Pela primeira vez em mais de cem anos desde a sua fundação, a Droga Raia anunciou mudanças em sua marca que vão desde o nome até o logo, cores e tipografia. A empresa abandonou o prefixo “Droga” e adotou somente o Raia para nomear o negócio. A Raia não foi a única grande empresa a adotar um rebranding recentemente.
Em abril do ano passado, a Via anunciou que faria um reposicionamento de marca e não usaria mais o “Varejo” em seu nome. A empresa também trocou sua logo, cores, tipografia e sinalizou que a marca Pontofrio também tinha passado por mudanças e agora era apenas Ponto.
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Um ano depois da Via e meses antes da Raia, a Porto Seguro seguiu pelo mesmo caminho: deixou o complemento “Seguros” de lado e adotou somente Porto para nomear a holding.
Empresas mudam de marca por vários motivos, mas, no caso dessas três companhias, o propósito é o mesmo: expansão do escopo de negócios. A transformação digital trouxe novas empresas, já nascidas no ambiente online, para dividir espaço com companhias antigas, que precisaram se modernizar para competir.
A Raia foi fundada em 1905 no interior do estado de São Paulo, e atuava somente com medicamentos de manipulação no seu início. Demorou 50 anos para que chegasse à capital e começasse um movimento mais agressivo de ampliação da rede de lojas. Hoje, a empresa pertence ao Grupo RD, que abarca a Raia e a Drogasil, e quer ampliar seu negócio na área de saúde e bem-estar.
Já a Porto tem quase 80 anos de atuação – foi fundada em 1945. A empresa começou oferecendo apenas seguros e nasceu da fusão de três companhias: Central, Porto Seguro e Rochedo. Quatro décadas depois, a Porto ampliou seu escopo com a criação do braço de saúde e atualmente também fornece serviços bancários por meio do Porto Seguro Bank.
O caso da Via é diferente. A companhia é nova (tem 12 anos de mercado), mas foi criada para operar o varejo online de marcas antigas: Casas Bahia (1952), Pontofrio (1946) e Extra (1980). A Via, no entanto, não se vê como uma varejista. A companhia adquiriu nos últimos anos empresas de tecnologia, logística e finanças, e opera também em negócios ligados ao setor de varejo.
Por que o rebranding agora?
Beto Almeida, CEO da consultoria global de marcas Interbrand, explica que uma marca representa toda a história de uma empresa: seu passado, presente e futuro. “ Uma marca é como um filme, quando você diz o seu nome toda uma história vem junto e ela carrega um significado para quem ouve”, afirma ele.
Uma mudança no escopo de negócios de empresas com mais de 50 anos também significa uma mudança no imaginário dos consumidores. “A história de uma marca precisa ser bem contada porque está relacionada com alguma verdade humana, se o cliente não se identifica com a marca, ele vai procurar outra. Com a infinidade de possibilidades que existem hoje, estar próximo é essencial”, diz Almeida.
Porto Seguro não é mais só de seguros. Via Varejo não se limita à atuação no varejo. Droga Raia não oferece somente remédios. Todas essas marcas quando foram criadas atuavam em setores individuais e agora precisam mostrar para os consumidores, de forma simples, que têm outras unidades de negócios.
“Hoje em dia é difícil conseguir destaque, diferenciar a sua marca das demais. É preciso simplificar, modernizar e facilitar a comunicação nas multiplataformas”, diz Eduardo Tomiya, CEO da TM20 Branding.
No ranking deste ano das “Empresas mais valiosas no Brasil”, elaborado pela TM20 Branding em parceria com a consultoria Superunion e a agência WPP, as primeiras posições ficaram com o Nubank, Mercado Livre e Google.
Segundo Tomiya, essas empresas pontuaram mais alto graças aos critérios de diferenciação e relevância. “A diferenciação indica o quanto os consumidores consideram a empresa inovadora em seu segmento, enquanto a relevância diz respeito à utilidade e constância da marca no dia a dia do consumidor”, explica o CEO.
Para brigar por uma posição no imaginário dos consumidores hoje em dia, Tomiya afirma ser essencial conseguir se destacar nesses critérios.
Transformações internas
Vitor Bertoncini, diretor-executivo de marketing da Raia, conta que dez pesquisas foram feitas para entender o que o cliente pensava sobre as mudanças. “Estamos falando de uma marca de 120 anos. Uma mudança dessa magnitude não é simples e precisa envolver o cliente. Perguntamos sobre todos os detalhes e analisamos minuciosamente as respostas”, diz Bertoncini.
Segundo o diretor, com a transformação digital e a mudança da Raia para atuar em um ambiente de marketplace, a empresa quis retirar o “Droga” para abrir o escopo dos negócios.
“Droga restringe a um serviço de cuidado da doença, compra de medicamentos, mas a empresa não é mais só isso. Estamos trabalhando um marketplace com serviços sobre alimentação, sono, exercícios e cuidados preventivos diversos. É uma plataforma completa de saúde que não se limita à venda de remédios como era anos atrás”, afirma o diretor da Raia.
A Porto também quis transmitir para os seus clientes que a empresa é mais do que seguros. “Trabalhar marcas verticais nos permite atuar de forma mais ampla em temas e segmentos mais diversos, como mobilidade, finanças, saúde, ESG e outros”, diz Luiz Arruda, vice-presidente de Marketing da Porto.
Porto passou a ser o nome da holding, que é replicado em suas marcas verticais: Porto Seguros, Porto Saúde e Porto Seguro Bank.
A Via, que não é uma marca direta para o público, tinha um propósito diferente das outras duas companhias. Hélio Muniz, diretor de Comunicação da empresa, explicou à Forbes que o objetivo era tornar a marca mais simples, principalmente para os investidores e acionistas.
“Com ‘Varejo’ no nome era difícil transmitir a ideia de que a empresa não é mais só de varejo. Também mudamos a logo, as cores e a tipografia para adotar uma marca mais receptiva ao público. Foi um longo processo e que deve durar muitos anos”.
Já a mudança do Pontofrio para Ponto buscou dar uma roupagem mais jovem e descolada para a marca, segundo Muniz. O mascote Pin tem a missão de passar essa imagem. “Ele é um mascote brincalhão, um personagem das redes que está lá para vibrar, pregar peças e interagir com o público”, diz Muniz. Somando as redes sociais Instagram, Twitter e Facebook, o Pin possui cerca de 4,4 milhões de seguidores.
Sonho de toda marca
Os consumidores de hoje pulam de marca em marca, de produto em produto e de site em site com um simples clique. Ao mesmo tempo, a relevância da marca permanece alta, se não é maior do que já foi no passado.
Um artigo da consultoria McKinsey de 2020 observou que as marcas extraem seu poder de três fontes: dados (geração de insights e medição de desempenho), arte (criatividade) e desenvolvimento (gerenciamento e execução).
Fundamentos de marca fortes são especialmente importantes em tempos de mudanças aceleradas. Para a consultoria, é necessário uma compreensão profunda de clientes e mercados, ter um propósito claro e um desenvolvimento criativo e inovador, além de manter o foco na experiência da marca.
“Os consumidores de hoje estão muito mais informados sobre os produtos, serviços e atuação das empresas. Eles estão preparados para mudanças e muitas vezes esperam por elas”, diz Almeida, da Interbrand.
Em sua reestruturação, a Via mudou sua própria marca e a do Ponto. Casas Bahia ficou de fora e o motivo é simples: a empresa já está bem consolidada no imaginário do público. “Casas Bahia já é um ícone do Brasil. Qualquer mudança na marca iria tirar a sua força e repercutir mal com o público. O Chico César poderia até processar a gente, já pensou?”, brinca Muniz.
Ele cita a música “Mama África”, do cantor baiano Chico César, que menciona a loja na letra: “Mama África/ A minha mãe/ É mãe solteira/ E tem que fazer mamadeira/ Todo dia/ Além de trabalhar/ Como empacotadeira/ Nas Casas Bahia”.
O nome da empresa também está em outra canção, a “Chopis Centis”, dos Mamonas Assassinas. “Quanta gente/ E quanta alegria/ A minha felicidade/ É um crediário nas Casas Bahia”.
“O sonho de toda marca é o que a Casas Bahia já alcançou, que é se tornar conteúdo cultural, com presença em filmes, músicas e na literatura”, diz Almeida.
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