixos para os agricultores. Outro problema no mercado de cacau é que você vê muita escravização de pessoas, até crianças, que são comercializadas e vendidas [aqui o autor fala de países africanos, que têm na Europa seu maior mercado]. Há tanta pobreza que os pais que têm talvez vários filhos vendem um de seus filhos para intermediários, que então alugam mão de obra para agricultores. Esses próprios agricultores têm filhos e vivem em condições adversas, então se torna uma questão de as crianças ajudarem a levar comida para a mesa da família em vez de irem à escola. É uma situação realmente complicada para muitos pequenos agricultores.

Trabalhamos em estreita colaboração com a Tony’s Chocolonely em sua missão de eliminar a escravidão e o trabalho infantil na indústria do cacau. Nós nos conhecemos. Então, perguntaram se poderíamos ajudá-los com seus objetivos. Eles foram nosso primeiro cliente real, depois que trabalhamos com a Oxfam e outras ONGs para fazer as coisas decolarem. Em 2013, fizemos a primeira avaliação do preço real do cacau e percebemos que havia uma grande diferença entre isso e o que eles estavam pagando, embora estivessem se saindo melhor do que as outras grandes empresas de chocolate. Ao quantificar os custos sociais na cadeia de valor do cacau, como sub-salário e trabalho infantil, a Tony’s Chocolonely adaptou suas estratégias de fixação de preços para ajudar os agricultores a ter uma renda suficiente.

F: Pode explicar o método de três etapas True Price? Qualquer tipo de empresa pode aplicar isso à sua cadeia de suprimentos? Ou quanta customização precisa ser feita para diferentes indústrias, diferentes empresas?

MS: Continuamos a desenvolvê-lo e compartilhá-lo como uma metodologia de código aberto que deve ser acessível a qualquer pessoa envolvida nos mercados, incluindo consumidores e agricultores. Antes de tudo, é preciso mapear, traçar e identificar a localização das atividades produtivas, a consequência dessas atividades para as condições humanas e naturais. Em seguida, determinar os danos em volumes, em ingredientes tóxicos, trabalho – todo tipo de coisa. Ou as emissões, como carbono e equivalências de carbono. Por fim, calculamos o custo para remediar esses danos.

Por exemplo, vamos considerar a área de um pequeno agricultor. Você pode realmente fazer medições de solo e água para monitorar a extração de água, e fertilizante que está sendo escoado para córregos e rios ao redor das fazendas. É possível identificar o que é necessário para limpar a água, por exemplo, e trazer o ecossistema de volta ao seu estado original. Teoricamente, para precificar isso, é preciso solicitar uma fatura de um fornecedor que presta esse serviço.

Fazemos estimativas locais e às vezes globais do custo de compensação, para prevenir danos em diferentes setores. Existem programas que abordam essas questões que podem ser referências para a contabilização do custo. Por exemplo, na verdade existe uma metodologia ou sistema de prevenção do trabalho infantil que realmente identifica as crianças, fornece cuidados mentais ou físicos e alguma educação, e fornece renda adicional para a família se a criança não trabalhar.

Em Amsterdã, abrimos a primeira True Price Store em 2020 e um “supermercado” onde vendemos chocolate e café. Em 2021, o primeiro supermercado completo com True Price abriu as portas. As vendas do supermercado aumentaram 5% no primeiro ano e já vendemos mais de 100.000 produtos com preço real. Finalmente, podemos experimentar o que acontece se tivermos os preços certos.

F: Como lida com as preocupações de que um preço real possa ter um efeito injusto sobre as pessoas com renda mais baixa? Semelhante a como alguns impostos nos EUA são regressivos e sobrecarregam as pessoas com renda mais baixa.

MS: Em primeiro lugar, trata-se de fornecer transparência sobre quais são os verdadeiros preços dos produtos. Precisamos, então, projetar mercados de forma que bens básicos sustentáveis ​​e saudáveis, como alimentos, moradia, transporte, permaneçam acessíveis e acessíveis para todos. Os governos podem decidir tributar, por exemplo, a gasolina porque tem altos custos para o meio ambiente. É importante que esses impostos sejam progressivos; para que os mais ricos paguem proporcionalmente mais. E que as pessoas recebam renda suficiente para manter o acesso a bens e serviços básicos.

Nossa ideia é dizer ao consumidor que ele deve ter a capacidade de pagar voluntariamente o preço real. Neste momento isso nem é possível para todos. Mas é melhor para todos se começarmos a pagar por isso.

Precisamos abordar as grandes disparidades de renda em todo o mundo, mas a escala do desafio é assustadora. Globalmente, pelo menos cerca de € 750 bilhões (R$ 3,9 trilhões) seriam necessários anualmente para preencher a disparidade salarial. Então, há a questão de como absorver isso.

Os governos devem se concentrar em habitação a preços acessíveis, saúde, educação, transporte – todos os tipos de outras coisas que podem ajudar a tirar as pessoas da pobreza. Devemos fornecer o tipo de alimentos, trabalho e salários dignos que possam realmente permitir que as pessoas paguem por preços reais.

F: Como estão fazendo para aumentar a conscientização sobre esse conceito entre consumidores e formuladores de políticas?

MS: Basicamente, adotamos uma abordagem de duas vias. Por um lado, trabalhamos em um movimento onde utilizamos preços que são realmente implementados por supermercados e marcas. Ao mostrá-lo na prática, esperamos construir isso para uma comunidade global de consumidores em todos os lugares, não apenas na Holanda. Os moldes estão aí. Temos infraestruturas replicáveis ​​e escaláveis ​​com tecnologia também.

Esperamos apoiar os agricultores que são mais sustentáveis, por exemplo, porque eles têm sistemas agrícolas mais inclusivos da natureza, como a agrossilvicultura, mas não veem esse esforço refletido no que ganham por seus produtos. E esperamos encorajar os líderes governamentais a perceberem a necessidade de criar condições de mercado que recompensem indivíduos e consumidores que investem em sustentabilidade – deixe-os obter retorno de seu negócio.

O segundo fluxo é a política ou advocacia. Contribuímos para mudanças de políticas e discussões na Holanda, Europa, Estados Unidos e nas Nações Unidas. Por exemplo, trabalhamos com a Cúpula de Sistemas Alimentares das Nações Unidas para avaliar o custo de todos os alimentos produzidos no mundo. Com um consórcio de universidades, concluímos que, para o total de gastos com alimentos em todo o mundo, a verdadeira diferença de preço é de mais de US$ 20 trilhões (R$ 101,4 trilhões), para US$ 11 trilhões (R$ 55,8 trilhões) em gastos com alimentos a cada ano. Isso inclui custos de saúde relacionados a alimentos não saudáveis, por isso é uma definição um pouco mais ampla. Isso é muito grande.

Fomos ao Fórum Econômico Mundial em Davos e, juntamente com o Rabobank, contribuímos para uma declaração do CEO que levou adiante nossa iniciativa “True Value of Food”. Na Europa, uma adição à estratégia de “fazenda ao garfo” incluiu preços reais. Contribuímos para isso com nosso trabalho.

Nos EUA, contribuímos para o relatório Rockefeller que mostrava o verdadeiro custo dos sistemas alimentares do país. A Casa Branca planeja, agora, uma conferência oficial sobre sustentabilidade alimentar e nutrição. Contribuímos indiretamente para essa discussão,
Em última análise, os preços reais precisam ser adotados globalmente. Quanto tempo levaremos para chegar lá? Acredito que mais rápido do que você pensa.

* Christopher Marquis é colaborador da Forbes EUA, escritor e professor de Gestão Chinesa na Judge Business School, em Cambridge. Já foi professor na Cornell por 6 anos e na Harvard Business School, por 10 anos.

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