O Brasil tem batido recorde atrás de recorde quando o assunto é exportação de carne bovina. Alguns meses em termos de faturamento e outros em termos de volume. Um dos principais motores para esse movimento tem sido o apetite chinês em relação ao nosso produto. Mas aí nos perguntamos: qual o tamanho do risco da dependência de China para o mercado pecuário brasileiro caso a gente tenha algum solavanco similar ao do ano passado?
As exportações brasileiras de carne bovina continuaram batendo recordes, inclusive agora em 2022. Foi registrado em julho o melhor mês da história em termos de faturamento. US$ 1,1 bilhão, além do registro do segundo melhor julho da história em termos de volume. Foram 167,3 mil toneladas exportadas. Desse total, vejam aí o calibre do cliente, 110,7 mil toneladas foram destinadas à China, uma proporção de 66% de tudo que foi embarcado e 23% de tudo que foi produzido de carne bovina pelo Brasil nesse período.
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O resultado é fantástico, mas assusta muito o produtor. No último trimestre de 2021, o Brasil precisou suspender a certificação de carne bovina a ser exportada para a China devido a dois casos suspeitos de EEB (encefalopatia espongiforme bovina) que foram investigados e, como esperado, não confirmados. Eles se tratavam apenas de degeneração espontânea do sistema nervoso daqueles animais, algo parecido com o Alzheimer em seres humanos, e que não configura enfermidade contagiosa. Mas até a gente explicar que focinho de porco não é tomada, o Brasil perdeu essa enorme fatia que a China leva e viu os preços definharem rapidamente no período. Levando prejuízo ao produtor, já que os custos estavam altíssimos naquele momento e ainda em franca expansão. O resultado daquele trimestre foi terrível. Mas o que fazer para mitigar esse risco?
Um dos pontos de atenção é a busca incessante pela abertura de novos mercados para que possamos diluir essa concentração. Desde 2015, o ano em que estabelecemos essa parceria comercial da carne bovina para a China, nós tivemos boas novidades. A abertura do Canadá em 2022, Indonésia em 2019, carne resfriada para Israel em 2018, Cingapura, Tailândia em 2020, carne com ossos para o Uruguai em 2022 e também reabilitamos os Estados Unidos em 2020, cuja participação nas exportações brasileiras começou a ganhar espaço com aquele recuo chinês no final do ano passado. Mas não é o único modo de mitigar o risco, já que o apetite daquele dragão não é fácil de aplacar ou substituir.
A China tem um mercado de quase 1,5 bilhão de pessoas, então é difícil igualar qualquer outro mercado em termos de volume e de potencial. Desde 2015, foram mais de 10 milhões de animais abatidos sob as exigências do acordo comercial com a China, que determina uma idade máxima de até 30 meses para que esse boi possa ser classificado com o padrão China. Isso mostra como a demanda chinesa foi capilarizada no setor pecuário brasileiro. Naturalmente, esse canal calibroso traz um risco maior para a influência do país sobre a formação dos preços domésticos pela maior volatilidade aos preços que isso implica. Mas a verdade é que não há uma solução concreta que cure esse problema de maneira sistêmica.
Centenas de milhares de produtores vendem o animal no padrão China e o Brasil registra recorde de venda de carnes no mercado externo. Qualquer bloqueio a esse fluxo traria um aumento interno de oferta e uma queda grotesca de preços ao produtor, que já vivencia um momento de margens desafiadores pelos altos custos de produção e preços em queda. Sem resultado, o produtor acaba liquidando a produção, fazendo com que os preços subam ainda mais ao varejo no futuro. Resta, portanto, aprender a viver com esse ambiente inóspito de maior volatilidade através da gestão de riscos. A comercialização antecipada nunca fez tanto sentido como hoje, em que os níveis de volatilidade dos preços pecuárias subiram praticamente 500% desde a década de 1990. E a tradução para este fenômeno é risco. O produtor vive em um ambiente de mais risco do que nunca.
Lygia Pimentel é médica veterinária, economista e consultora para o mercado de commodities. Atualmente é CEO da AgriFatto. Desde 2007 atua no setor do agronegócio ocupando cargos como analista de mercado na Scot Consultoria, gerente de operação de commodities na XP Investimentos e chefe de análise de mercado de gado de corte na INTL FCStone.
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