Pergunte a um consumidor, em frente a uma gôndola de mercado, se ele prefere ovos de galinhas criadas soltas ou ovos de galinhas criadas em gaiolas. A menos que seja um produtor de ovos, setor em que há muitos desafios nessa possível transição, a resposta certamente será “sim, com certeza quero ovos de galinhas livres”, ou cage-free, um termo regulamentado pelo USDA (Departamento de Agricultura dos EUA), que ganhou o mundo e que significa ovos de galinhas que podem “vagar livremente em um prédio, quarto ou área fechada com acesso ilimitado à comida e água fresca durante seu ciclo de produção, mas não têm acesso ao ar livre.”
No Brasil, ao contrário de EUA, Europa e Austrália, ainda não há uma legislação de bem-estar para a criação de galinhas poedeiras em sistema cage free, mas o movimento ocorre nesse sentido. Por isso, as empresas que já partiram para essa prática utilizam protocolos e certificações que atendem parâmetros internacionais e que dão confiabilidade na ponta do consumo.
“Galinhas criadas livres é um caminho sem volta, independentemente de como anda a economia do país”, disse Leandro Pinto, dono da Granja Mantiqueira, com sede no Rio de Janeiro, em um encontro durante o Siavs (Salão Internacional de Avicultura e Suinocultura), maior evento do setor no país, que começou na terça-feira e terminou ontem (11).
“Eu neguei isso de 2012 a 2019, mas todo mundo sabe o que acontece no mundo.” Para o produtor, o ovo está na gôndola de maneira diferente “e por isso acredito que o modelo de criação da galinha em gaiola vai pagar o custo de implantação do modelo do futuro. O que me pergunto é se estamos além do tempo ou no tempo dessa transformação.” Em 2020, a empresa, que hoje é dona de 12,9 milhões de aves, anunciou que a partir daquele ano todas as novas granjas seriam cage free. A meta é ter 2,5 milhões de aves no sistema até 2025, em suas unidades de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso.
No ano passado, o país bateu recorde ao produzir 54,5 bilhões de unidades ou o equivalente a 1.728 ovos por segundo, volume 1,8% superior a 2020, com 53,5 bilhões de ovos, de acordo com a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal). Para este ano, a previsão é que fique próximo de 56 bilhões de unidades. O maior produtor de ovos do país, Ricardo Faria, dono do Grupo Granja Faria, com sede na capital Florianópolis, e dono de 14 milhões de galinhas, das quais 10 milhões são poedeiras que entregam 7,5 milhões de ovos por dia, diz que o ritmo dessa mudança vai depender da renda do consumidor e que é ela a ditar o que ocorre na cadeia.
“A gente tem uma linha de inovação em relação a ovos de galinhas criadas soltas, algo em torno de 700.000 aves em quatro granjas diferentes”, afirma Faria. “Mas a gente entende que o Brasil é um país de baixa renda e as pessoas, entre consumir algo especial ou consumir algo, elas vão consumir algo. Qual o sentido que faz a gente sair de 260 ovos per capita para 300 ovos per capita, se ninguém vai consumir?”
O produtor compara o que ocorreu nos EUA, em estados como os de Massachusetts e Califórnia. Nesses locais, a produção cage free foi uma decisão do governo que obrigou a adoção do sistema. Nos EUA, 35% da produção já são livres de gaiolas, equivalente a cerca de 330 milhões de ovos. “É claro que de uma hora para outra acaba ocorrendo um incremento muito forte, o que eu não enxergo no curto prazo acontecendo no Brasil, especialmente por conta da baixa renda ou da média renda do consumidor brasileiro”, afirma Faria. Para ele, as inovações passam por questões sanitárias, manejo e como o mercado vai reagir à oferta. Mas é fato que as maiores empresas varejistas do Brasil já assinaram o compromisso e estão indo para esse mercado.
Recursos para ser cage free
No Brasil não há dados oficiais, mas a estimativa é de que estejam no sistema entre 4 milhões e 5 milhões de aves em sistema fora de gaiolas, das quais 2 milhões certificadas, basicamente de galpões de frango que foram adaptados. Ainda são poucas aquelas que já nasceram no sistema e em larga escala, como a unidade do Grupo Mantiqueira, em Lorena (SP), que começou a funcionar em agosto do ano passado para 1 milhão de aves em sistema cage free
Para Anderson Herbert, da Naturovos, de Salvador do Sul (RS), a saída está no mercado externo e nas suas potencialidades. Uma das discussões feitas com frequência no setor é se a produção de ovos em sistemas sem gaiolas vai ser regra ou se pode virar um nicho de mercado, como ocorre para as carnes, por exemplo. Herbert acredita em dois movimentos: um para aumentar a exportação e outro na mudança da modalidade de produção. “Com mais valor, aí o mercado começa a mudar”, diz ele.
Em 2021, a produção mundial de ovos de mesa atingiu 87,6 milhões de toneladas, volume 26,8% maior na comparação com 2010, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). A estimativa é de que em 2030 a produção global chegue a 95 milhões de toneladas, com uma alta de 9% no consumo mundial em relação a 2021.
Com 34,4 milhões de toneladas produzidas em 2021, a China lidera a lista que ainda tem entre os maiores produtores os EUA, a União Europeia, a Índia e o México. O Brasil produz 2,9 milhões de toneladas. Japão e países da UE importam por ano quase 1 milhão de toneladas de ovos. “O país precisa exportar mais ovos, que hoje não chega a 1% da produção, enquanto os EUA exportam 2,2%”, diz Herbert. Com um setor mais capitalizado, os investimentos necessários às novas tecnologias podem entrar na agenda do produtor mais rapidamente.
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