“Estagflação” foi um dos termos mais citados por economistas e investidores nos últimos meses e, apesar de parecer simplesmente a junção de “estagnação” e “inflação”, o conceito tem implicações profundas para o cenário macroeconômico.
A tão temida estagflação é caracterizada por um momento em que os preços estão mais altos, normalmente impulsionados por um choque de alta demanda e baixa oferta, combinado com uma queda acentuada na atividade econômica do país e o aumento do desemprego.
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A primeira vez que o mundo passou por um cenário de estagflação foi em 1973, durante a primeira crise global de petróleo nos Estados Unidos. Na época, os países árabes produtores de petróleo impuseram um embargo à exportação da commodity aos Estados Unidos e outros países aliados que apoiavam Israel.
A decisão fez o preço do petróleo quadruplicar no intervalo de três meses, resultando em um efeito cascata de maiores custos de transportes e, consequentemente, no repasse das altas para o preço das mercadorias em geral.
A inflação aumentou de forma repentina, junto com a queda na produção por conta dos altos custos na cadeia produtiva, o que criou o cenário de estagflação.
O Brasil passou por momentos parecidos em meados de 1980, período conhecido por muitos como “a década perdida”. Aumento da desigualdade social, baixo crescimento do produto interno bruto (PIB) e alta inflação foram os fatores cruciais para a decadência econômica, além de uma alta dívida externa que esvaziou os cofres públicos.
Para combater a hiperinflação no país, foram implementadas diversas reformas econômicas que resultaram, em 1994, no nascimento do Plano Real.
Economia hoje
Para Keyler Rocha, professor de economia da USP, o momento que vivemos ainda não pode ser considerado como estagnação econômica e não é comparável com o passado. “A situação de hoje é inteiramente causada por acontecimentos externos graves, como o coronavírus e a guerra na Ucrânia, que não estavam sob o controle do governo, como foi das outras vezes.”
Para entender o que trouxe a economia até aqui, é preciso voltar um pouco na linha do tempo. No início da pandemia, o efeito sentido nos preços foi desinflacionário, o que significa que eles passaram a subir de forma mais lenta. Na época, o índice de preços ao consumidor (IPCA) caiu de 4,31% em dezembro de 2019, pré-pandemia, para 1,88% em maio de 2022.
A movimentação foi ocasionada pela queda na demanda por bens e serviços, intensificada pelas medidas restritivas adotadas para conter os avanços da Covid-19. Porém, entre 2020 e 2021, a situação se reverteu, fazendo com que o índice atingisse 10% ao ano no fim de 2021.
Em 2022, o quadro se agravou acompanhando o sentimento internacional negativo em relação à guerra na Ucrânia. O Banco Central, que iniciou as altas da taxa Selic em março de 2021 na tentativa de conter a inflação crescente, não teve grande sucesso. Hoje, a taxa básica de juros está em 13,25% e a inflação, que segue crescendo, já atinge 11,73% no acumulado de 12 meses.
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De acordo com Rocha, apesar de ser a melhor maneira de tentar segurar a subida da inflação, a alta dos juros também causa um enfraquecimento da economia, o que vemos hoje.
“O Banco Central realmente só tem essa ferramenta para frear a inflação, mas o governo poderia ter tomado medidas diferentes para evitar chegar a esse ponto. Uma opção seria fazer as reformas administrativa e tributária, para melhorar as condições do custo-brasil e atrair capital externo, consequentemente criando novos empregos”, explica o professor da USP.
Para Rachel de Sá, chefe de economia da Rico Investimentos, a estagflação está próxima, mas a economia brasileira ainda está conseguindo se manter, já que vemos muitos estímulos do governo para fortalecer o poder de compra, além da projeção do PIB que está melhor do que o esperado para o momento.
“No Brasil, nós só vamos começar a sentir os efeitos mais fortes da estagflação no fim deste ano e no início do ano que vem, período em que ainda contaremos com uma inflação em torno de 5% ao ano e teremos uma redução nos estímulos, que hoje estão nos fortalecendo”, explica Sá.
Em sua visão, a situação nos Estados Unidos e principalmente na Europa é pior do que a vista por aqui. Ao mesmo tempo que o Brasil foi favorecido com a alta dos preços das commodities por ser produtor e exportador, os países da Europa estão sentindo o peso da guerra na Ucrânia, que reduziu o acesso ao gás e ao petróleo e trouxe muitas incertezas para a economia.
A inflação dos EUA atingiu 8,6% ao ano no último mês, maior nível em 41 anos. Na Europa, o índice de preços está em seu maior nível histórico, também de 8,6%.
Efeito no mercado de ações
Para a economista da Rico, o mercado de ações já está sendo fortemente afetado pelas condições adversas da economia. Ela afirma que muitas empresas dependem do consumo direto que, com a perda do poder de compra, está comprometido. Além disso, a aversão ao risco faz com que os investidores busquem por investimentos mais “seguros”, que funcionem como uma proteção contra a inflação, movimento que também afeta o mercado de capitais.
“Temos a aversão ao risco de um mundo que vai crescer menos. O dinheiro fica mais caro, deixando os ativos com menor liquidez, entre outros fatores que afetam as bolsas de todos os lados”, explica Sá.
Ela explica, ainda, que apesar do movimento negativo, a Bolsa de Valores brasileira se beneficia por ter muitas empresas de commodities e de crescimento, que sofrem menos com a alta dos juros. “Mesmo assim, não fugimos do sentimento de aversão global”, diz.
A economista da Rico também dá dicas sobre como se comportar nesse momento, com base no que já foi percebido ao longo dos anos.
1. “Não tente ser herói”. Rachel de Sá afirma que não adianta sair comprando as ações que mais caíram sem avaliar se a condição da empresa está valendo a pena, apenas buscando por uma “oportunidade de compra”.
2. “Tenha uma boa reserva”. Para Sá, nos momentos de crise é importante verificar se a sua reserva está adequada para as suas despesas. Ela afirma que ter cautela agora é muito importante, já que o enfraquecimento da economia pode afetar as pessoas de formas diferentes.
3. “Tenha um caixa para oportunidades”. “Se a ação está descontada e tem perspectiva de bons retornos, é bom ter caixa para apostar isso”, diz. Para a economista, é necessário diversificar as classes de ativos, seja ações, fundos, renda fixa, setores ou moedas internacionais, já que essa prática traz mais segurança para a carteira.
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