O filósofo grego Platão, em seu diálogo “Protágoras”, traz uma conversa de Sócrates em que este lembra da inscrição gravada no templo de Apolo em Delfos, na Grécia: “Conhece-te a ti mesmo”. Sem entrar aqui na análise da filosofia platônica, é fácil reconhecer a validade do aforismo. Ele não faz nenhuma recomendação específica de como alguém chegaria a conhecer-se a si mesmo, mas é justo dizer que escrever pode ser uma porta para dentro de nós mesmos.
Já existe um corpo de estudos que mostra que temos a ganhar com a prática da escrita para colocarmos no papel, com nossas próprias palavras, nossos sentimentos, motivações, opiniões, medos, inseguranças, certezas (quando podemos ter alguma). Memória, habilidades comunicativas, o mindfulness (o estar consciente do momento presente como um todo), até problemas com o sono: esses e muitos benefícios podem advir da prática de se manter um diário.
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A área que se dedica a pesquisar e investigar que relações cérebro, emoções, comportamento, sistema imunológico, saúde física e mental e presença de doenças possam ter é objeto da psiconeuroimunologia. Em tempos de pandemia de covid-19, que há dois anos nos tirou do que podíamos chamar de normalidade, isso certamente tem valor. Afinal, são muitos os estudos e registros que mostram que os casos de transtornos mentais como depressão e ansiedade cresceram fortemente desde 2020. Antes da pandemia já era um problema considerável no Brasil – estimativas de 2017 da OMS (Organização Mundial de Saúde) apontavam cerca de 18 milhões de pessoas com transtorno de ansiedade e cerca de 11 milhões com depressão.
Na segunda metade dos anos 1980, o psicólogo James Pennebaker (então professor da Universidade do Texas em Austin) realizou um experimento com estudantes, aos quais era pedido que escrevessem durante 15 minutos sobre experiências pessoais dolorosas, mantidas guardadas – enquanto um outro grupo (de controle) faria o exercício escrevendo sobre temas mais anódinos. Ele verificou que os participantes do primeiro grupo foram menos ao médico nas semanas subsequentes ao experimento.
Pennebaker explicou em uma entrevista ao jornal “The New York Times”, em 2018, que a prática de escrever em um diário tem caráter organizacional: ajudar a dar sentido a um evento traumático. Isso coloca a memória em ação, para trabalhar de forma a ordenar as ideias. Isso alivia o trabalho do cérebro ao lidar com a experiência dolorosa. Contribui para um sono melhor – e também para uma convivência social melhor, desempenho melhor no trabalho, a lista continuaria.
Escrever se torna, assim, uma ferramenta de autocuidado – e uma ferramenta poderosa e eficiente, com o nome de “escrita terapêutica”. Dedicar-se a se conhecer através de suas próprias palavras escritas pode ter um evento extremamente positivo sobre a autoestima, além de todos os benefícios já citados. Não é, claro, uma panaceia – não vai substituir o contato com profissionais que possam ajudar quem tenha um problema que requeira mais atenção. Mas definitivamente é um meio bom e barato de nos explicarmos a nós mesmos, em nossas próprias palavras.
Claudio Lottenberg é mestre e doutor em oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp). É presidente do conselho do Hospital Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde.
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